Estrelas e Poesias

Quando nasce uma consciência

Professora da Faculdade de Letras lança dicionário da imprensa feminina e feminista do Brasil do século 19

Uma variedade de temas ocupava as páginas dos jornais brasileiros que tinham as mulheres como público preferencial no século 19 – desde causas mais politizadas, como o direito de frequentar escolas e espaços públicos, até questões tradicionalmente associadas ao universo feminino, como moda, filhos e culinária, reforçando o ideário machista de fragilidade, dependência e subordinação da mulher.

Capa do Livro Imprensa feminina e feminista no Brasil
Capa do Livro Imprensa feminina e feminista no Brasil Divulgação

Essa diversidade está compilada no dicionário ilustrado Imprensa feminina e feminista no Brasil: século XIX, que será lançado nesta quinta-feira, 17, pela professora Constância Lima Duarte, da Faculdade de Letras da UFMG. Editado pela Autêntica, o livro, que mapeia 143 periódicos direcionados às mulheres, chama atenção por apresentar títulos que circularam tanto no centro quanto na periferia, no litoral e no interior, na metrópole ou nas afastadas províncias do território nacional. O volume é ilustrado por diversos fac-símiles de cabeçalhos, editoriais e trechos dos periódicos. 

O livro resultou de pesquisas sobre a história das mulheres, a literatura de autoria feminina e o movimento feminista no Brasil, área em que Constância atua há mais de três décadas. “Nesses estudos, a pesquisa de periódicos naturalmente se impôs. Para compreender o percurso realizado pelas mulheres, era preciso abarcar a produção letrada feminina como um todo, que se manifestou não apenas no formato ficcional e poético, mas também em crônicas, ensaios, memórias e escritos militantes”, explica. “Mais do que os livros”, detalha a autora, “foram os jornais e as revistas os primeiros e principais veículos da produção letrada feminina. Desde o início, eles se configuraram como espaços de aglutinação, divulgação e resistência”.

A pioneira

O início dessa empreitada remonta à década de 1980, quando Constância começou suas pesquisas sobre Nísia Floresta, escritora que traduziu obra feminista e começou a publicar em jornais ainda nos anos 30 do século 19 –  por isso, foi considerada a primeira feminista brasileira. Em seu livro, a professora explica que, no Brasil, a literatura, a imprensa e a consciência feminista surgiram praticamente ao mesmo tempo, nas primeiras décadas do século 19.

“Quando as primeiras mulheres tiveram acesso ao letramento, elas imediatamente se apoderaram da leitura, o que, por sua vez, as levou à escrita e à crítica. Independentemente de serem poetisas, ficcionistas, jornalistas ou professoras, a leitura deu-lhes consciência do estatuto de exceção que ocupavam naquele universo de generalizado analfabetismo feminino”, diz. “Essa tomada de consciência propiciou o surgimento de escritos reflexivos e engajados, o que se percebe pelo tom reivindicatório, de denúncia, que muitos deles ainda hoje contêm.”

Constância analisa o valor de amostragem – ainda que não definitiva – da coleção. “O volume de informações contidas no livro pode surpreender, mas acredito que os 143 títulos reunidos ainda representem apenas a ponta de um iceberg: muitos outros devem ter existido e se perdido em razão do descaso com os escritos de mulheres”, lamenta, ao mesmo tempo que demarca a relevância dos verbetes aos quais teve acesso. “Redescobertos, esses periódicos devem propiciar novas reflexões acerca da tradição literária das mulheres, da profissionalização das primeiras jornalistas, do papel das revistas e dos jornais na ampliação do público leitor e na conscientização feminina, além de revelar as estratégias usadas por essas mulheres para driblar a censura e se expressar publicamente”, afirma Constância Lima Duarte.

Ewerton Martins Ribeiro