Boletim

Nº 1951 - Ano 42 - 08.08.2016

Genética e Alcoolismo

'O livro fechou'

Pesquisa realizada por grupo da FaE promove ações de letramento literário na educação infantil

Para ajudar a controlar momentos de gritaria em sua turma, formada por crianças de dois anos, a professora Elizabeth Pereira, da Unidade Municipal de Educação Infantil (Umei) Santa Amélia, decidiu que iria solicitar à instituição a compra do livro Rita, não grita!, de Flavia Muniz. Foi nessa época que o grupo de pesquisa Leitura e Escrita na Primeira Infância (Lepi), vinculado ao Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale) da Faculdade de Educação da UFMG, começou um trabalho em parceira com a instituição. Logo após os primeiros encontros com o grupo, Elizabeth repensou seus critérios em relação à compra da obra naquele momento. “Eu usava a literatura como meio, mas não como um fim em si”, admite a professora.

A escolha de livros muito pautada por conteúdos a serem ensinados, e não pela função estética da literatura, foi uma das principais observações do diagnóstico inicial do projeto Letramento literário na educação infantil, que teve como objetivos compreender as dificuldades das professoras da Umei em relação ao trabalho com literatura e atuar na sua formação como mediadoras de leitura para a educação Infantil. Por seu caráter inovador, o trabalho foi selecionado pela Fapemig para integrar a mostra Inova Minas 2016, realizada neste mês.

No início do projeto, outras carências observadas diziam respeito à falta de regularidade e de planejamento das atividades que envolviam literatura. “Para ampliar as possibilidades de construção de sentidos pela criança, com base em um texto literário, é preciso que o professor planeje bem como vai realizar cada leitura, que escolha o livro pensando naquele grupo ou em uma criança em especial, que pense na prosódia, nas questões que podem ser utilizadas durante e após a leitura”, recomenda a coordenadora do projeto, professora Mônica Baptista, da FaE. 

Os  encontros de ­formação com as professoras da Umei basearam-se na reflexão sobre suas próprias práticas, registradas em vídeos, e foram organizados por temas que os pesquisadores do Lepi gostariam de discutir e aprofundar e que englobavam aspectos como critérios para definir a qualidade de uma obra literária, constituição e organização de acervos e a disposição das crianças em ouvir histórias. 

Grupo da Umei Santa Amélia: ambiente de leitura literária
Grupo da Umei Santa Amélia: ambiente de leitura literária Acervo Lepi

Inversão de papéis

Para Elizabeth, uma cena presenciada em sua sala foi um bom exemplo dos frutos do projeto: com menos de 2 anos de idade, uma criança pegou da estante um livro e convocou seus colegas a se sentarem para acompanhar a leitura que iria fazer. Enquanto narrava a história, a cada nova página, ela virava o livro para o grupo, para que os colegas também pudessem ver as imagens. Quando começava algum tumulto, a menina logo interrompia a leitura e advertia: “O livro fechou!” Isso, na opinião de Elizabeth, revela que as crianças, mesmo ainda distantes do ciclo de alfabetização na educação básica, construíram um rico ambiente de leitura literária.

A metodologia escolhida para o projeto buscou responder a uma demanda sempre presente nas formações anteriores realizadas pelo Lepi. “As professoras se ressentiam do caráter muito teórico da formação. Nas opinião delas, as práticas até podiam ser exemplares, mas não dialogavam com a realidade e com o dia a dia delas”, relata Mônica Baptista. Por isso, os pesquisadores optaram por utilizar registros em vídeo das práticas realizadas na própria Umei Santa Amélia como material de análise, por meio de técnica denominada autoconfrontação, que convida o professor a ser um agente dessa reflexão. 

A equipe da UFMG também se pôs no lugar de observado, ou seja, seus pesquisadores propunham e realizavam atividades analisadas e comentadas posteriormente pelas professoras da Umei. Para Elizabeth Pereira, essa inversão de papéis foi muito positiva para dar segurança a ela e a suas colegas: “Na hora de assistir ao vídeo e ouvir o relato, a gente via que eles também ficavam ansiosos e tinham suas dificuldades. Hoje, se eu participasse de outra pesquisa, ficaria bem mais tranquila e confiaria mais em mim”, conclui a professora. 

*Jornalista do Ceale/FaE

Vicente Cardoso Júnior*