O futuro em jogo

Inclusão ameaçada

Especialistas avaliam que políticas educativas de caráter social devem sofrer retrocessos no governo provisório

A exoneração de 31 assessores do Ministério da Educação – 23 deles ligados à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) –, publicada no Diário Oficial da União no início deste mês, acendeu o alerta quanto à consolidação do Plano Nacional de Educação (PNE) e às perspectivas de políticas educacionais com viés social. É o que afirmam professores e especialistas do segmento à reportagem da Rádio UFMG Educativa.

O professor Rodrigo Ednílson de Jesus, da Faculdade de Educação, que recentemente ocupou o cargo de coordenador geral de Educação para as Relações Étnico-raciais, da Secadi, avalia que, além do apagamento das pautas de políticas de diversidade, as medidas do governo de Michel Temer no campo da educação geram outro receio. “É possível que os funcionários exonerados sejam substituídos por outros que tenham concepções antagônicas à garantia de direitos. A política de educação pode ser apagada ou modificada, tornando-se muito mais conservadora do que progressista”, observa ele, que atualmente é coordenador de Ações Afirmativas da Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (Prae), 

Ilustração para Boletim UFMG Nº 1.946 - Ano 42 - 27 de junho de 2016

Lucas Braga

Para o cientista político Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, as exonerações em massa estão alinhadas com a estratégia do governo federal de esvaziar as secretarias cuja natureza se choca com os interesses do governo provisório. “Ele não considera a Secadi estratégica ou necessária. Por isso, o presidente retirou as pessoas que operacionalizavam o trabalho”, observou.

Ao longo dos últimos anos, a Secadi ajudou a conferir visibilidade a algumas questões até então marginalizadas no campo da educação, como o preconceito racial, o bullying relacionado à homossexualidade e a desvantagem dos negros em relação ao acesso à educação. “Antes da Secretaria, a sociedade não debatia, por exemplo, os problemas relacionados à educação inclusiva. O desmonte gera o risco de que tais questões voltem à invisibilidade. Teremos muito trabalho para garantir que a Secadi possa desempenhar suas funções”, analisa Daniel Cara.

Nesse sentido, Rodrigo Ednílson ressalta que o partido político ao qual o atual titular da pasta do MEC é filiado [Mendonça Filho, do DEM] também já se posicionou contrariamente às políticas da Secadi. “A ruptura brusca com o trabalho que vem sendo desenvolvido tem, certamente, um potencial de impacto na continuidade das políticas de reconhecimento da diversidade, na efetivação do PNE, na continuidade do FNE e na interlocução do MEC e a sociedade civil. É uma grande ameaça às políticas que escolhemos nas urnas”, enfatizou.

O professor acrescenta que está em jogo a concepção de educação para o Brasil. “Não à toa, a maior parte das exonerações se deram justamente na Secadi, que representa a política de reconhecimento da diversidade. Isso é muito sério porque apostávamos na continuidade e no aprofundamento do projeto de nação mais progressista, inclusivo e democrático”, afirma Ednílson.

Esvaziamento

Manobra semelhante, segundo Daniel Cara, ocorreu no âmbito do Fórum Nacional de Educação (FNE). “O ministro da Educação manteve o desenho institucional do Fórum e da Sase [Secretaria de Articulação com Sistemas de Ensino], mas esvaziou sua estrutura. Isso tem sido feito em diversas áreas, com o trabalho operacional daqueles de quem o presidente discorda”, completa. 

“Acredito que se o impeachment da presidente se confirmar, essa lógica vai prevalecer. Também deve perder força a concepção de educação sistêmica (ensino público da creche à pós-graduação)”

Daniel Cara se disse preocupado com o iminente recuo em relação às conquistas que a educação no Brasil alcançou ao longo dos últimos 12 anos. Em sua visão, o mérito é da sociedade civil, cujas demandas orientaram a criação das políticas educacionais das duas últimas gestões.  Segundo Daniel Cara, esse movimento deixa evidente a intenção de retomar o posicionamento adotado pelo Ministério da Educação durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, que priorizou a criação de “ilhas de excelência”, em detrimento da “universalização da educação”. “Acredito que se o impeachment da presidente se confirmar, essa lógica vai prevalecer. Também deve perder força a concepção de educação sistêmica (ensino público da creche à pós-graduação)”, argumentou. 

O coordenador do Fórum Nacional de Educação (FNE) e diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), professor Heleno Araújo, explicou que as exonerações dos servidores que atuavam na Sase inviabilizam todos os encaminhamentos das decisões do FNE, entre as quais “as emissões de passagens e concessões de diárias, além da coordenação das conferências de educação”. 

A falta de pessoal, segundo Heleno Araújo, pode prejudicar a realização da próxima Conferência Nacional da Educação (Conae), em 2018. “Temos que incluir no orçamento da União as etapas municipais e estaduais da Conae. Se não houver um grupo trabalhando internamente no MEC para garantir isso, corremos o risco de não realizar o evento, que ocorre a cada quatro anos e é uma exigência da lei que instituiu o PNE”, reforçou.

Vinculações

A rediscussão, pelo presidente interino e pelo ministro da Fazenda, Henrique Meireles, das vinculações institucionais do orçamento da União para áreas sociais é outro aspecto “gravíssimo”, no entendimento de Daniel Cara. Segundo o coordenador da Campanha Nacional, flexibilizar as vinculações, que hoje financiam a educação, a saúde e a assistência social, pode representar o aniquilamento do PNE. “Não dá para impor um teto à necessidade de expansão de creches, escolas, universidades públicas e de qualificação das matrículas atuais. Isso porque a qualidade da educação, no Brasil, está muito distante de ser minimamente razoável. É inaceitável que várias etapas da educação básica não tenham matrícula e vagas para crianças, adolescentes, jovens e adultos. O cenário é muito preocupante, e a política educacional no país vivencia um momento crítico”, argumenta.

Na visão de Daniel Cara, a questão financeira, no entanto, extrapola as primeiras decisões do governo interino. “O Plano já não vinha sendo cumprido integralmente, por conta do ajuste fiscal proposto durante a gestão de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda. O ponto central é essencialmente a falta de recursos para a área, que limita as possibilidades de desenvolvimento de políticas sociais”, disse.

Tempos sombrios

“O governo provisório de Michel Temer tem pressa, muita pressa, em desmantelar as políticas de Estado garantidoras de direitos”, afirma o professor Luciano Mendes de Faria Filho, da Faculdade de Educação (FaE) da UFMG, no texto A educação em tempos sombrios: perspectivas para a educação no governo provisório de Temer, publicado no blog Pensar a Educação. Segundo ele, existe a expectativa, nos meios acadêmicos e movimentos sociais, de que ocorra “um ataque frontal às políticas educacionais postas em ação nos últimos 13 anos”, comprometendo, inclusive, a garantia do piso nacional para os professores.

“O governo provisório de Michel Temer tem pressa, muita pressa, em desmantelar as políticas de Estado garantidoras de direitos”

Com base em posicionamentos anteriores do grupo que ascendeu ao poder, Luciano Mendes, coordenador do projeto Pensar a Educação, Pensar o Brasil (1822-2022), projeta as mudanças que podem se estender a todos os níveis do ensino. No campo da educação básica, o professor acredita que haverá maior vinculação da educação infantil à escola fundamental, prejudicando, assim, aspectos específicos da educação para as crianças pequenas. O professor também prevê maior vinculação do ensino médio ao mercado de trabalho, desmantelando o que o novo governo considera “um excessivo viés acadêmico desse nível de ensino”.

Quanto à operacionalização das políticas e ações propostas para a educação básica, Luciano Mendes assinala que deverá haver uma mudança dos parceiros do MEC. “Na ausência de uma burocracia especializada no Ministério, ele depende fortemente do concurso de outras agências para fazer suas propostas saírem do papel. Nos últimos anos, esses parceiros foram as universidades públicas. Mas é pouco provável que essa parceria continue, ou porque ela não serve aos novos propósitos do governo, ou por falta de engajamento da mão de obra (professores e alunos de pós-graduação)”, considera.

Na pesquisa e na pós-graduação, a perspectiva é de que as mudanças mais imediatas se deem nas modalidades de financiamento. “É previsível a diminuição do financiamento nas áreas de humanas e sociais e um aumento nos cursos mais próximos das ‘necessidades’ do mercado, notadamente os mestrados profissionais”, prevê.

O artigo A educação em tempos sombrios: perspectivas para a educação no governo Provisório de Temer, publicado em 26 de maio, pode ser lido, na íntegra, no blog Pensar a Educação.

Matheus Espíndola