Paternidade que protege

Violência contra a mulher é ato de poder

Segundo o Atlas da Violência de 2017, publicação do Ipea em conjunto com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Brasil teve 49.407 casos de estupros registrados no último ano. Sabemos que essa é apenas a ponta de um gigantesco iceberg, já que a maioria desses casos não chegam a ser denunciados. Somos uma sociedade violenta e patriarcal, além de historicamente racista. É isso que explica a condição cotidiana e naturalizada de violência à qual as mulheres brasileiras, independentemente da sua classe social, estão permanentemente submetidas. Mas as mulheres negras, infelizmente, são as que sofrem mais e têm duas vezes mais chances de ser assassinadas do que as mulheres brancas, segundo diagnóstico de homicídios no Brasil divulgado pelo Ministério da Justiça em 2015. 

Trata-se de um fenômeno recorrente e continuado no Brasil, que reflete a cultura de dominação e controle dos homens sobre os corpos e as vidas das mulheres. Cada violência dessas é um ato de poder: um ato de dominação masculina. Trata-se, portanto, de uma violência sexista, já que o sexo das vítimas é determinante para sua ocorrência. A violência estrutural dos homens contra as mulheres não se constitui de casos isolados ou episódicos. Esses casos estão inseridos num continuum de violência que começa muito cedo dentro dos lares e são perpetrados por aqueles que deveriam proteger e cuidar (pais, padrastos, maridos, companheiros). 

Falamos de ciclo da violência contra as mulheres, já que ela não começa no feminicídio. Inicia-se com padrões e atitudes masculinas glamourizadas e naturalizadas pela sociedade: “você não vai usar esse batom”, “não vai sair com essa roupa”, “quem decide como fazer sou eu”. Milhões de meninas e mulheres escutam essas frases diariamente. Além da violência velada na ameaça, temos as humilhações cotidianas – a violência simbólica – que minam a autoestima e destroem a capacidade de reação. Daí se instala a violência física propriamente dita que, se não interrompida, poderá levar (e leva) ao feminicídio. Todo esse ciclo de violências limita o desenvolvimento livre e saudável da vida de meninas e mulheres no Brasil.

É preciso impedir que esse ciclo se inicie, e, quando ele já está instalado, cada mulher tem de encontrar o acolhimento e o apoio institucionais necessários para romper com essas experiências. Existe uma rede de enfrentamento à violência que deve ser conhecida e acionada, mas cada um de nós precisa também fazer a sua parte. Não é mais possível ignorar tanto sofrimento e desperdício de capacidades humanas. A violência contra as mulheres é um ato de poder a ser enfrentado e eliminado da nossa sociedade.

Marlise Matos participa da última edição do ano do projeto Café Controverso, que põe em debate a violência contra a mulher. Por que a sociedade é tão violenta com as mulheres e quais as mudanças possíveis nesse cenário são alguns dos pontos que serão discutidos no evento. O Café ocorre neste sábado, 18 de novembro, às 11h, na cafeteria do Espaço do Conhecimento UFMG. A entrada é gratuita.

Marlise Matos, professora do Departamento de Ciência Política da UFMG e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher