Regenerador de ossos
Departamento de Química sintetiza material que atua na reconstituição óssea e no tratamento de lesões na boca
Um biovidro sintetizado no Departamento de Química da UFMG, composto de sílica, fósforo e cálcio, surge como alternativa promissora para regeneração e reconstituição de ossos humanos danificados. Em pó ou grânulos, esse material vítreo é um substituto ósseo que traz vantagens se usado em implantes dentários e também pode ser aplicado no tratamento de lesões na boca e na higiene bucal de crianças com Síndrome de Down.
"Esse produto químico favorece os processos de osteoindução e osteocondução. Ele estimula o processo de reconstituição do osso, construindo caminhos para o seu crescimento. No lugar onde o material é implantado, o organismo restaura o osso danificado", explica a professora Rosana Domingues, coordenadora da pesquisa.
O material foi idealizado para ser empregado em procedimentos usuais de implantes dentários, uma vez que o Brasil é o segundo maior mercado de odontologia do mundo. Para a realização do implante – em situações em que o paciente apresenta os ossos da boca em bom estado –, o dentista faz o enxerto e, por meio de um parafuso metálico, encaixa a coroa do dente. No entanto, 40% dos pacientes chegam aos consultórios odontológicos com falhas ósseas no local em que receberá o parafuso responsável pelo encaixe do implante. Nesses casos, há várias maneiras de recompor o pedaço do osso, e a mais comum é o enxerto autógeno, proveniente do próprio paciente.
"O dentista realiza cirurgia para retirada de um pedaço de osso de outra parte do corpo do paciente. Esse pedaço é colocado no local que precisa de preenchimento ósseo e fica ali por três ou quatro meses. Depois que o osso se regenera, a prótese é encaixada", explica Rosana Domingues. A pesquisadora acrescenta que o método, apesar de muito usado, é ruim porque envolve duas cirurgias – a extração do fragmento do osso e a realização do enxerto. Assim, o biovidro emerge como opção mais eficiente, porque elimina um dos processos. "Como o método autógeno de implante usa dois procedimentos cirúrgicos invasivos, há maior risco de infecção. Percebemos que a melhor solução seria o uso de um produto completamente sintético, feito em laboratório. O pó que desenvolvemos é introduzido na falha óssea; depois de alguns meses, aquela região já está regenerada e pronta para receber o implante dentário. Dessa forma, não é necessário submeter o paciente à cirurgia que retira o osso para o enxerto", afirma a pesquisadora.
Temperatura ambiente
Os substitutos ósseos já são fabricados por diversas empresas espalhadas pelo mundo, mas dois aspectos inovadores diferenciam o pó desenvolvido pela equipe da pesquisadora Rosana Domingues. O primeiro é o próprio processo de produção, mais barato e rápido que os métodos atuais. "Os substitutos ósseos existentes são produzidos por aquecimento, em processos físicos cujas temperaturas alcançam 1.800°C. O nosso processo é todo feito em temperatura ambiente, de forma química, o que acelera a operação e reduz o gasto energético", compara a professora do Departamento de Química.
Conseguimos produzir o pó agregado a elementos anti-inflamatórios e de cicatrização
A segunda vantagem do método também decorre de seu processo produtivo. Como o material não é submetido a altas temperaturas, é possível combiná-lo com fármacos e outras substâncias anti-inflamatórias, liberadas gradualmente no organismo do paciente. "Conseguimos produzir o pó agregado a elementos anti-inflamatórios e de cicatrização. Além de reconstituir o osso, o substituto é capaz de tratar o local da lesão. No processo tradicional, isso não é possível porque as altas temperaturas degeneram os fármacos", diz Rosana.
A associação do substituto ósseo a fármacos possibilita outra aplicação odontológica do produto. Como as crianças com Síndrome de Down têm mais dificuldades para manter uma adequada higiene bucal, a pesquisadora prevê a utilização do pó em algumas regiões dos ossos da arcada dentária, o que ajuda na assepsia da boca. "Já fizemos testes misturando própolis e pó e com a aplicação do pó nas cavidades dentárias dessas crianças. Como a própolis é um antisséptico natural, os testes em células foram positivos, e o substituto ósseo com a substância apresentou resultados promissores", diz a professora.
A combinação do material com fármacos, trabalho que envolve alunos de graduação e pós-graduação, deve ser submetida à aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ela precisa se ajustar às especificações da agência reguladora. "Também buscamos financiadores para a construção de um laboratório de fabricação do material. Vários testes demonstram que não há efeito colateral do substituto ósseo para o organismo dos pacientes. Nossa meta é comercializar o produto em até um ano e meio", projeta Rosana Domingues.
Os resultados da pesquisa, desenvolvida desde 2002, foram apresentados em 2015 na mostra Minas Inova Fapemig, que reuniu projetos financiados pela instituição.