Revoluções tecnológicas e reposicionamento do trabalho
O papel do trabalho nas economias modernas é tema de controvérsias há muito tempo. Avanços tecnológicos impressionam, como mostram os autores André Gorz, em sua obra Adieux au prolétariat, de 1980, Claus Offe, com Problemas estruturais do estado capitalista, de 1984, em que traça um diagnóstico do fim da centralidade do trabalho, e Jeremy Rifkin, em The end of work, de 1995.
Essas obras são expressões de transformações estruturais no mundo do trabalho, resultado de revoluções tecnológicas, processo intrínseco à dinâmica de longo prazo do sistema capitalista. Essas revoluções criam novos setores econômicos, novas indústrias e novos serviços ao mesmo tempo que reconfiguram e destroem os já existentes.
A Revolução Industrial foi a primeira de uma sequência de cinco revoluções tecnológicas. A mais recente, a das tecnologias da informação e das comunicações, começou, aparentemente, no início década de 1990.
Desde a Revolução Industrial, o mundo do trabalho vem sendo transformado pela emergência de novos setores industriais, pela criação e destruição de ocupações, mas não parou de crescer: atualmente, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), há 3,3 bilhões de empregados e 211 milhões de desempregados. Esse quadro suscita uma pergunta: a ciência e a tecnologia eliminam o trabalho? Certamente há muita controvérsia na resposta, pois uma reflexão sobre a natureza da ciência e da tecnologia permite-nos concluir que elas são produtos do trabalho humano – e de cunho intelectual.
A partir da Revolução Industrial, ocorre crescimento sistemático das atividades relacionadas à ciência e às engenharias. Institucionalmente, houve a construção de sistemas de inovação, que articulam as atividades de universidades, institutos de pesquisa e laboratórios de pesquisa e desenvolvimento de empresas. Possivelmente, segundo a National Science Foundation (EUA), seis milhões de cientistas e engenheiros estão empregados globalmente em atividades de pesquisa e desenvolvimento.
Essa interpretação da ciência e da tecnologia como produtos do trabalho humano sugere que, em vez do fim do trabalho, o que tem ocorrido é um processo de persistente transformação estrutural desse universo. Tal processo pode ser identificado como um reposicionamento do trabalho, em que há o crescimento do peso relativo do polo de trabalho intelectual em relação ao polo de trabalho manual.
Os sistemas de inovação estão por trás da geração de novas tecnologias – eles são o berço institucional das revoluções tecnológicas. Há uma revolução tecnológica em curso e que pode ser ilustrada pelo surgimento e crescimento do Google.
Além de todas as revoluções tecnológicas ocorridas até hoje, o que pressupõe o Google? Em primeiro lugar, a World Wide Web – uma criação do mundo da ciência, em 1991, proposta em 1989 por um cientista da computação (Tim Berners-Lee), que trabalha em um importante centro de pesquisa internacional e internacionalizado (CERN, Suíça), ligado a uma rede de pesquisa em física de partículas. A www seria um dos spin-offs do CERN. Em segundo lugar, um sistema de pós-graduação bem-estabelecido com financiamento público, nos Estados Unidos, para iniciativas de pesquisa. Em 1998, Page e Brin apresentaram um artigo na Sétima Conferência Internacional da World Wide Web sobre um algoritmo para uma nova técnica de busca. Em terceiro lugar, um sistema financeiro bem-estabelecido: o Google obteve dinheiro de um cofundador da Sun Microsystems, em 1998, de empresas de capital de risco, em 1999, e teve sua IPO em 2004. Em quarto lugar, um sistema econômico em que a publicidade é uma fonte de renda estável e expressiva (em 1998, 2,4% do PIB dos EUA; atualmente, o mercado global de publicidade supera US$ 500 bilhões). Em quinto lugar, uma grande infraestrutura de informação que abre espaço para a mercantilização da informação, fonte de criação de valor pelo trabalho dentro do Google. Finalmente, uma economia internacionalizada: Google é global desde a sua criação, pois a
world.wide.web tem alcance mundial.
O que o Google pode estar ilustrando? A economia global está agora em uma nova fase, uma vez que a expansão do capital cria nova região para a acumulação: o mundo digital. O Google é apenas uma ilustração das mudanças atuais: uma nova etapa no processo de reposicionamento do trabalho, com a informação e o seu processo de geração ocupando lugar cada vez mais destacado na dinâmica global do capitalismo. Essa nova posição, por sua vez, empurra o polo do trabalho intelectual para um papel mais central e torna o mundo do trabalho mais hierarquizado e heterogêneo.
Novos desafios para todos e novas oportunidades. Mais um tema para novas controvérsias.
*Professor do Departamento de Ciências Econômicas da Face e pesquisador do Cedeplar
Eduardo da Motta e Albuquerque e o também professor da Face João Antonio de Paula são os convidados da edição de maio do programa Café Controverso, sobre as novas dinâmicas de trabalho na era da Google. O impacto dessas mudanças tecnológicas será discutido no evento, agendado para este sábado, 6 de maio, às 11h, no Espaço do Conhecimento UFMG. Após o debate, Albuquerque lançará o livro Metamorfoses do capitalismo e processos catch-up, publicado pela Editora UFMG.