Retrato literário de uma época

Ossos que purificam

Método descrito em tese da Escola de Engenharia emprega carvão animal no manejo sustentável de efluentes da indústria petrolífera

A retirada de contaminantes de efluentes de processos petrolíferos sempre foi um desafio para a indústria do setor, uma vez que sua produção gera grande quantidade de detritos poluidores. Em tese de doutorado defendida no Programa de Pós-graduação em Engenharia Metalúrgica, Materiais e de Minas da Escola de Engenharia da UFMG, no fim do ano passado, a professora Patrícia da Luz Mesquita, da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), descreveu um método que utiliza carvão animal – feito de ossos bovinos – para limpar a água empregada no processo industrial petrolífero.

“Os efluentes são os resíduos líquidos resultantes de processos industriais e, no caso da atividade petrolífera, contaminantes são incorporados à água usada ao longo de todo o processo, da extração ao refino do petróleo. O método que descrevi removeu contaminantes importantes, difíceis de degradar, e isso pode contribuir para aumentar a reutilização dessa água pela refinaria”, explica a professora.

O tratamento convencional da água proveniente da atividade petrolífera é incapaz de retirar todos os compostos não biodegradáveis dos efluentes, o que impossibilita o seu total reaproveitamento. Com o uso do carvão de ossos bovinos, foi possível fazer com que parte dos compostos orgânicos refratários (não biodegradáveis), como hidrocarbonetos de cadeia longa, ácidos carboxílicos, aminas e amidas – típicos da indústria do petróleo –, fossem mais facilmente removidos. O carvão de ossos bovinos possui uma área superficial e porosidade que favorecem a retenção do resíduo petrolífero. 

“A sujeira não removida em etapas anteriores do tratamento da água residuária fica retida, aderida à superfície do carvão”, diz a pesquisadora. Ela explica que a maioria dos carvões é constituída majoritariamente por carbono, enquanto o bovino possui, em sua composição química, fosfatos e carbonatos de cálcio. A limpeza do efluente ocorre porque os contaminantes refratários da indústria do petróleo interagem com esses fosfatos e carbonatos, fazendo a sujeira “grudar” no carvão. 

“A adsorção de contaminantes – que é a adesão de moléculas de um fluido a uma superfície sólida – também ocorreu com o carvão convencional, mas com o carvão de osso bovino a velocidade foi maior. Com apenas duas horas foi possível reter os contaminantes até a saturação. Com o material convencional, esse processo demorou de seis a oito horas”, compara a professora da UFSJ.

Tratamento térmico em altas temperaturas transforma os ossos de boi em carvão
Tratamento térmico em altas temperaturas transforma os ossos de boi em carvão Acervo da pesquisa

Os testes foram realizados em escala laboratorial durante o doutorado da pesquisadora. Inicialmente, ela analisou os poluentes e observou sua constituição. Depois, promoveu testes com o carvão bovino, classificado quanto à sua composição química, estabilidade térmica, porosidade e área superficial. Em outra fase do estudo, Patrícia Mesquita reproduziu o processo contínuo que ocorre nas indústrias petrolíferas. “Introduzimos o carvão bovino em uma coluna de adsorção em escala de bancada, no laboratório. Bombeamos amostras do efluente real da indústria para dentro da coluna e observamos o que acontecia. Fizemos esses testes em diferentes condições operacionais, com diferentes massas de carvão, vazões e concentrações iniciais de poluente, para observar o poder do carvão bovino em reter os contaminantes”, explica a professora.

Reúso e manejo sustentável

Segundo Patrícia Mesquita, o reaproveitamento é a chave de seu estudo, uma vez que contribui para estabelecer uma rota sustentável de processos, ampliando o reúso da água da indústria petrolífera e diminuindo o descarte de água contaminada. O método desenvolvido em sua pesquisa também diminui o uso dos ossos – resíduo volumoso gerado pelas indústrias pecuária e de alimentos – e aproveita o próprio carvão bovino, que pode ser utilizado várias vezes para a limpeza dos efluentes.

“Fizemos ensaios para identificar a possibilidade de recuperar o carvão depois de utilizá-lo na limpeza dos efluentes e descobrimos que ele pode ser regenerado por meio de processos térmicos ou químicos – neste último caso, mais de 90% da capacidade inicial de adsorção de contaminantes orgânicos do carvão de ossos bovinos foi recuperada”, garante a professora.

O doutorado da professora foi desenvolvido no âmbito de grupo de pesquisa que investiga processamento mineral e meio ambiente, coordenado pela professora Sônia Denise Ferreira Rocha, do Departamento de Engenharia de Minas da Escola de Engenharia da UFMG. O grupo trabalha em cooperação com a Petrobras, no desenvolvimento de projetos de reúso da água utilizada na indústria petrolífera e rotas de descarte zero, e com a Bonechar Carvão Ativado do Brasil, em aplicações para o carvão de ossos bovinos. 

Luana Macieira