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Antídoto para pressão

Estudantes da Medicina contam com apoio psicopedagógico, desde o ciclo básico, para enfrentar exigências do curso

Gustavo de Francisco Campos está muito perto de concluir o curso de Medicina. São quase seis anos de muito estudo e sacrifício, mas, durante praticamente metade desse tempo, ele contou com um apoio muito especial: esteve em contato regular com os profissionais do Núcleo de Apoio Psicopedagógico ao Estudante da Faculdade de Medicina, o Napem. “A pressão é grande, o ambiente é ansiogênico, foi importante contar com ajuda qualificada”, afirma o estudante, que se prepara para a residência em Radiologia (diagnóstico por imagem). 

Gustavo, que hoje é tutor júnior do Programa de Tutoria – outra das instâncias responsáveis pelo acolhimento dos estudantes na Unidade –, esteve entre os 127 alunos atendidos pelo Napem no primeiro semestre de 2015. A demanda tem superado a capacidade do Núcleo, e 44 estudantes ficaram na fila de espera no fim do ano passado. Em março deste ano, 80 alunos estavam sendo atendidos, e dez aguardavam uma vaga na agenda.

Se em outros tempos havia resistência dos alunos, que não queriam passar imagem de fragilidade, hoje eles fazem questão de contar que frequentam o Napem. “A cultura na área médica sempre foi a de que o profissional não sofre, não adoece, o que é muito preocupante. Mas isso está mudando”, afirma o psicólogo Gilmar Tadeu de Azevedo Fidelis, psicólogo do Núcleo e coordenador do Programa de Tutoria da Faculdade de Medicina. Ele relata que os estudantes chegam por indicação dos professores, do serviço de Escuta Acadêmica, do Diretório Acadêmico e dos próprios colegas. “A experiência deles é positiva, e essa confiança é transmitida para a comunidade.” Ele lembra que rapazes e moças chegam à Faculdade bem jovens para encarar um ciclo básico exigente, um curso com carga horária extensa e grande volume de conteúdo, assim como o contato com pacientes já desde o 4º período. “São fatores geradores de grande pressão interna e externa”, acrescenta.

Segundo Fidelis, o trabalho do Napem é guiado pela necessidade de formação de médicos competentes técnica e emocionalmente. “Quando se fala em humanização da medicina, a ideia é que o cuidado pleno do paciente exige, além da técnica, formação humanística do aluno. Queremos profissionais mais atentos e cuidadosos, cujo caminho seja marcado pelo desejo e pela vocação, e não pelas expectativas das outras pessoas e do mercado”, diz o psicólogo.

Gilmar Fidelis: estresse gerado por carga horária extensa, grande volume de conteúdo e contato precoce com pacientes
Gilmar Fidelis: estresse gerado por carga horária extensa, grande volume de conteúdo e contato precoce com pacientes Carol Morena/Faculdade de Medicina

Cenários-limite

Embora tenha sido formalizado apenas em 2004, o Napem tem história que se alonga por quase quatro décadas. Entre 1978 e 1982, seminários sobre a relação médico-paciente, supervisionados pela professora Clara Feldman, revelaram dificuldades emocionais dos estudantes – de origem familiar e enfrentadas no próprio curso –, problemas de relacionamento e dificuldades de aprendizagem. Logo surgiria o Projeto Padrinho, em que professores e alunos discutiam esses problemas em encontros semanais.

Em 1996, com a aposentadoria de Clara Feldman, Gilmar Fidelis, então recém-chegado à UFMG, assumiu, com professores da Saúde Mental, o módulo Relação Médico-paciente da disciplina Prática de Saúde B. Quatro anos depois, foi criado o Projeto de Tutoria, um processo de integração, suporte emocional e acompanhamento sistemático ao estudante na formação médica, incluindo a abordagem de cenários-limite. Também nessa época, surgiu o Napem, que já contribuiu decisivamente para a formação integral de quase dois mil estudantes. O Núcleo, que foi oficialmente estruturado em 2004, além de acolher os alunos, assessora a diretoria da Faculdade de Medicina em questões de ordem psicopedagógica e psicossocial.

Gilmar Fidelis esclarece que, a princípio, os atendimentos não têm formato de psicoterapia, indicada somente em casos mais graves e em quadros clínicos e estruturais específicos. Após avaliação, os estudantes podem ser encaminhados para psicólogos e psiquiatras. As sessões de atendimento têm periodicidade variável e duração de 40 minutos a uma hora. “Da mesma forma que a equipe está apta e disponível para o atendimento de emergência num fim de semana, por exemplo, também está atenta para evitar situações de dependência e abusos”, afirma o psicólogo.

Acolhimento consolidado

A psicóloga Emely Vieira Salazar, servidora aposentada da Faculdade de Medicina e integrante voluntária da equipe do Napem,  lembra que o atendimento aos alunos foi “clandestino” durante muitos anos. Há décadas envolvida com o trabalho que hoje está a cargo do Núcleo, ela afirma que o espaço para o acolhimento está mais que consolidado. “Mudou a sociedade, e hoje a procura é mais equilibrada entre homens e mulheres, todos querem conversar sobre seus problemas”, diz Emely.

Com a dupla experiência de antigo usuário e atual colaborador do esforço de atendimento da Faculdade, Gustavo de Francisco Campos não hesita em recomendar o Napem para os colegas: “Muitos, como eu, chegam ainda adolescentes do interior e se sentem sozinhos. A pressão do curso nos faz esquecer a vida social e ignorar a necessidade de praticar um esporte. Por isso, o acolhimento é importante. Os resultados exigem o esforço de cada um, eles vêm aos poucos, mas as coisas acontecem”. Ele acrescenta que aprendeu a se conhecer melhor e valorizar a psicologia. “Cuidar de si mesmo é fundamental para que o médico cuide melhor do outro”, completa Gustavo.

Itamar Rigueira Jr.