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Longe da gestação

Pesquisa mostra baixo envolvimento de estudantes de odontologia no atendimento a mulheres grávidas

“É necessário estabelecer estratégias que propiciem maior contato dos alunos em formação com as pacientes gestantes”, defendeu a graduanda da Faculdade de Odontologia Raíssa Elias na mesa-redonda Tratamento odontológico durante a gestação no ensino da graduação, realizada no último dia 17, como parte da 26ª edição da Semana do Conhecimento.

Na ocasião, foram apresentados os resultados da pesquisa desenvolvida por Raíssa sobre a percepção e os conhecimentos dos alunos de odontologia da UFMG acerca do tratamento de pacientes gestantes.

Alguns números contidos nas conclusões do trabalho alertam para a necessidade de repensar o percurso de formação. Embora 83% dos alunos tenham interesse em atividades de ensino que envolvam o pré-natal odontológico, 84% não atenderam gestantes. Os alunos do décimo período, em razão da maior ocorrência de disciplinas de atendimento de urgência, relataram maior número de atendimentos.

Por meio da aplicação de questionários, a graduanda, orientada pela professora Lívia Guimarães Zina, analisou quantitativamente – com suporte do software Epi Info – as respostas de 303 alunos, matriculados entre o quarto e o décimo período do curso. Ela também conduziu análise qualitativa por meio de questões abertas. O estudo foi motivado pela percepção de que é baixa a procura, por gestantes, de atendimento odontológico nos hospitais da cidade. Durante a gravidez, ocorre uma série de alterações físicas, psicológicas e fisiológicas nas mães. Nos questionários, as perguntas investigavam, entre outros aspectos, o uso de anestésicos, raios-X e a medicação que pode ser prescrita. 

Entre os alunos que realizaram atendimento pré-natal, 43% afirmaram que se sentem preparados para esse tipo de procedimento, que, na maior parte dos casos, envolve restauração dentária e orientação sobre saúde bucal. Raíssa Elias lembrou, entretanto, que o cruzamento desses dados com as respostas erradas dos alunos sobre os melhores procedimentos de anestesia e prescrição provoca a queda desse percentual. E apesar de 62% dos respondentes afirmarem ter recebido orientação sobre o pré-natal odontológico, 28% dos alunos relatam dificuldades no atendimento.

Alunas em atendimento na clínica da Faculdade de Odontologia
Alunas em atendimento na clínica da Faculdade de Odontologia Lucas Braga/UFMG

Parte de uma rede

Na segunda parte do evento, a cirurgiã-dentista da Prefeitura de Belo Horizonte Paula Molina, mestranda em Odontologia em Saúde Pública da UFMG, e a ex-coordenadora de saúde bucal de Belo Horizonte, Ana Pitchon, doutoranda na Universidade, falaram sobre acompanhamento odontológico pré-natal. Ambas foram responsáveis pela elaboração do protocolo de atendimento odontológico do SUS na capital. Ao abordar a rotina de acompanhamento do SUS, Paula Molina ressaltou que o atendimento continuado, hoje assegurado por lei estadual, é fundamental desde a constatação da gravidez. “Temos de nos reconhecer como profissionais de saúde, que integram extensa rede de cuidados ao paciente”, afirmou Paula.

Paula Molina convidou o público presente no auditório da Faculdade de Odontologia a avaliar gestantes hipotéticas, de quadros normais a quadros de hipertensas, e ressaltou que “o mais importante é acompanhar a história da paciente para que se possa traçar amplo perfil da gestante e gerar confiança, mitigando o abandono do acompanhamento, que sabemos ser muito recorrente e cercado por mitos como o de que a gestante não pode fazer radiografias ou tomar anestesia”. Raíssa Elias rebateu um desses mitos: para que a radiação afetasse minimamente um feto, seriam necessários mais de 500 exames de raios-X, número inalcançável em qualquer cenário. 

Grades fragmentadas

Funcionária do SUS por mais de dez anos, Ana Pitchon alertou que, em Belo Horizonte, “menos da metade das gestantes acessam os serviços odontológicos, e desse número, menos da metade conclui o tratamento”. Ela salientou que está nas grades fragmentadas dos cursos a origem da falta de preparo dos alunos para lidar com o atendimento pré-natal. “Verifiquei a grade de uma das faculdades mais respeitadas no país e identifiquei a temática de gestação no quarto período, primeiramente, e, depois, somente no nono. As lacunas na formação fazem toda a diferença no atendimento, pois o ser humano não é dividido em especialidades como os currículos dos cursos. Um ensino menos fragmentado certamente vai qualificar o atendimento”, defendeu.

Recentemente, foi criada disciplina de acompanhamento odontológico para gestantes na Faculdade de Odontologia. De formação livre, ela pode ser cursada por alunos de todos os cursos da graduação.

[Matéria publicada no Portal UFMG, em 18/10/2017)

Ferdinando Marcos