periodical.logo.alt_text

Nº 18 - Ano 9 - 05.08.2010

Web e redes sociais

O dia em que o Twitter matou Johnny Depp

Redes sociais amplificam divulgação de informações – e os erros também

Por meio do Twitter, muitos souberam, em primeira mão, do terremoto que, em 12 de janeiro, arrasou o Haiti. Também pela rede social, outros tantos tiveram informação, com antecedência, dos tremores no Chile, em 27 de fevereiro, e puderam acompanhar a possibilidade de um tsunami no Havaí. Foi também por meio do microblog que a morte do ator Johnny Depp tornou-se rapidamente pública – até que fosse desmentida de forma quase tão veloz.

A internet reconfigurou a maneira como a sociedade busca e lida com a informação. Se até pouco tempo os grandes meios de comunicação, principalmente jornais e TV, cumpriam o papel de tornar públicos os acontecimentos de horas antes, ou mesmo do dia anterior, com o advento da internet foram obrigados a se adaptar para transmitir informações sobre os fatos em prazos cada vez mais curtos.

O problema está no fato de que nem sempre a informação que se alastra mundo afora – e na velocidade de um clique – é, de fato, verdadeira.

Agora, as notícias podem ser dadas em tempo real e se espalhar rapidamente para toda a rede. É o furo jornalístico, só que produzido, muitas vezes, por não jornalistas, que estavam no lugar certo, na hora certa e com um celular a postos.

O problema está no fato de que nem sempre a informação que se alastra mundo afora – e na velocidade de um clique – é, de fato, verdadeira. Exemplo disso foi a notícia que pegou de surpresa os fãs do ator Johnny Depp em janeiro: a rede de notícias CNN informou, por meio do Twitter, que o ator havia falecido em um acidente de carro na França, onde mora com a família. A informação rapidamente tornou-se um dos tópicos mais comentados no microblog, em função dos dizeres “RIP Johnny Depp” (descanse em paz, do inglês rest in peace) em destaque. O alvoroço foi tamanho que o agente do ator teve que se pronunciar, explicando que a informação – também veiculada na página da CNN – era falsa. “RIP” continuou nos tópicos mais comentados, dessa vez, desmentindo-o.

Boatos, contudo, não foram inventados com a internet. Em 1897, o escritor Mark Twain, autor As aventuras de Tom Sawyer, também teve sua morte “anunciada” com 13 anos de antecedência pelo New York Journal. A notícia levou o autor a fazer um comentário entre irritado e irônico: “A notícia sobre minha morte é grosseiramente exagerada!”, declarou à época.

O que muda com a chegada do Twitter e de outras mídias sociais? Segundo Danielle Reule , mestre em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autora da pesquisa A dinâmica dos rumores na rede: a web como espaço para a propagação de boatos virtuais, desinformar, enganar, mentir ou pregar peças são comportamentos sociais tão antigos quanto a própria sociedade. 

Na lógica do “telefone sem fio”, quem contava um conto aumentava um ponto – ou retirava alguns. Já a internet não possui a memória falha que permite que o boato seja esquecido ou modificado. A transmissão e replicação ficam visivelmente mais intensas em ambientes de produção coletiva, como as redes sociais, justamente pela característica a que seu nome remete: ali são formadas redes que estabelecem relações de confiança. “Na internet, o processo ganha dinamismo, velocidade, suporte tecnológico. Um boato virtual aparentemente extinto, ou esquecido, acaba reaparecendo anos mais tarde”, afirma Danielle em seu estudo.

A manutenção da informação falsa, associada à possibilidade de sua “comprovação” por meio de ferramentas auxiliares, como sites e fotos, faz com que ela ganhe status de verdade. Não são raros os casos em que notícias errôneas, assim transmitidas, tornam-se tão “reais” que passam a ser também divulgadas nos meios de comunicação tradicionais.

Caso clássico foi o boato de que em livros de geografia dos Estados Unidos o mapa do Brasil seria apresentado sem a região da Floresta Amazônica. A área teria se transformado em espaço de preservação internacional, sob responsabilidade da Organização das Nações Unidas (ONU) e dos próprios EUA. A gravidade do assunto, que começou a circular inicialmente por e-mail, fez com que o episódio fosse discutido em escolas, tornando-se quase “verídico” quando o colunista César Giobbi o discutiu em nota publicada, em 2000, no jornal O Estado de S. Paulo. O diário só publicaria nota desmentindo o fato um mês depois. Até hoje, porém, o boato circula na internet.

Recentemente, outra informação falsa enganou jornalista. Em janeiro de 2010, quando a apresentadora Hebe Camargo foi internada depois do diagnóstico de câncer, a repórter da rádio Jovem Pan Izilda Alves informou que, com base no perfil da apresentadora no Twitter, Hebe se divertia, correndo pelo hospital na cadeira de rodas, e agradecia o apoio da população. A repórter só não sabia que o perfil da apresentadora era falso. Mais uma vez, a informação precisou ser desmentida.

Acreditar ou não?  

Ao mesmo tempo em que a internet e, mais especificamente, as redes sociais representam grandes benefícios, por permitir informações com maior velocidade, fica a dúvida: é possível confiar no que é divulgado nos espaços virtuais?

Segundo o professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Viçosa Carlos D’Andrea, a credibilidade dos meios de comunicação é algo construído. As pessoas confiam no que leem em tais meios porque julgam que os responsáveis por aquela divulgação são profissionais qualificados, capazes de ouvir as pessoas mais bem preparadas e levar as informações à sociedade.

“Não é tudo confiável, e nunca vai ser. Na verdade, nunca foi”, afirma Carlos D´Andrea. Porém, o pesquisador compreende que esse processo, ainda incipiente, pode trazer benefícios: “Com a possibilidade de qualquer pessoa publicar informações e opiniões, aumenta o volume de manifestações em circulação, o que abre espaço para um debate muito mais rico e amplo”, argumenta.

Tal realidade permite que um número muito maior de instituições e

indivíduos encontre espaço para comunicação e poder de voz. Além disso, diversos internautas tornam-se formadores de opinião e o papel da imprensa, como mediadora de discursos e relacionamentos, é reconfigurado. Afinal, redes sociais permitem a comunicação direta da fonte com o público. “Isso não tira a importância da imprensa, mas relativiza o papel dela nesse processo”, conclui.

Carlos D’Andrea acredita, ainda, que é papel do jornalista buscar aperfeiçoamento e se adaptar à nova realidade. Também precisa apurar informações relevantes e confiáveis, repensar os produtos e os diversos públicos que têm sido formados. “As redes sociais trazem à tona uma série de relações que já existem na sociedade e só serão ampliadas na vida cotidiana”, diz. Por isso, o pesquisador avalia que ainda é cedo para julgar as redes: “Não basta simplesmente avaliar a confiabilidade das novas mídias. Isso seria simplificar um fenômeno muito mais complexo e que ainda está no começo”.

Em pratos limpos

O ar-condicionado do carro pode causar câncer? Erosão, queimaduras na pele, oxidação de metais: você conhece esses efeitos nocivos do monóxido de dihidrogênio, substância também conhecida como água? Há todo tipo de boatos na internet. Com a criação de fontes falsas, invenção ou manipulação de dados, eles ganham ares de verdade e, por vezes, confundem o público.

Entre as meias verdades (ou meias mentiras) divulgadas na internet, alguns sites dedicam-se a identificar os boatos virtuais – também chamados “hoaxes” – e desmenti-los. É o caso da seção Lendas e folclores na internet, do site Quatro Cantos, no qual lendas urbanas ou vírus mascarados por mensagens são postos “em pratos limpos”. Outra ferramenta, o Hoax Busters segue a mesma filosofia, só que em língua inglesa. Por fim, o Museum of Hoaxes tem a proposta de resgatar, desde a Idade Média, boatos que se propagaram no mundo. Até o Monstro do Lago Ness aparece por lá.  

Jéssica Soares