Programa da Rádio UFMG Educativa discute impactos da pandemia para crianças de zero a seis anos

‘Outra estação’ também analisa as políticas públicas para contenção dos efeitos da covid-19 para os pequenos e traz dicas para os pais

É na interação com o ambiente físico e social que a criança começa a desenvolver, desde os primeiros meses de vida, suas habilidades motoras, sociais, afetivas, cognitivas e de linguagem. Os estímulos que ela recebe nos seis primeiros anos de vida, a chamada primeira infância, impactam diretamente no adulto que ela irá se tornar. É nessa fase que ocorre, por exemplo, a formação das estruturas neurológicas. A criança começa a fazer conexões, vai aos poucos desenvolvendo sua autonomia e subjetividade.

Estudos já comprovaram que, nessa fase de intenso aprendizado, as crianças que conseguem manter uma rotina, dispõem de uma sólida rede familiar de apoio e de uma boa relação com o adulto cuidador têm mais possibilidade de crescer de forma saudável. Em ambientes mais adversos, esse desenvolvimento pode ficar prejudicado. E o que não faltaram, desde que o coronavírus se tornou uma ameaça mundial, foram adversidades, especialmente para as famílias que vivem em situação de vulnerabilidade social.

Os impactos da pandemia de covid-19 para as crianças de zero a seis anos em curto, médio e longo prazo é o tema do novo episódio do programa Outra estação, da Rádio UFMG Educativa. O programa também aborda a importância de políticas públicas para minimizar esses impactos e traz dicas do que pode ser feito para se criar um ambiente mais saudável para elas em casa. 

A reportagem conversou com mães de crianças nessa faixa etária e com os professores Mônica Correia Baptista, da Faculdade de Educação (FaE) da UFMG, Débora Marques de Miranda, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, Cláudio Paixão, da Escola de Ciência da Informação da UFMG, e Alicia Matijasevich, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

 
“Mãe, eu quero a escola”

“A  Maria Zoraide, minha filha, tem paralisia cerebral em razão da prematuridade, portanto sua rotina é atípica. Eu a coloquei na escola com menos de dois anos com a intenção dela ter uma maior convivência social com os colegas. Mas foi justamente quando começou a pandemia, e isso prejudicou muito. A Maria Zoraide não saía para nada e ficou com muita restrição. Hoje, está muito difícil ela se readaptar. Além disso, a gente deixou de fazer alguns tratamentos porque mora no interior (Buenópolis) e alguns deles são feitos em Belo Horizonte”. 

Esse relato da Zoraide Bruna, mãe da Maria Zoraide, de 4 anos, exemplifica bem as múltiplas dimensões dos impactos da pandemia de covid-19 para a vida das crianças. Dificuldades de aprendizado, problemas físicos e mentais são algumas das consequências do prolongamento da pandemia sobre os pequenos, e elas atingem principalmente famílias com renda mais baixa. Cerca de 5,6 milhões de crianças de zero a seis anos vivem em domicílios pobres, aqueles com renda mensal média abaixo de R$250. 

Daiana Oliveira é manicure e mãe do Keven, de cinco anos. Profissional autônoma, ela perdeu praticamente todos os clientes durante a pandemia. Somada a essa dificuldade, Daiana sentiu que o pequeno Keven ficou mais agitado sem a escola: “Eu resolvi fazer algumas coisas na educação com ele em casa, e, graças a isso, ele vem aprendendo a se adaptar. Mas ele não gostava: ‘mãe, eu quero é a escola, tenho saudade dos meus amigos’’. 

Além de os pais não conseguirem oferecer atividades alternativas para a criança que, durante a pandemia, não pôde brincar na rua ou na casa de vizinhos e amigos, a renda mais baixa também pode impedir a criança de ter uma alimentação adequadamente balanceada. Soma-se a isso a maior dificuldade que a rede pública tem enfrentado para se adaptar ao ensino a distância, em comparação com escolas privadas. Nesse bloco do programa, os especialistas também destacam outras consequências da pandemia para as crianças, como a alteração de rotina, do sono e a exposição excessiva a telas. Outro ponto delicado é a violência doméstica.

O que os pais podem fazer? E o que cabe ao poder público?

Marina Aguilar Galera é mãe de dois filhos: Violeta, de 1 ano, e Isaque, de 5. Ela é professora e, com a pandemia, teve de se virar para dar conta das duas crianças e da rotina intensa de aulas remotas para seus alunos. "O pai deles não é presente, então a sobrecarga me tirou um pouco a vontade de brincar. Eu comecei a me sentir cansada. Mas o bom humor sempre, o carinho sempre, então dessa forma que a gente foi foi continuando”, relata.

Com a pandemia, pais e mães como Marina têm se esforçado para que a própria sobrecarga de atividades não atrapalhe o cuidado com os pequenos. E esse é realmente um ponto bastante delicado. Nos anos iniciais de seu desenvolvimento, crianças se guiam pelos comportamentos dos pais e dos outros adultos mais próximos. Por isso, a forma como esses adultos reagem a situações como o estresse gerado pela pandemia impacta diretamente nas crianças. 

O professor Cláudio Paixão destaca que o ideal seria os pais estabelecerem divisões no tempo para cuidar da criança. Mas ele reconhece que, na prática, isso nem sempre é possível porque a prioridade acaba sendo “colocar feijão à mesa”. Ele alerta que é preciso que haja um distanciamento, e as pessoas possam cuidar também de si próprias para terem condições de cuidar do outro. “Se eu cuido de quem eu tenho que cuidar e não cuido de mim, eu vou ficando mais e mais preso em uma roda de estresse, e isso acaba gerando em mim uma irritação que extravasa para criança”, explica. 

No segundo bloco do programa, especialistas dão dicas do que os pais podem fazer para minimizar os impactos da pandemia sobre a vida das crianças e como reconhecer os sinais de que algo não vai bem para buscar ajuda profissional. Ainda nessa parte do programa, especialistas analisam a ação do poder público para conter esses efeitos em áreas como educação e saúde. Entre os pontos sensíveis levantados estão o efeito cascata sobre o aprendizado, a má distribuição de profissionais de saúde pelo Brasil e as deficiências no atendimento da rede de saúde mental em um cenário em que transtornos de saúde mental tendem a aumentar no pós-pandemia.

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Produção

O episódio 77 do programa Outra estação é apresentado por Joabe Andrade. A produção é de Joabe Andrade, Paula Alkmim e Arthur Bugre, com edição de  Paula Alkmim. Os trabalhos técnicos são de Breno Rodrigues. A coordenação de jornalismo da Rádio UFMG Educativa é de Paula Alkmim. Em cada episódio, o programa aborda um tema de interesse social. Todos os episódios estão disponíveis nos aplicativos de podcast, como o Spotify. 

Assessoria de Imprensa UFMG

Fonte

Assessoria de Imprensa UFMG