A pandemia e o futuro de um dos maiores programas de vacinação do mundo
A gestão do PNI em meio ao combate à covid-19 é tema do ‘Outra estação’, da Rádio UFMG Educativa
Vacinas contra o novo coronavírus foram desenvolvidas em tempo recorde pela ciência. Em ritmos distintos, a vacinação tem progredido em diversos países. No Brasil, desde o início o processo sofre com frequentes interrupções, causadas por distribuição descontínua dos imunizantes. Em meio a esses problemas, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) brasileiro, coordenado pelo governo federal, vem sendo tema frequente de debate entre especialistas da área da saúde e políticos. Criado em 1973, o PNI é um dos maiores programas de vacinação do mundo, responsável por definir e implementar um calendário anual composto de vacinas distribuídas gratuitamente, destinadas a pessoas de todas as faixas etárias.
O episódio 72 do Outra estação, programa da Rádio UFMG Educativa, mostra como o PNI tem sido impactado pelos desafios impostos pela vacinação contra a covid-19. A estrutura do PNI, cuja eficiência é internacionalmente reconhecida, vem sendo utilizada como deveria pelos governos? Disputas políticas relacionadas ao processo de imunização têm prejudicado a atuação desse programa nacional? Para responder a essas e outras perguntas, o Outra estação conversou com três especialistas: a epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o PNI de 2011 a 2019, o chefe do Serviço de Imunologia Clínica do Hospital das Clínicas da UFMG e professor da Faculdade de Medicina, Jorge Andrade Pinto, e o assessor técnico do Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) Alessandro Chagas.
Disputas político-ideológicas
O primeiro bloco do episódio mostra que o PNI contribuiu para mudar radicalmente o cenário das doenças em circulação no Brasil. Algumas foram até erradicadas do território nacional, como a rubéola e a poliomielite. Porém, mesmo antes da pandemia de covid-19, um dado já vinha causando preocupação: nos últimos anos, caíram várias taxas de pessoas vacinadas em relação a cada grupo-alvo. Ao analisar essa queda, o médico e professor Jorge Andrade Pinto destaca o fortalecimento de grupos que se posicionam contra a vacinação, apesar das evidências favoráveis a essa prática sanitária.
Jorge Pinto e Carla Domingues ressaltam, também, a importância de as campanhas de vacinação serem acompanhadas por medidas de comunicação eficientes. Os dois especialistas criticam o modo como o Ministério da Saúde implementou ou deixou de implementar ações de comunicação destinadas a informar a população brasileira sobre a importância de se vacinar contra o novo coronavírus. Os pesquisadores avaliam que esse processo de vacinação tem sido prejudicado por disputas político-ideológicas, incentivadas pelo próprio Ministério. O assessor técnico do Conasems Alessandro Chagas também alerta para a tentativa de imposição de crenças ideológicas sobre os critérios técnicos no campo da saúde pública.
Falta de coordenação nacional
O segundo bloco do episódio discute o papel do Ministério da Saúde na coordenação nacional da campanha de vacinação contra a covid-19. Alessandro Chagas defende que os municípios tenham autonomia na gestão das doses distribuídas pelo governo federal. No entanto, Carla Domingues e Jorge Andrade Pinto enfatizam que o Ministério deveria ter liderado o processo em todo o país. A ex-coordenadora do PNI considera que o governo federal poderia ter priorizado o envio de vacinas para regiões onde o índice de contágio era maior em determinado período.
O professor da Faculdade de Medicina da UFMG diz que a falta de uma coordenação nacional tem sido a principal falha no planejamento e na execução da vacinação contra o novo coronavírus. Na opinião do médico, a estrutura do PNI não vem sendo utilizada como deveria. Ele comenta, ainda, informações divulgadas pela CPI da Pandemia do Senado Federal. Segundo o especialista, a CPI apresentou “indícios muitíssimo graves” de que pessoas ligadas ao Ministério da Saúde buscaram usar o processo de vacinação para “fazer negócios com fornecedores paralelos”. Andrade destaca, ainda, que o PNI passa por um desmonte de seu corpo técnico.
Para saber mais
"A vacinação mudou o perfil de sobrevida do brasileiro", entrevista com Carla Domingues publicada no jornal Nexo
“46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados”, artigo acadêmico publicado nos Cadernos de Saúde Pública
Livro Vacinas e vacinação no Brasil: horizontes para os próximos 20 anos, publicado em 2020 e organizado por Akira Homma, Cristina Possas, José Carvalho de Noronha e Paulo Gadelha
Produção
O episódio 72 do programa Outra estação é apresentado por Alessandra Ribeiro e foi produzido por Alessandra Ribeiro, Arthur Bugre, Igor Costa e Tiago de Holanda. Os trabalhos técnicos são de Breno Rodrigues. A coordenação de jornalismo da Rádio UFMG Educativa é de Paula Alkmim.
Na segunda temporada, a atração vai ao ar às quintas, quinzenalmente, às 18h, com reprise às sextas, às 7h, pela frequência 104,5 FM. Em cada episódio, o programa aborda um tema de interesse social. Todos os episódios estão disponíveis nos aplicativos de podcast, como o Spotify.