Arte e Cultura

Acolhimento e formação: diretores falam da contribuição da UFMG para grupos artísticos

Representantes da Oficcina Multimédia e dos grupos Giramundo e Galpão narraram suas trajetórias em roda de conversa do Festival de Verão

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Ione de Medeiros, Marcos Malafaia, Eduardo Moreira e o mediador do debate, Marcílio LanaFoto: Patrick Tales

A partir dos anos 1960, na esteira da fundação da Escola de Belas Artes (EBA) da UFMG, começaram a emergir grupos artísticos ligados à universidade — que figurou, na ocasião, como base de apoio e fomento a experiências que vieram a ser bem-sucedidas.

Parte dessa trajetória foi compartilhada pelos diretores Ione de Medeiros, Marcos Malafaia e Eduardo Moreira (respectivamente, da Oficcina Multimédia e dos grupos Giramundo e Galpão), na roda de conversa Cultura e memória: conversas e registros | Grupos de artistas, que ocorreu nesta quarta-feira, 1º de março, no Conservatório UFMG, como parte da programação do 17º Festival de Verão UFMG.

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Ione de Medeiros: a arte não começa grandeFoto: Patrick Tales

Professora da UFMG desde a década de 1970, a produtora cultural e pianista Ione de Medeiros assumiu a direção da Oficcina Multimédia em 1983. Ela conta que a relação do grupo com a universidade se estreitou ao longo dos festivais de Inverno. 

“Nossos espetáculos eram fora do padrão: não havia história, texto ou personagens. Nem éramos realmente reconhecidos como um grupo de teatro, mas como artistas ligados a algo mais próximo da música cênica. Por isso, a oportunidade concedida nos festivais foi importante para que a gente continuasse. De certa forma, estávamos sendo legitimados pela UFMG”, refletiu a artista.

A UFMG, além de nascedouro da Oficcina Multimédia, foi o lugar onde Ione de Medeiros pôde conciliar a atuação como docente com a coordenação de eventos. “Tínhamos muita liberdade de criação, além de espaço, professores, ideias novas e variedades de conteúdos. Todo esse conjunto de oportunidades, mais a divulgação dos nossos espetáculos pela UFMG, sustentou a história da Multimédia”, reconheceu. 

Para a diretora, cabe à universidade estimular iniciativas artísticas, “que às vezes aparecem, e não se sabe até onde irão chegar”. “A arte não começa grande. É importante que seja dado um espaço para que se desenvolva. Sou muito grata à UFMG, e a cultura também agradece”, concluiu.

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Marcos Malafaia: consolidação de um métodoFoto: Patrick Tales

Erro que deu certo
A história do grupo Giramundo, de teatro de bonecos, também é indissociável da universidade. Um de seus fundadores, o pintor Álvaro Apocalypse (falecido em 2003), que foi professor da EBA, encontrou na UFMG o “fomento à estabilidade para o grupo”, sob o aval do então reitor Eduardo Cisalpino (1974-1978).

“O Giramundo nasceu quase como um erro. Filmes e câmeras para fazer animação custavam muito caro. Comprar esses equipamentos só era possível, portanto, para os países comunistas ou para a indústria cinematográfica norte-americana. Por não conseguir fazer animação, Álvaro Apocalypse apostou no teatro de bonecos”, conta o diretor do Giramundo, Marcos Malafaia. 

Da publicidade, Álvaro Apocalypse herdou a habilidade de criar cartuns. “Foi ainda influenciado por Portinari, nas formas, e por Di Cavalcanti, nas cores e na busca da forma brasileira, de personagens populares e folclóricos. Ele uniu essas fontes e criou um teatro de bonecos quase descompromissado no quintal de sua casa”, relata Malafaia. 

Por conta da estrutura concedida pela UFMG, Álvaro Apocalypse pôde consolidar um método. “Hoje, a gente anda pelo Brasil e encontra muitos bonecos feitos ao modo de planejamento do Álvaro. Essa trajetória foi favorecida por uma somatória de condições: física e operacional, além do fluxo constante de alunos e professores, todos experimentando e aprendendo, numa concepção de formação muito moderna”, descreve o diretor.

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Eduardo Moreira: complexificação da arteFoto: Patrick Tales

Arte total
“No Festival de Inverno, em Diamantina, fizemos oficinas de teatro de rua e fomos moldados artisticamente, no sentido de nos instrumentalizarmos como atores", relatou o diretor Eduardo Moreira, sobre os caminhos trilhados pelo grupo Galpão. 

Ele conta que, em 1982, quando o Galpão dava seus primeiros passos, seus espetáculos eram pouco elaborados estética e dramaturgicamente. “Era um teatro tosco, mas tinha um elemento muito forte: a coragem. Em plena ditadura militar, ir para as praças da cidade, juntar 500 pessoas numa roda, era uma coisa abominada pelos militares”, lembra Eduardo Moreira.  

De acordo com o diretor, o acolhimento e a formação propiciados pela UFMG foram essenciais nos primeiros anos do grupo. “A falta de espaço físico costuma fazer com que grupos de teatro morram. Somente em 1989 conseguimos comprar um espaço próprio. Até então, a gente criava nossos espetáculos na Fafich ou na Escola de Arquitetura”, recorda-se. Em sua visão, a UFMG foi o local onde os artistas do Galpão puderam aprender com formadores que compunham “uma vanguarda da arte”. 

“Essa coisa de abrir a cabeça para a arte total: um teatro que se contamina pela música, dança, pelas artes plásticas, pelo corpo e pelos objetos, toda a complexificação que a gente conseguiu compreender da arte e das possibilidades que a arte nos dá veio do Festival de Inverno da UFMG”, declara.

Protagonistas
À frente da Oficcina Multimédia, Ione de Medeiros montou 23 espetáculos, tendo como foco a continuidade da pesquisa multimeios, que envolve o trabalho de corpo, voz, rítmica corporal e material cênico na encenação teatral. Ela coordena os eventos culturais Verão Arte Contemporânea, Bloomsday e Bienal dos Piores Poemas, em Belo Horizonte. 

Marcos Malafaia dirigiu os seguintes espetáculos do Giramundo: Pinocchio (2005), Vinte mil léguas submarinas (2007), Torres andantes (2011) e Alice no país das maravilhas (2013). Concebeu as exposições: Brasil em bonecos, Os Bichos, Gêneros do teatro de bonecos, Heróis e vilões, Uma volta ao Giramundo e Autômatas. Desde 2002, atua como professor no curso de Design da Faculdade de Engenharia e Arquitetura, da Fumec.

Como diretor do Galpão, Eduardo Moreira desenvolveu parcerias com Dell’Arte de Blue Lake, da Califórnia (EUA), Clowns de Shakespeare, de Natal (RN), as companhias Teatro da Cidade e o Teatro d’Aldeia, de São José dos Campos (SP), o grupo Boca de Cena de Aracaju (SE), a Cia. Malarrumada e o Grupo Maria Cutia de Teatro, ambos de Belo Horizonte (MG), e Grupontapé, de Uberlândia (MG). No cinema, atuou em O Ano em que meus pais saíram de férias, de Cao Hamburguer, Batismo de sangue, de Helvécio Ratton, Mutum, de Sandra Kogut, Antes que o mundo acabe, de Ana Luiza Azevedo, Moscou, de Eduardo Coutinho, e Joaquim, de Marcelo Gomes.

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Público acompanhou o debate e a gravação de documentário pela equipe do FestivalFoto: Patrick Tales

Matheus Espíndola