Pesquisa e Inovação

Afinidades entre as artes do haicai e da performance são abordadas em livro de professor do Centro Pedagógico

"Salta uma truta/Somente as nuvens/Nadam no fundo do rio" (Uejima Onitsura) Divulgação

Sobretudo na sua origem, no Japão do século XVII, o haicai – poema de três versos e 17 sílabas – não diferencia arte e vida. O mestre Matsuo Bashô (1644–1694), samurai, andarilho e praticante da meditação, fez do gênero prática de vida, tradução estética de simplicidade, disciplina e aperfeiçoamento espiritual.

Três séculos depois, surgia outra arte – a performance – que também valoriza a presença no aqui e agora, a expressão por meio de fragmentos de memórias e percepções sensoriais.

No livro 'Haikai' e performance – Imagens poéticas(Editora UFMG), Roberson de Sousa Nunes, professor de teatro do Centro Pedagógico, traça os percursos dessas duas manifestações artísticas e revela o que elas têm em comum. Roberson, que também é ator, toma como ponto de partida sua própria experiência com a realização da performance Haikai – somente as nuvens nadam no fundo do rio.

"Ambos deixam espaços em branco para que o leitor e o espectador criem sua própria obra. E não há personagens ou representação, o poeta e o performer estão ali por eles mesmos", explica o pesquisador, que transformou em livro tese defendida em 2011, na pós-graduação em Estudos Literários da UFMG, vencedora do Prêmio UFMG de Teses 2012.

Roberson Nunes conta que o haicai – originado do tanka, poema com dois versos a mais – aborda, com concisão, temas simples, momentos efêmeros, frequentemente ligados à natureza. Assim como outras artes japonesas como o teatro Nô, a cerimônia do chá e o ikebana, ele é impregnado dos princípios do zen budismo. "O poeta vivencia o silêncio, o respeito e o espírito de meditação, e a imagem que o haicai sugere tem origem em um instante de percepção ou iluminação", diz.

O autor faz referência também a estudos desenvolvidos por, entre outros, Ezra Pound, Roland Barthes e Sergei Eisenstein – o cineasta era fascinado pelo potencial imagético do poemeto e pelo seu caráter de incompletude. E menciona as apropriações de artistas brasileiros como Oswald de Andrade, modernista que explorou as pílulas de poesia para leitura rápida, e os poetas concretos, que trabalhavam a palavra como imagem.

Práticas intuitivas
Na segunda das três partes do livro, Roberson Nunes trata da performance, com base, em parte, nas pesquisas que realizou na New York University. Ele lembra que essa forma de arte se caracteriza por desfazer fronteiras disciplinares e entre gêneros e romper com o establishment.

"Por seu caráter múltiplo, a Performance Art comunga com princípios filosóficos menos arbitrários que os tradicionais e com as práticas intuitivas das filosofias orientais, com destaque, aqui, para o zen", escreve o autor no prólogo de sua obra. Ele também relaciona a performance com rituais da cultura popular e da religiosidade e enumera outras características, como a fragmentação, o nonsense e a ruptura da "quarta parede" (limite imaginário entre palco e plateia), que marca o teatro clássico.

Quando inicia análise de artistas e obras, subsidiado pelo mapeamento das características originais e contextuais do haicai e da performance, Roberson cita Laurie Anderson, Yoko Ono, Marina Abramovic e Meredith Monk. E se detém em Haikai – somente as nuvens nadam no fundo do rio, que ele define como "poema cênico-performático que utilizou mídias variadas, no trânsito entre diversas linguagens artísticas – teatro, dança, literatura, música, vídeo –, ao mesmo tempo em que foram recuperados comportamentos e memórias dos performers".

O haicai e a performance têm também em comum, de acordo com Roberson Nunes, o caráter de campos de abordagem infinitos. "Enquanto a performance é uma área de atuação e estudos que não para de se expandir, o haicai, como mergulho no microuniverso do detalhe, também não conhece limites", diz o pesquisador.

Livro: 'Haikai' e performance – Imagens poéticas
Autor: Roberson de Sousa Nunes
Editora UFMG
308 páginas / R$ 52 (preço de capa)

Itamar Rigueira Jr. / Boletim 1957