Amor e dedicação: Misabel Derzi, da Faculdade de Direito, é a nova emérita da UFMG
Relação da docente com a Unidade, na qual leciona há 52 anos, ficou marcada nos discursos durante a cerimônia de outorga, realizada nessa segunda-feira, 25
Classificada por pares como uma das maiores juristas em atividade no Brasil, Misabel de Abreu Machado Derzi, da Faculdade de Direito, recebeu o título de professora emérita da UFMG na noite dessa segunda-feira, 25 de setembro. Realizado no auditório da Unidade, o evento de outorga foi marcado por discursos emocionados de autoridades e colegas e pela entrega de uma placa, por ex-alunos e orientandos do Programa de Pós-graduação em Direito da UFMG, em reconhecimento aos excelentes serviços prestados pela docente à educação e ao direito. A cerimônia, muito prestigiada, reuniu ex-alunos e colegas, entre docentes e juristas.
Com histórico de mais de 50 anos de atuação na Faculdade de Direito, 25 dos quais, em regime de docência em dedicação exclusiva, Misabel Derzi iniciou sua fala fazendo um breve apanhado de sua história “de afeto” com a instituição.
“Aos 17 anos, pelo vestibular, entrei nesta Faculdade e dela nunca mais saí. Na realidade, foi ela, a Faculdade, que nunca saiu de mim. Conto com quase 59 anos ininterruptos de academia desde a era de estudante, o que sou até hoje, e 52 anos de exercício ininterrupto da docência. Ao ingressar como professora após meu primeiro concurso público, em 1971, fui a terceira mulher nesta Faculdade. Elza Maria Miranda Afonso, Gema Galgani Guerra e eu formávamos um trio pioneiro, em um mundo muito masculino de docentes. Elegi o direito e esta Faculdade como prioridades de vida, logo depois de minha família”, rememorou.
Consolo e sustento
Emocionada, Misabel Derzi disse receber o título “em gratidão profunda” e também como “consolo e sustento”. Na sequência, a professora passou a discorrer, brevemente, sobre as diferenças entre o tempo cronológico e o tempo autêntico, na concepção do filósofo alemão Martin Heidegger. “Minha gratidão profunda vai nos dois sentidos do tempo: o do relógio, na cronologia convencional humana, de dimensão única e contagem padronizada, que marca nossos diversos agoras, e também o tempo autêntico de todo ente, que Heidegger tão bem expôs no ensaio Ser e tempo, tempo no qual nos revelamos, moldamos e conformamos. Ele, o tempo autêntico, inclui sempre o passado, o presente, o futuro e a reunião dessas três dimensões, que forma uma quarta dimensão do tempo autêntico”, explicou.
Em meio a essas reflexões, a nova emérita da UFMG falou de seus sentimentos em relação à aposentadoria e de sua relação de amor com a Faculdade de Direito. “Estando eu compulsoriamente aposentada, o que me foi difícil, em razão do apego que tenho pelas coisas que amo, a titulação de professora emérita me foi concedida, no tempo e pelo tempo, por decisão da Congregação. Esse hoje é o título que se dá a quem detém as honras do cargo, embora dele seja privado pela aposentadoria. Minha gratidão é profunda, porque, não me desapegando da faculdade que sempre amei, o título atenua as dores do afastamento, até que eu me incline, como deve ser, em face do inexorável, à fugacidade da vida”, disse.
Segundo a professora, é na relação com a outra dimensão do tempo, o autêntico, que a outorga do título lhe suscita problemas. “O que consta no diploma que acabei de receber é que o título de emérito é concedido aos professores aposentados ‘cujos serviços ao magistério e à pesquisa universitária foram considerados de excepcional relevância’. Pensando no tempo autêntico, pessoas e instituições sempre arrastam o passado e o presente para antecipar o futuro. O nosso futuro começa no passado, e aí está o dilema: agora, à vista do tempo autêntico, meus agradecimentos devem ser redobrados, pois esta outorga representa um reconhecimento por ato de misericórdia. Aquele que, ciente das imperfeições reveladas no trajeto e das muitas limitações, mesmo assim é concedido, misto de impiedoso consolo que a misericórdia favorece”, afirmou.
Eterna estudante
Responsável pela saudação a Misabel Derzi, o professor do Departamento de Direito Público Valter Lobato, também ex-aluno, classificou a escolha para compor a cerimônia como um “presente” e destacou que, tal qual ele, muitos colegas que ali estavam partilhavam da sensação e também da convicção de que “a professora mudou a vida” de seus alunos. "Minha relação com a professora Misabel já tem 32 anos. Começou no momento em que fui aluno dela na graduação. Depois disso, fui aluno no mestrado, orientando no doutorado e, até hoje, busco na professora as melhores lições do direito e da vida”, disse.
Entre as muitas características de Misabel Derzi, Valter Lobato enfatizou a vocação para a atividade acadêmica e para a especulação teórica e frisou que a docente “trafega como poucos entre a teoria geral do direito e a filosofia do direito”.
"Ao longo de sua jornada, Misabel construiu trabalhos magníficos, sempre com a mesma coerência sistêmica. Em nenhum dia da sua vida deixou de expressar sua intensa dedicação ao direito e ao aprendizado. Posta-se como uma permanente estudante e amante da sala de aula e, por isso e outros incontáveis motivos, podemos dizer, novamente, que a nossa professora emérita é a maior jurista em atividade no nosso país. Na ausência de palavras que possam defini-la, ficamos com a expressão que muitos aqui utilizam: Misabel é a 'professora de todos nós', professora que ama o direito, seus alunos e tem um senso de proteção incrível pelos colegas e por esta Faculdade”, afirmou Lobato.
O diretor da Faculdade de Direito, Hermes Vilchez Guerrero, saudou a nova emérita registrando a satisfação por abrigar, em sua gestão, o momento de reconhecimento ao “excepcional trabalho” prestado por Misabel Derzi à Unidade e à UFMG. Classificando-a como “professora e pesquisadora excepcional” e também como “uma profissional muito dedicada e exigente”, o docente destacou o mérito da outorga do título de emérita à professora. “Tenho que reconhecer que a vida foi muito boa para mim e também para a professora Mônica [Sette Lopes, vice-diretora] porque temos a oportunidade de homenagear uma ex-professora desta Casa. Misabel foi minha professora, há 40 anos, e de tantos outros que hoje estão aqui neste auditório para homenageá-la”, destacou.
Eméritos da UFMG
Ao encerrar a cerimônia, a reitora Sandra Regina Goulart Almeida frisou que, na UFMG, os eméritos não são professores apenas de uma unidade específica, mas reconhecidos por toda a Universidade. A dirigente destacou também que a concessão do título é um momento em que a UFMG transmite, à comunidade, algumas mensagens. "A primeira, à docente que assume essa posição, é de reconhecimento por toda uma carreira vivida na instituição. E não é pouco quando falamos da professora Misabel: são mais de 50 anos de dedicação incondicional à Faculdade de Direito da UFMG e de presença constante na nossa instituição, em ações de ensino, pesquisa e extensão, bem como representando a universidade, de forma magistral, nacional e internacionalmente”, disse.