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Aroldo Plínio Gonçalves, da Faculdade de Direito, é o novo emérito da UFMG

Trabalho do professor contribuiu para democratizar o exercício da jurisdição no Brasil

Alessandro Moreira, Mônica Sette Lopes, Aroldo Gonçalves, Sandra Goulart e Hermes Guerrero
O vice-reitor Alessandro Moreira, a vice-diretora Mônica Sette Lopes, o professor Aroldo Gonçalves, a reitora Sandra Goulart e o diretor Hermes Guerrero Foca Lisboa/UFMG

“Ele combinou de forma impecável e exemplar o trabalho de docente e pesquisador com o de magistrado, exercendo papel de grande relevância para a cultura jurídica do país." Com essas palavras, a reitora Sandra Regina Goulart Almeida saudou o professor da Faculdade de Direito Aroldo Plínio Gonçalves, que há exatos 49 anos iniciava sua carreira como docente e foi homenageado na noite desta segunda-feira, 12, com o título de professor emérito da UFMG.

A reitora lembrou que Aroldo Gonçalves, professor titular de Direito Processual Civil, atuou por mais de 30 anos na magistratura, presidiu o Tribunal Regional do Trabalho e publicou obras que serviram de referência para inúmeros estudantes e profissionais do campo do Direito, notadamente Nulidades no processo e Técnica processual e teoria do processo, que exerceram profunda influência no direito processual brasileiro.

Durante a cerimônia de outorga do título, que reuniu autoridades, familiares, servidores e alunos no auditório da Vetusta Casa de Afonso Pena, a reitora ressaltou também valores do homenageado, como “a rara capacidade de agregação e conciliação, combinando princípios firmes com entusiasmo e paciência para transmiti-los, serenidade na condução do trato da coisa pública e das pessoas e no enfrentamento das dificuldades e adversidades".

Reitora:
Sandra Goulart: "capacidade de agregar e conciliar" Foca Lisboa/UFMG

Histórias cruzadas
No contexto de desafios enfrentados pelas instituições públicas de ensino superior, a reitora pontuou a significativa história da UFMG, que o homenageado ajudou a construir e que se mistura à própria trajetória do estado e do país.  "É por meio da universidade que uma sociedade obtém acesso a toda a herança do conhecimento acadêmico e científico sistematizado, construído coletivamente pela humanidade ao longo dos séculos e propagado para o futuro", disse ela, para, em seguida, parafrasear Darcy Ribeiro, para quem um país não se constrói sem universidades e sem investimento contínuo, sustentado e sustentável em educação, ciência, tecnologia e cultura.

Para o professor Fernando Gonzaga Jayme, que representou a comunidade acadêmica na saudação ao professor Aroldo Gonçalves, “suas lições permitiram compreender que a aspiração do liberalismo jurídico agravava o fosso social e que o exercício do poder jurisdicional, inteiramente distanciado do cidadão, que se via subjugado pelo arbítrio, não se harmonizava com ideais e valores de uma sociedade civilizada em um estado democrático”.

Fernando Jayme: 'democratização da jurisdição'
Fernando Jayme: "ruptura paradigmática"Foca Lisboa/UFMG

“No início da reconstrução do Estado Democrático de Direito no Brasil, foi o professor Aroldo Gonçalves que forjou uma teoria do processo que promoveu verdadeira ruptura paradigmática com os modelos teóricos até então prevalecentes, tornados obsoletos por seu distanciamento do modelo constitucional de processo democrático estabelecido na Constituição da República.” 

Fernando Jayme lembrou que, em sua tese apresentada no concurso para professor titular da Faculdade de Direito, Gonçalves “reconheceu a participação substancial das partes como fundamento da legitimidade do exercício do poder jurisdicional", além de ter atribuído ao juiz "a função que lhe cabe efetivamente exercer em uma República de conferir aos indivíduos a corresponsabilidade pela concretização dos interesses juridicamente tutelados, construindo, de forma paritariamente participada, o ato de poder emanado do Estado e pronunciado pelo magistrado”.

A tese também foi destacada pelo diretor da Faculdade de Direito, Hermes Guerrero, que relatou ter ficado emocionado por ocasião de sua defesa pelo professor Aroldo. “Para mim, é uma grande honra poder assinar o mais importante título conferido a um docente, que, com tanta paciência, respondia às perguntas de seus alunos, até sobre direito penal”, comentou.

Atual e transcendente
Para Fernando Jayme, o trabalho de Aroldo Gonçalves democratizou o exercício da jurisdição, colocando-a a serviço do ser humano. "É uma tese atual e transcendente, que fortalece a cidadania e assegura a participação equânime da sociedade em todos os processos decisórios”, acrescentou Jayme.

O professor Aroldo Gonçalves recebeu, das mãos do desembargador José Antônio Bahia Borges, placa de homenagem dos ex-colegas da turma de formandos de 1968, denominada GAT-64. Em seu discurso, ele recordou os difíceis tempos de estudantes vividos na Casa de Afonso Pena. “Em meio ao turbilhão de acontecimentos que marcaram os anos 60, o Grêmio dos Estudantes de 64, o GAT-64, chegou ao ano de sua formatura. Na ocasião, dezembro de 1968, confrangia o nosso coração a ausência de um dos colegas mais queridos, filho do nosso paraninfo, José Carlos Novaes da Mata Machado, porque estava preso no Dops. Como orador da turma, no momento do discurso, pude ler uma carta enviada da prisão, por meio de sua mãe, dona Yedda, que provocou grande comoção”, relembrou Aroldo Gonçalves. 

Gonçalves narrou os acontecimentos que se seguiram até a anistia e a redemocratização do país em finais dos anos 80. Citou a cassação do mandato do paraninfo, professor Edgar da Mata Machado, de Ruy de Souza, de Lourival Vilela Viana, de Gerson de Britto Mello Boson, ex-reitor, e de outros professores da UFMG, após edição do Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968, até a morte do colega José Carlos, na prisão, em 1973.

Aroldo Plínio Gonçalves, 49 anos de magistério superior
Aroldo Plínio Gonçalves: 49 anos de magistério superior Foca Lisboa/UFMG

Desenrolando o fio da própria história, o professor Aroldo registrou sua gratidão aos pais, professores, servidores e colegas da Faculdade de Direito, onde também conheceu sua esposa. Relembrou sua trajetória no magistério superior, iniciada na Faculdade de Direito de Sete Lagoas, em agosto de 1970. Também recordou experiências vividas no Seminário de Diamantina, na magistratura estadual e na Justiça do Trabalho, na promotoria do Ministério Público e depois da UFMG, como pesquisador, professor orientador e membro de bancas examinadoras de mestrado, doutorado, concursos públicos para o magistério, implementação de programas de extensão e a renovação da cultura da pós-graduação da Faculdade de Direito, com criação do primeiro curso de especialização em Direito e Legislação na Política Setorial de Ciência e Tecnologia.  

O novo emérito finalizou seu discurso com uma mensagem de esperança: "A velha Casa de Afonso Pena resistirá às vicissitudes do tempo e continuará a fazer a sua história”.

Teresa Sanches