Fechamento de fábricas da Ford sinaliza “fim de uma era”, afirma professor da Arquitetura
No programa Conexões desta sexta-feira, 15, Roberto Andrés analisou o legado da empresa e do setor automobilístico para o país
A Ford anunciou, nesta semana, o fechamento de suas três fábricas no Brasil. Até o fim do ano, a montadora estadunidense vai fechar as três unidades de produção que tem no país, localizadas em Taubaté (SP), Camaçari (BA) e Horizonte (CE). A Ford foi a primeira montadora de carros a se instalar no Brasil, em 1919, e foi essencial para a popularização do carro no país. A saída da empresa vai deixar cerca de cinco mil pessoas desempregadas e provocou especulações sobre as motivações que levaram a empresa a essa decisão. Alguns acreditam que a saída da Ford foi motivada pela recessão econômica causada pela pandemia, outros afirmam ser uma decisão estratégica baseada em um novo modelo de negócios e ainda há outros que citam a crise que o setor automobilístico tem sofrido com a mudança na forma de consumo das novas gerações, que, em vez de buscar o acúmulo de bens, preferem pagar por serviços.
Em entrevista ao programa Conexões, da Rádio UFMG Educativa, nesta sexta-feira, 15, o urbanista Roberto Andrés, professor do Departamento de Projetos da Escola de Arquitetura da UFMG, explicou que, além da questão econômica e da questão delicada das demissões, o fechamento das fábricas da Ford no Brasil tem também toda uma dimensão simbólica, representando o início do “fim de uma era”.
“Estamos falando da era do motor, que a gente viveu nos últimos cem anos, nos quais tivemos em comum o grande avanço do automóvel, do motor a combustão e da indústria do petróleo, como monopólios globais da própria vida cotidiana das pessoas, iniciando nos países do norte global e se espalhando para todo o mundo”, explicou.
O professor ainda lembra que, apesar de hoje muito comum, há cem anos, o carro era restrito a algumas pessoas muito ricas. “O automóvel era considerado um item excêntrico, que garantia a alguns capitalistas industriais, a uma burguesia do início do século 20, poder se destacar da maioria, poder andar mais rápido. Era um instrumento mais de luxo”, afirmou.
O espalhamento do carro, “esse item de luxo”, trouxe à tona, segundo o professor, uma série de contradições desse modelo, que marcam até hoje a nossa sociedade. “Uma delas é a enormidade de espaço ocupado, principalmente nas áreas densas, como as cidades e metrópoles, e o automóvel virou um elemento de contradição nesse contexto de urbanidade, porque é um modo de deslocamento que demanda muito espaço urbano para transportar poucas pessoas”, citou.
Outra relevante contradição do automóvel, para Roberto Andrés, reside no fato de que a concretização das vantagens prometidas pela indústria automobilística reduz ao passo em que o carro se universaliza. “A partir do momento em que um item de luxo se massifica, ele deixa de entregar aquilo que oferecia de tão diferenciado e o sonho de ter um carro e poder se deslocar com velocidade torna-se o pesadelo de estar congestionado, em mais um carro igual aos outros, e, em termos coletivos, gera uma série de problemas, como a poluição do ar, acidentes de trânsito, tempo perdido no trânsito e também, mais recentemente, também se tem discutido o papel dessa indústria no aquecimento do planeta”, afirmou.
Nesse contexto, o anúncio do fim das operações da Ford no Brasil, segundo Roberto Andrés, é uma ação “muito simbólica”, uma vez que a primeira fábrica automobilística instalada no país é a da Ford, em 1920. “Cem anos depois, a Ford anuncia a interrupção da sua operação no Brasil. Não quer dizer que a era do motor está se acabando, infelizmente. Isso seria uma boa notícia. Mas algo de muito simbólico, do poder dessa indústria, inclusive de chantagear governos, com base no impacto que tem na cadeia econômica e na geração de empregos, passa a entrar em uma nova fase. Como essa fase vai se configurar, há uma série de possibilidades”, refletiu.
Em artigo publicado na Revista Piauí, o professor Roberto Andrés abordou a violência no trânsito, o impacto que ela gera na vida de milhões de pessoas, o modo específico de funcionamento dessa violência no Brasil e sua relação com a política, especialmente com o bolsonarismo.