Pesquisa e Inovação

Grupo da UFMG encerra quinta fase de missão arqueológica no Egito

Foram descobertos, na tumba escavada, um poço e uma terceira câmara funerária; 14 múmias já foram encontradas

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Equipe verifica pontos de controle da estabilidade da tumba
Acervo Bape

O grupo de pesquisadores da UFMG que compõe o Programa Brasileiro Arqueológico no Egito (Bape, de Brazilian Archaeological Program in Egypt) concluiu a quinta etapa de campo da missão realizada na Necrópole Tebana com algumas novidades. As atividades tiveram início em 13 de dezembro último e se encerraram em 23 de janeiro. A iniciativa também reúne pesquisadores da Universidade Nacional de Córdoba (UNC), da Argentina, e do Centro de Documentação do Ministério de Antiguidades do Egito.

Os pesquisadores estudam a Tumba Tebana 123 (TT-123), que pertenceu ao escriba Amenenhet. Ele trabalhava para um faraó, chamado Tutmosis III, da 18ª dinastia do Novo Império, em torno de 1.200 a 1.300 anos antes de Cristo. Amenenhet era responsável pelos celeiros reais e pela distribuição de pães, uma espécie de moeda de pagamento no Egito antigo.

Durante as escavações, foi descoberto um poço, buraco escavado no piso da tumba. Os pesquisadores ainda encontraram, na parede, uma passagem para uma sala e ainda acharam uma terceira câmara, 14 múmias e muitos objetos.

“Esse poço que achamos dentro da Sala das Estátuas nunca havia sido documentado, e ninguém podia imaginar essa descoberta. Ainda falta bastante para escavar. O poço já está com três metros de profundidade. São duas salas: uma delas está concluída; a outra, bem grande, de 2x2 metros, vamos explorar no ano que vem, junto com um terceiro poço que teremos que escavar dentro da tumba, ainda na Sala das Estátuas”, explica o professor José Roberto Pellini, do Departamento de Antropologia e Arqueologia (DAA) da Fafich, que comanda a missão. Ele acrescenta que o grupo ainda não sabe se a terceira câmara é a câmara funerária do Amenenhet.

Exposições nos planos
A missão da UFMG também encontrou diversos blocos decorados, alguns pertencentes à TT-123 e alguns de outras tumbas da Necrópole. “Um dos objetivos é entender também por que blocos de outras tumbas estão misturados.

Como o material coletado não pode deixar a tumba, as peças encontradas eram retiradas, estudadas, catalogadas e, ao final do dia, devolvidas. “Quando terminar o projeto, que abrange a escavação, a conservação e a restauração da tumba, esses materiais devem migrar para o Museu do Cairo ou para um grande magazine, com um grande escritório onde fica a reserva técnica de todos os objetos da Necrópole Tebana”, revela o pesquisador. Ele revela articulações para expor esses objetos e imagens do material na UFMG.

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Estátua do escriba Amenenhet e de sua esposa, NeruitAcervo Bape

O coordenador do Bape relata também a descoberta de outro tipo de piso na tumba, associado à ocupação moderna, além de contato intenso com as famílias que foram removidas da Necrópole nos anos 2000. “Conseguimos fazer um levantamento das plantas de algumas casas. Esse foi um dos pontos altos deste ano. Trabalhamos em três casas de famílias qrnawis, que eram casas-tumbas”, afirma Pellini, lembrando que a missão inclui um projeto antropológico que busca compreender a relação das populações modernas com as tumbas.

As múmias encontradas nesta quinta etapa estão em análise por uma antropóloga forense e uma estudante. “Já começamos a estudar os corpos e, no ano que vem, vamos continuar estendendo essa parte da pesquisa relacionada à antropologia biológica, que é outro braço do projeto”, diz o coordenador.

Tempos distintos
Lorrana Duari, aluna do quinto período do curso de Antropologia (habilitação em Arqueologia), desenvolve seu trabalho de conclusão de curso no Egito, sob a orientação do professor José Pellini. “Integrar um projeto dessa magnitude é muito importante para a minha formação, porque é exatamente o que eu quero fazer como profissional. Pretendo fazer o mestrado e o doutorado nessa área”, diz a estudante.

O professor Marco Gastaldi, da Universidade Nacional de Córdoba, estuda a história das paredes da tumba. O objetivo é revelar as ações que deram forma aos muros durante o período faraônico, as técnicas utilizadas, as figuras, o modo de pintar, os pigmentos e a história posterior. “Essas tumbas também foram habitadas por outras populações que agregaram ações, significados aos muros, grafites. Queremos recuperar todas essas histórias e, na escavação, encontramos indícios de ações nos pisos da tumba”, conta o arqueólogo.

Para a professora Mariana Petry Cabral, do Programa de Pós-graduação em Antropologia da UFMG, que dividiu com Marco Gastaldi a direção da escavação, “um dos aspectos marcantes da participação no projeto é pensar que esses sítios arqueológicos, que datam do período faraônico, têm sido visitados e sofreram diversas intervenções desde a antiguidade. Quando escavamos um sítio desse, não encontramos apenas materiais muito antigos, mas também de pessoas e populações distintas que circularam no local. Nas paredes, há grafites do período faraônico, grafites coptas e de europeus que visitaram essa região”, destaca.

Mariana Petry salienta que o local tem cerca de 300 anos de pesquisa arqueológica, o que suscita reflexões diversas sobre a importância do patrimônio arqueológico no Egito, sobre a exploração turística, mas também acerca do impacto sobre as populações locais, como elas estão envolvidas e como se relacionam com esse patrimônio. “Tudo isso traz lições que levam a pensar sobre o que é a nossa prática de pesquisa no Brasil, o que é patrimônio arqueológico, o que atrai pessoas, instituições, governos e o que afasta interesses”, acrescenta.

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Centistas escavam o poço na sala das estátuasAcervo Bape

Subcoordenador do Núcleo de Antropologia Visual da Fafich, o professor Rogério do Pateo cuida da produção de imagens. Ele documenta o trabalho, as peças e produz discurso etnográfico visual sobre o trabalho dos arqueólogos do Egito. “Tentamos construir uma narrativa que conecte o mundo faraônico ao modo como ele se expressa na tumba do Amenenhet, que tem uma série de cenas na vida cotidiana, com o Egito contemporâneo.”

Segundo Pateo, a tentativa é produzir essa narrativa etnográfica visual em diálogo com outras linguagens, além da escrita, da antropologia e da arqueologia. “Queremos criar uma narrativa nossa, de brasileiros no Egito, observando continuidades, rupturas, transformações de elementos da vida local tanto no passado quanto no presente. São conexões nem sempre óbvias, feitas por pessoas que não são nativas”, enfatiza o antropólogo.

Tumba inédita
José Roberto Pellini trabalhava havia alguns anos no Egito, em uma missão estrangeira. Até então, não havia ocorrido uma missão brasileira. Em 2015, o governo egípcio convidou Pellini e o arqueólogo Julian Alejo Sanchez para desenvolverem um projeto brasileiro. Assim, foi criado o Bape. O governo de Luxor ofereceu opções de monumentos e tumbas para o desenvolvimento da pesquisa.

“Escolhemos a TT-123 porque ela atendia a todos os nossos requisitos científicos: nunca tinha sido escavada e publicada e mostrava um potencial imagético muito importante, com cenas ricamente detalhadas, relevos maravilhosos, além, é claro, de apresentar grande potencial arqueológico”, conta Pellini.

A primeira etapa do projeto foi realizada em 2016. No ano seguinte, quando José Roberto Pellini transferiu-se para a UFMG, recebeu apoio da Reitoria e do Departamento de Antropologia e Arqueologia da Fafich. Ainda em 2017, a Universidade Nacional de Córdoba uniu-se ao projeto. As fases de campo tiveram sequência em 2018, 2019 e 2020.

Segundo Pellini, serão necessários mais três ou quatro anos de escavações. Terá início, então, o processo de conservação e restauração da tumba, sob a responsabilidade de profissionais da Escola de Belas Artes da UFMG. Para a conclusão do projeto, estima-se prazo de 10 anos. A próxima etapa de campo deve ser realizada de 10 de fevereiro até fins de março de 2021, conforme acordado com o governo egípcio e os parceiros.  

Além de José Roberto Pellini, Rogério do Pateo, Mariana Petry Cabral e Lorrana Duari, integram a equipe da UFMG os professores Luiz Souza e Yacy-Ara Froner, da Escola de Belas Artes, que atuam na área de conservação e restauração.

Outras informações estão nos perfis do Bape em suas redes sociais: Facebook e  Instagram.

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Equipe do programa reúne pesquisadores da UFMG, da Universidad de Córdoba e do governo egípcio  
Acervo Bape

Eliane Estêvão