Extensão

Jornada de extensão reúne experiências que conjugam acolhimento e aprendizado

Relatos de bolsistas e representantes da comunidade apresentados nesta quarta-feira revelam uma universidade aberta às necessidades sociais

Estudante Isabela Prado, que apresentou seu projeto no seminário, ao lado de participantes da 22ª Jornada de Extensão
Estudante Isabela Prado, que apresentou seu projeto no seminário, ao lado de participantes da 22ª Jornada de Extensão Foto: Raphaella Dias | UFMG

"Se a gente não for pela gente, ninguém vai ser." Com essas palavras, proferidas após a declamação de um verso de Principia, música do rapper Emicida, o estudante de Jornalismo João Pedro Salles abriu o seminário da 22ª Jornada de Extensão da UFMG, realizado nesta quarta-feira, 10, no Auditório Nobre do CAD 1.

Principia fala de um amor amarelo, que vai além do romance e das relações tradicionais. Em defesa da ideia de um amor mais universal, João antecipou as ações e boas práticas que seriam apresentadas pelos estudantes de cada projeto de extensão.

Foram escolhidos cinco entre 18 projetos selecionados no 25º Encontro de Extensão. Barbara Moreira, Alice Fernandes de Souza, Luana Teixeira Lopes, Isabela Prado e Carlos Gomes falaram de seus projetos ao lado de participantes que trouxeram da comunidade externa.

Pró-reitora de Extensão, Claudia Borges:
Claudia Mayorga: fortalecer pelo conhecimento compartilhadoFoto: Raphaella Dias | UFMG

Minuto de barulho
"Neste ano, o tema é Comunidade presente. Por isso, solicitamos a cada estudante que convidasse seus parceiros da comunidade externa para estarem aqui", disse a professora Claudia Mayorga, pró-reitora de Extensão da UFMG. Para ela, o evento é um espaço de troca das boas práticas e experiências. "A ideia é nos fortalecermos, aprendendo e compartilhando o conhecimento acumulado na Universidade", avaliou a pró-reitora.

A 22ª Jornada de Extensão foi dedicada à professora Elza Machado de Melo, da Faculdade de Medicina, que morreu no último domingo, 7. "Até o último minuto, ela lutou para estar aqui. Elza dedicou sua vida a projetos e ações que envolviam, principalmente, a defesa aos direitos das mulheres vítimas de violência", testemunhou a pró-reitora. A homenagem teve como ponto alto um minuto de barulho, durante o qual o auditório foi inundado de palmas, assovios e gritos de afeto. Segundo Claudia, o barulho se adequaria mais à personalidade de Elza Melo, uma mulher feliz e de alto astral.

Representação e diversidade
O seminário também teve a encenação do grupo Teatre, coordenado pelo professor Ricardo Carvalho de Figueiredo, do curso de graduação em Teatro da Escola de Belas Artes da UFMG, que tratou da invisibilidade de pessoas trans e da violência que as acomete diariamente. Em seguida, houve um bate-papo com o público e a apresentação cultural da Oficina Tambores de Minas.

Na plateia, além da comunidade universitária do campus Pampulha, estava um grupo de estudantes do campus Montes Claros, representantes da comunidade externa envolvidos nos projetos selecionados para apresentação e duas turmas de estudantes da Escola Integrada Ulysses Guimarães.

Ana Vitória Furtado, coordenadora da Escola Integrada Ulysses Guimarães, contou que as crianças não sabiam o que era faculdade
Ana Vitória Furtado: compreender o circuitoFoto: Raphaella Dias | UFMG

"Eles não sabiam o que era faculdade", contou Ana Vitória Furtado de Andrade, coordenadora da Escola Integrada, sobre o motivo de as crianças estarem ali. "Mas a gente tem criança que saiu do morro e está na UFMG, então eles têm que entender esse circuito", acrescentou.

No ano passado, as crianças, moradoras do Morro do Papagaio, passearam por sua comunidade e falaram de quais lugares gostavam e quais preferiam evitar. Elas receberam o apoio da professora da Escola de Arquitetura da UFMG Paula Barros, coordenadora do projeto de extensão Intervenções temporárias com crianças para todos. O intuito do trabalho era identificar as possibilidades de melhoria desses lugares, com a criação de mais espaços para brincar.

O vice-reitor Alessandro Fernandes Moreira, que integrou a mesa de abertura do evento, convidou as crianças a dizer para seus pais e responsáveis que "a UFMG é nossa" e acrescentou: "Um dia vamos nos reencontrar aqui." Para ele, a integração que a extensão promove é um ponto de fortalecimento. "A extensão tem uma natureza dialógica, a sociedade aprende com a Universidade, e a Universidade aprende com a sociedade. Ela é uma oportunidade de formação, é a saída para a solução de muitos problemas", avaliou.

Alessandro Moreira: convite ao reencontroFoto: Raphaella Dias | UFMG

Estudantes que não param
A estudante de Psicologia Isabela Prado, que apresentou o projeto Programa Culthis – espaço de atenção psicossocial ao preso, egresso do sistema prisional, amigos e familiares, coordenado pela professora Carolyne Reis Barros, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, considera importante dar retorno à sociedade. "No Culthis, a gente recebe mensagens pelo WhatsApp, vai para a fila das prisões e faz o acolhimento do preso e de seus familiares. Isso agrega muito na minha formação e me ajuda a entender o sofrimento causado pelo encarceramento em massa da população negra", comentou a estudante.

Ao olhar para a plateia no auditório, Maria Tereza dos Santos, convidada por Isabela para falar no seminário, celebrou a diversidade: "Eu fico feliz porque o que o povo tinha para nós, pessoas negras e pardas, era a coleta de lixo e o serviço doméstico. Hoje, eu vejo na Universidade aquilo que eu só via no cárcere", testemunhou. De 2007 a 2022, Maria Teresa presidiu o Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade de Minas Gerais. Sua voz, firme e intensa, ecoou pelo auditório durante minutos de completo silêncio, interrompido apenas em alguns momentos por palmas e assovios.

Maria Tereza dos Santos, ativista e colaboradora do Programa Culthis:
Maria Tereza, colaboradora do Culthis: "Vejo na Universidade aquilo que eu só via no cárcere" Foto: Raphaella Dias | UFMG

"Quando a gente tem um familiar preso, todo mundo se afasta de nós. É como se a gente tivesse tuberculose ou lepra, que ninguém pudesse encostar. É de suma importância encontrar um ombro para chorar", relatou Maria Tereza. Esse ombro é o Culthis, programa nascido em 2008 para amparar a população carcerária e seus familiares. A convidada contou que a atuação do Culthis se tornou muito mais importante no período da pandemia: "Eu virei uma pessoa que só perguntava. As mães dos presos me ligavam de madrugada, desesperadas, porque liam notícias de certo preso que havia morrido de covid-19. O sistema não contava qual era o preso, por mais que a gente questionasse. Então, até descobrir, o preso que tinha morrido era o preso de todo mundo".

Naqueles momentos de angústia, Maria Tereza recorria às integrantes do Culthis. "A gente se sente acolhido na UFMG. Toda vez que nós, familiares, buscamos apoio, a gente recebe. O curso Desencarceradores populares, ofertado pelo Culthis, foi um divisor de águas na vida dos familiares. A gente sabe quais são nossos deveres, porque o sistema cobra todos os dias, mas não sabíamos dos nossos direitos. Então recebemos a cartilha para conhecê-los", disse a ativista.

Em sua fala final, Maria Tereza fez um apelo à comunidade acadêmica: "Você que é preto, pardo, branco, que está ocupando esse espaço, não esqueça do seu território. Leve o seu conhecimento para o lugar de onde você veio. Fortaleça os seus, estenda sua mão como o Culthis faz. Enquanto muitos estão dormindo no sábado e descansando no domingo, porque trabalharam a semana inteira, os meninos do Culthis estão comigo às cinco horas da manhã, na fila da prisão, para fazer acolhimento. Que cada um, em seu curso, possa realmente contribuir para mudar a sociedade em que vivemos."

Do 'bafão' ao pão de todo dia

Enquanto ocorria o seminário, eram apresentados, do lado de fora do auditório do CAD1, outros 48 trabalhos na Mostra de Produtos da 22ª Jornada. A estudante de Pedagogia Fernanda Brites Cardoso, bolsista do Laboratório de Alfabetização (LAL), expôs os resultados do projeto de extensão do qual participa. "Nós vamos semanalmente às escolas, conhecemos os alunos, geralmente de 1º a 3º ano, e fazemos uma avaliação diagnóstica da turma para produzir jogos."

Fernanda, bolsista do LAL:
Fernanda, bolsista do LAL: prática pedagógica permanenteFoto: Raphaella Dias | UFMG

Um dos jogos foi desenvolvido pelas próprias crianças. Animais fantásticos surgiu do interesse das crianças em jogar bafão, que consiste em virar cartas com as mãos em formato de concha. Trata-se de uma brincadeira muito popular em épocas de Copa do Mundo por causa das figurinhas dos jogadores. Fernanda relatou que as crianças participantes do projeto estavam muito resistentes com a correção e desanimadas com a escrita. As integrantes do projeto sugeriram criar figurinhas por meio da leitura do livro Animais fantásticos (2001). Elas pediram que as crianças criassem seus animais, com poderes e características, para que usassem numa competição. “As crianças escreveram, corrigiram seus textos, e a gente plastificou as figurinhas. No final, fizemos uma batalha alucinante. Conseguimos realizar o processo da correção de forma superlúdica e divertida. As crianças adoraram”, contou Fernanda.

Todos os materiais que o projeto produz são disponibilizados para as professoras. "Não queremos que seja apenas um evento esporádico, mas que entre na prática pedagógica das professoras", argumenta Fernanda.

O projeto Quem quer pão, da Faculdade de Farmácia da UFMG, existe há um ano. Por meio dele são organizadas oficinas de panificação para a população belo-horizontina com o intuito de capacitá-la na geração de renda extra. "Temos uma coordenadora que é engenheira de alimentos. Ela explica a parte química envolvida na nutrição. Também abordamos a leitura de rótulos e a questão nutricional", explicou Gabriela Paulino de Souza, estudante de Nutrição e bolsista do projeto.

'Quem quer pão': população belo-horizontina gera renda extra com oficina de projeto de extensão
'Quem quer pão': população belo-horizontina gera renda extra com oficina de projeto de extensão Foto: Raphaella Dias | UFMG

Helen Batista de Jesus, também bolsista do projeto e estudante de Nutrição, comentou sobre o processo: "Todo mundo que participa traz um retorno muito bom. A gente envia um questionário final para eles responderem, e o feedback é que eles estão fazendo as receitas, colocando em prática tudo o que aprenderam. Isso é muito gratificante, mostra que o projeto realmente tem valor", comemora.

Beatriz Tito Borges