Saúde

Judicialização reforça desigualdade entre clientes de planos de saúde

Pesquisa da Faculdade Medicina constata que usuários de melhor situação financeira recorrem mais à justiça para garantir coberturas do que os mais pobres

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Centro de Comunicação Social / Faculdade de Medicina

Quando comparados aos clientes de menor renda, os pacientes de melhor condição financeira buscam mais a justiça para garantir que o convênio banque serviços e insumos não cobertos pelo plano, o que eleva os custos para todos. É o que mostra dissertação desenvolvida pelo pesquisador Luís Edmundo Teixeira no Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG.

A consequência desse fenômeno pode ser traduzida em uma palavra: desigualdade. Isso porque os pacientes que judicializam e ganham causas contra os planos acabam onerando os demais clientes do convênio. “Os recursos gastos com a judicialização são deslocados para os usuários que não judicializaram, porque, em geral, o valor do plano é aumentado”, explica o autor da pesquisa, que fez uma análise das ações judiciais contra uma operadora de planos de saúde em Belo Horizonte no período de 2010 a 2017.

O pesquisador conta que foram avaliados os tipos de contrato, os locais de residência, as causas da ação e o tempo de demora no judiciário. As pessoas que mais recorreram à justiça eram portadoras de planos individuais e moravam na região Centro-sul da capital mineira. Além disso, esses pacientes são atendidos em rede ampla, o que lhes dá mais opções de acesso a serviços como clínicas e laboratórios. 

Em todas essas variáveis, o pesquisador afirma que os contratos são mais caros que os demais. “O contrato individual tem um valor maior do que o contrato coletivo. Inferimos que o titular desse tipo de contrato dispõe de mais recursos do que quem tem o contrato coletivo”, relata Luís Teixeira. 

Indústria da saúde
O autor conta que o número de judicializações vêm aumentando ao longo dos anos, pois os ganhos de causa sempre têm sido dos pacientes, desconsiderando, muitas vezes, os pareceres técnicos sobre o tema. “Mesmo o especialista afirmando que aquilo pode até fazer mal para aquela pessoa, o judiciário às vezes resolve que o paciente deve receber o que está solicitando”, explica Teixeira. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, as ações na justiça de primeira instância relacionadas à saúde aumentaram 130% no período de 2008 a 2017.  

Teixeira acredita que o fenômeno da judicialização é fortemente influenciado pela ação de grupos que integram o que chama de “indústria da saúde”. Graças à pressão desses agentes, muitos produtos sem eficácia ainda comprovada são postos no mercado. “Um medicamento para ser utilizado precisa cumprir diversas etapas, como comprovação da eficácia, aprovação da Anvisa e do Qualitec”, explica. “No entanto, a indústria atravessa essas etapas por meio da judicialização, levando esse medicamento ao mercado sem que sua eficácia seja comprovada”, completa. 

Luís Machado:
Luís Teixeira: judicialização está associada à indústria da saúdeCarol Morena / Faculdade de Medicina

O pesquisador lembra que as empresas de medicamentos, órteses e próteses convencem os médicos a prescrevem os seus produtos aos pacientes. Por sua vez, as pessoas buscam a justiça para ter acesso ao produto que não está disponível no mercado. “Essa tática tem elevado os gastos, e os gestores da saúde precisam ajustar as contas para entregar o que foi solicitado”, afirma. 

O autor do trabalho defende, no entanto, a judicialização em certos contextos. “Esse instrumento é importante e tem de ser usado, pois possibilita ao cidadão exercer a cidadania e lutar pelos seus direitos”, pontua. “Mas o ideal seria que a judicialização favorecesse os mais pobres e contribuísse para diminuir as iniquidades”, afirma.

A orientadora da pesquisa, professora Eli Iola Gurgel, sustenta que a questão precisa ser vista sob diversos ângulos. “De fato, a Constituição Federal prevê o direito à saúde, e o SUS deveria ser capaz de garantir universalidade de acesso, igualdade e integralidade. Mas, devido à dificuldade de financiamento, existe um descompasso entre o que a sociedade pôs na Constituição e a prática, o que gera esse processo de reivindicação do Direito”, analisa. Ao mesmo tempo, prossegue a professora, o fenômeno tornou-se uma janela para entrada de medicamentos de alto custo pagos pelo Estado, que contraditoriamente beneficiam quem pode pagar por advogados.

Ainda segundo Eli Iôla, o perfil da judicialização no setor privado indica uma prevalência de ações envolvendo atendimentos em relação ao contrato. “A empresa não reage a esse quadro, isso sugere que não custa tanto para a empresa encarar os processos. Portanto, valeria a pena conviver com a judicialização, em vez de abrir o atendimento daqueles casos para todos os clientes”, analisa.

O que é judicialização?

De acordo com a professora Eli Iola Gurgel, o fenômeno iniciou-se na década de 1990, quando a justiça passou a ser convocada para resolver conflitos sobre saúde. O marco foi o atendimento a pessoas com aids que conseguiram reverter negativas de tratamento por parte de operadores de planos de saúde. Atualmente, a Justiça atua tanto na saúde privada quanto na pública.

Dissertaçãoa judicialização na saúde suplementar: uma avaliação das ações judiciais contra uma operadora de planos de saúde, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2010-2017
Programa: Pós-Graduação em Saúde Pública
Autor: Luis Edmundo Noronha Teixeira
Orientadora: Eli Iola Gurgel Andrade
Defesa: 19 de fevereiro de 2019

Laryssa Campos e Vitor Maia / Faculdade de Medicina