Pesquisa e Inovação

Livro aborda implicações das biotecnologias e necessidade de regulação

Cientistas de áreas diversas abordam aspectos éticos, políticos e jurídicos de recursos como a recombinação genética

Modificações genéticas como as que geram os super-ratos têm impactos antropológicos
Modificações genéticas como as que geram os super-ratos têm impactos antropológicos Steve Mason/UCSD

Há pouco mais de dez anos, pesquisadores de uma universidade americana apresentaram ao mundo um rato geneticamente melhorado, maratonista, mais longevo que os seus congêneres e imune a vários tipos de câncer. O “Supermouse” era apenas um dos sinais de uma revolução determinada pelas biotecnologias – baseadas, sobretudo, na recombinação de código genético – e com implicações antropológicas importantes nos campos da ética, da política e da justiça.

A questão da regulamentação dessas novas possibilidades foi o tema de colóquio promovido há alguns anos pelo Núcleo de Estudos do Pensamento Contemporâneo (NEPC) e pelo Ieat, o Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares. O colóquio resultou no livro Biotecnologias e regulações: desafios contemporâneos (Editora UFMG), que reúne os pesquisadores que protagonizaram o evento em coletânea interdisciplinar. Os 15 capítulos do volume, abordado em matéria publicada na edição 2019 do Boletim UFMG, contêm reflexões de filósofos, juristas, antropólogos, médicos e outros cientistas da UFMG e de outras instituições, algumas estrangeiras.

“Tratamos as tecnociências como matéria das humanidades, em aliança com as engenharias e as biociências”, afirma o professor Ivan Domingues, do Departamento de Filosofia da UFMG, coordenador do NEPC e organizador do livro. Na apresentação do volume, ele explica que a abordagem abrange a questão da natureza e dos poderes do conhecimento tecnológico – com foco nas interfaces de tecnologia, engenharia e ciências, consideradas com base no modelo homem-máquina; o impacto das novas biotecnologias e seu potencial de dilatar as fronteiras do humano, positivo para uns e ameaçador para outros; as implicações éticas das biotecnologias, com ênfase nas controvérsias que acompanham projetos de melhoria da espécie humana.

No capítulo que ele próprio assina, Domingues expõe as visões instrumental, metafísica, sistêmica e sociocultural da tecnologia para tratar do seu impacto sobre a questão antropológica. Ele problematiza as noções de natureza humana e condição humana difundidas pela tradição judaico-cristã e pela história da filosofia, geradoras dos diferentes humanismos. Segundo o professor, hoje predominam “pós-humanismos e trans-humanismos patrocinados pelas biotecnologias, suscitando as controvérsias que dividem profundamente a cena filosófico-cultural contemporânea”.

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Ivan Domingues: pós-humanismos e trans-humanismosFabíola de Paula/UFMG

Autoritarismo disfarçado
Visões da relação entre máquina e organismo, a noção de programa aplicada ao vivo, a ética da neurociência, autorregulação, regulação e liberalismo político, cenários regulatórios em nanoalimentos e biocombustíveis e o melhoramento cognitivo farmacológico são alguns dos temas que mobilizaram os autores em Biotecnologias e regulações.

No capítulo Individuação e controle, o professor aposentado da Unicamp Laymert Garcia dos Santos aborda a sociedade de controle, que, segundo Deleuze, disfarça o totalitarismo com a roupagem da globalização. De acordo com o autor, trata-se do controle do processo de individuação, nas frentes filosófica, econômica e política. Maya Mitre, cientista política formada na UFMG, discute, em outro texto, o uso da ciência em processos legais, por meio da análise de ações recentes sobre células-tronco embrionárias e sobre aborto de anencéfalos. A autora esmiúça o papel da ciência, amparada em sua credibilidade, no apoio às decisões dos magistrados, em contraposição às posições conservadoras das instituições religiosas.

A professora Telma Birchal, do Departamento de Filosofia da UFMG, analisa as consequências dos avanços tecnológicos sobre a questão da reprodução humana. Ela trata especificamente do anonimato garantido por lei aos doadores de gametas nos processos de reprodução assistida. “O problema dessa legislação”, diz a autora, “é que ela cria direitos diferentes, já que, por exemplo, os filhos adotados têm acesso à identidade de seus pais biológicos. Isso não é justo com a pessoa gerada de forma assistida, que pode conhecer a identidade genética de seu pai ou mãe biológicos, o genoma do doador, mas tem negado o acesso à identidade civil dessa pessoa, ou seja, o direito de saber quem ela é”.

LivroBiotecnologias e regulações: desafios contemporâneos
Organizador:  Ivan Domingues
Editora UFMG
382 páginas / R$ 59 (preço de capa)

Itamar Rigueira Jr. / Boletim 2019