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Livro propõe nova abordagem filosófica para a pandemia da Covid-19

Professor da UFMG é um dos autores da publicação, que utiliza conceitos da biopolítica para abordar a situação e o mundo que vivemos

Livro está disponível em espanhol
Livro está disponível em espanhol Editions Bellaterra

De modo geral, a pandemia da Covid-19 é tratada ora como uma questão médico-sanitária, ora como um problema de ordem econômica, já que a propagação do novo coronavírus desacelerou a economia em todo o planeta. Porém, a pandemia também pode ser tema de uma reflexão filosófica sobre nossas formas de vida e nossos valores éticos. Essa reflexão é proposta em um livro lançado por dois professores: Andityas Soares de Moura Costa Matos, da Faculdade de Direito da UFMG, e Francis García Collado, da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Girona, na Região da Catalunha, na Espanha. O livro foi publicado em espanhol pela editora Edicions Bellaterra e tem o seguinte título: El virus como filosofía. La filosofía como virus – Reflexiones de emergencia sobre la pandemia de covid-19.

A publicação foi escrita apenas alguns meses depois de os professores lançarem a primeira obra em conjunto, “Más allá de la biopolítica: Biopotencia, bioarztquia, bioemergencia”. No livro, os autores utilizam o conceito filosófico da biopolítica para pensar a sociedade contemporânea. Um dos temas centrais discutidos nesta corrente filosófica, é o controle dos corpos e da vida humana pela política e pelos governos e empresas. Mas, no primeiro livro, lançado em fevereiro de 2020, os professores não falam sobre a pandemia do novo Coronavírus, que ainda não tinha a dimensão que tomou nos meses seguintes. Por isso, Matos e Collado decidiram escrever a segunda obra. “A realidade nos impôs essa atualização, porque os conceitos trabalhados no primeiro livro servem perfeitamente para pensar, criticar e problematizar a situação inédita que vivemos hoje”, explica o professor Andityas Matos à Rádio UFMG Educativa.

O livro surgiu a partir de um incômodo dos professores com a abordagem de muitos filósofos contemporâneos, que, segundo Matos, tentavam pensar a pandemia da Covid-19 dentro de estruturas pré-estabelecidas. Para os professores, não faz sentido tentar encaixar essa situação inédita em um modelo de pensamento já existente. “A nossa proposta foi pensar a pandemia dentro das próprias dimensões políticas, econômicas e sociais que ela faz surgir. E isso nos mostra que a pandemia põe em cheque esses dualismos com os quais a filosofia nos ensinou a pensar o mundo”, afirma Matos.

Para além de questionar a dicotomia que muitas vezes é proposta na filosofia, a obra também coloca questões sobre a atuação dos Estados no sucateamento da saúde pública, a inércia de governos frente à possibilidade de uma pandemia, e até sobre a própria normalidade. “O que é essa normalidade a que muitos querem voltar?”, pergunta o professor, em entrevista para o programa Conexões, “A concentração de renda, um sistema capitalista opressor e desigual, a devastação do meio ambiente, fazem parte dessa normalidade, que não tem nada de normal. É essa normalidade que nos levou a essa crise”, conclui Matos.

Possibilidades sombrias
“Nunca vai ser como antes”. De acordo com o professor Andityas Matos, a situação que vivemos com a pandemia do novo coronavírus acarretará mudanças profundas no nosso modo de viver em sociedade. “Para que a gente possa se proteger, urge uma mudança radical do que entendemos como sociedade, como direito, como economia… e a pandemia nos dá essa oportunidade de pensar e ver que é possível transformar”. Com isso, explica o professor, se abrem possibilidades tanto positivas quanto negativas.

Uma das possibilidades sombrias abordadas no livro, é a de que a pandemia seja usada para a construção de um enorme dispositivo colocado à disposição dos governos e dos mercados para fortalecer o controle e a disciplina. Um dos modelos de enfrentamento da pandemia, chamado de “asiático” ou “algorítmico”, ao invés de isolar territórios, utiliza dispositivos tecnológicos para prever onde vai se dar o contágio. Só que para isso é preciso que as pessoas compartilhem, em tempo real e de maneira contínua, todos os seus dados com o Estado e com empresas. O professor Andityas Matos defende que isso implica na desconfiguração dos direitos individuais, como à intimidade. “A capacidade de controle e criação de um padrão único se torna uma ameaça. Nega nossa singularidade e acaba nos fazendo reféns de um medo constante”, afirma Matos.

Em entrevista à Rádio UFMG Educativa, o professor falou sobre as proposições filosóficas presentes no livro El virus como filosofía. La filosofía como virus – Reflexiones de emergencia sobre la pandemia de covid-19, escrito por ele e pelo professor Francis García Collado. A obra será lançada na Espanha e está sendo traduzida para o português. O professor espera poder publicá-la no Brasil ainda neste ano.

Ouça a conversa com Luíza Glória

Produção de Tiago de Holanda