Memorial é símbolo da construção democrática, diz comitê da Comissão de Anistia
Para entidade, ação policial criminaliza brasileiros que lutaram contra a ditadura
O Comitê de Acompanhamento pela Sociedade Civil da Comissão de Anistia (Casc), integrado por brasileiros e brasileiras, em sua maioria perseguidos e perseguidas pelo regime de exceção instaurado em 1964, e que representam diversos segmentos sociais organizados, no uso de suas prerrogativas e atendendo à natureza e às exigências de sua função, manifesta seu
seu repúdio ao ataque da Polícia Federal, da Advocacia Geral da União e do Tribunal de Contas da União contra a Universidade Federal de Minas Gerais, cuja operação ironicamente e de forma maldosa foi alcunhada de “Esperança Equilibrista”, em referência direta à canção que se tornou o hino da anistia, símbolo da luta dos brasileiros pela democracia. Um ataque à universidade pública, lócus do pensamento critico, criativo e transformador e que tem sido sempre alvo de todas as ditaduras.
Além do desrespeito com a historia de luta por direitos do povo brasileiro, que hoje tem tido todas as suas conquistas arrancadas, é um sinal claro da falta de compromisso com uma política de Direitos Humanos com vistas a não repetição de crimes de lesa humanidade, numa tentativa reiterada de marginalização de militantes e gestores defensores de pautas progressistas.
Faz-se necessário esclarecer que o projeto do Memorial da Anistia Política se articula com as lutas por Memória, Verdade e Justiça da sociedade brasileira, tardiamente acolhidas como política pública pelo Estado Brasileiro no âmbito da Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça, criada pela Lei 10.559/02, no governo Fernando Henrique Cardoso. Esta Comissão foi instituída com a finalidade de reparar as vítimas de atos de exceção como prisões, torturas, exílios, demissões arbitrárias, tendo como consequência danos materiais, físicos e psíquicos, perpetrados por agentes estatais entre 1946 a 1988. Ao longo dos anos este trabalho se desdobrou em inúmeras atividades reparadoras que objetivavam criar uma cultura democrática, de responsabilidade estatal e de paz.
O projeto do Memorial da Anistia Política, que neste momento é criminalizado, foi objeto de convênios e é pensado para abrigar o patrimônio documental da Comissão de Anistia, que faz parte do registro regional do Programa Memória do Mundo da Unesco, integrando o "patrimônio documental da América Latina e do Caribe".
Mas não é de hoje que o Memorial da Anistia vem sofrendo ataques. Desde 2016, por conta de entraves burocráticos e evidente desconforto do atual governo com toda agenda democrática, o Casc vem enviando memorandos aos Ministros da Justiça que se sucederam no cargo, sempre ressaltando a preocupação sobre o andamento dos trabalhos da Comissão de Anistia, em especial a paralisação das obras do Memorial, solicitando imediata liberação da última parcela do orçamento e alertando para o desperdício do dinheiro público, caso não fossem concluídas em tempo hábil.
Temos assistido, com grande pesar e apreensão, a interrupção de quase todos os trabalhos da Comissão de Anistia, como o do Projeto “Marcas da Memória”, das “Caravanas da Anistia”, com exceção do Projeto Clínicas do Testemunho que já estava em vigor e em execução pelos parceiros vencedores do edital quando o atual governo foi empossado.,
Entretanto, a resposta do governo chegou através de uma ação político-policial que, por si mesma, nos diz da gravidade do atual momento histórico: prenderam de forma coercitiva e espetaculosa gestores de uma das maiores universidades do país. Tentam, desta maneira, construir uma narrativa que criminaliza pessoas e, sobretudo, o próprio Memorial. Por extensão, criminaliza a luta daqueles brasileiros contra a ditadura.Criminalizam a própria democracia.
Consideramos fundamental a preservação dos tradicionais e consagrados entendimentos do Conselho da Comissão de Anistia sobre a análise dos requerimentos, e não aceitamos retrocesso na concretização dos direitos previstos na Lei 10.559/2002 e no Art. 8 do ADCT da Constituição de 1988, entendendo que ameaças de mudanças já ocorridas, ferem o próprio instituto de reparação, pilar de qualquer processo de justiça de transição no mundo.
Esperamos igualmente a continuidade do Projeto “Marcas da Memória”, que em suas edições fomentou iniciativas formuladas pela sociedade civil no campo da memória política brasileira, livros, publicações científicas, filmes, eventos, peças e projetos educativos e culturais. Não podemos deixar de mencionar igualmente a necessidade de seguimento do que tem sido no Brasil um dos mais ambiciosos e inovadores projetos de educação para os direitos humanos e para a democracia: as Caravanas da Anistia. Por sua vez, o Projeto Clínicas do Testemunho, responsável pela reparação psíquica de anistiados políticos e seus familiares, em dezembro deste ano de 2017 encerra os trabalhos de atenção clínica, sem que tenha sido lançado o terceiro edital. De igual maneira, se espera que seja dada continuidade a este trabalho inovador que tem despertado interesse nacional e internacional.
A ação político-policial, na qual professores e gestores da UFMG e da Universidade Federal de Santa Catarina foram atingidos, é um grito de alerta a todos que defendem a democracia e se indignam com a permanência de uma cultura de ódio obscurantista, que neste momento tem colocado em risco todos os avanços acumulados na construção democrática, e na qual o MEMORIAL da ANISTIA POLITICA se agiganta como símbolo, pelo seu compromisso de zelar por esta importante realização em prol da história política, da educação para a cidadania e do aprofundamento democrático brasileiro.
Comitê de Acompanhamento pela Sociedade Civil da Comissão de Anistia (Casc)
Betinho Duarte