Pesquisa mostra que 36,5% das plantas são raras e estão ameaçadas
Artigo publicado na Science Advances, com participação da UFMG, indica urgência na conservação de ampla gama de espécies, diante das mudanças climáticas
Das quase 435 mil espécies de plantas terrestres existentes no mundo, 36,5% são classificadas como raras, um grupo que, com as previsões para as mudanças climáticas, corre cada vez mais risco de extinção. Pesquisadores da UFMG se uniram a um grupo de 33 especialistas do mundo inteiro para chegar a essas constatações, resultado de 10 anos de trabalho. Diante da iminência da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2019 (COP25), que começa hoje, 2 de dezembro, e vai até o dia 13, o estudo se mostra um sinalizador inédito da amplitude das consequências de variações do clima para plantas terrestres.
A pesquisa foi publicada em edição especial da revista Science Advances, na última semana (27 de novembro). Foram utilizadas avaliações de locais diversos do globo e gerados mais de 20 milhões de dados de observação, com participação de pesquisadores do Brasil, Estados Unidos, China, França, África do Sul, Reino Unido, Chile, Dinamarca, República Tcheca, Países Baixos e Nova Zelândia, liderados por um professor da Universidade do Arizona. Os professores do Departamento de Botânica da UFMG Danilo Neves e Ary Teixeira de Oliveira-Filho representaram o Brasil no estudo.
Tanto o total de espécies de embriófitas – as plantas terrestres – quanto a proporção das espécies raras representam resultados inéditos, gerando a maior base de dados de biodiversidade botânica já criada. De um número estimado entre 358 e 435 mil plantas terrestres, 158.535 mil foram observadas e registradas apenas cinco ou menos vezes, enquadrando-se assim na categoria das espécies raras.
Segundo o professor Danilo Neves, apesar de a teoria ecológica e evolutiva já predizer que muitas espécies seriam de fato raras, os resultados foram inesperados. “Os números encontrados são supreendentemente maiores do que prevíamos com base nessas teorias. Em suma, a cada três espécies de plantas terrestres no mundo, uma é extremamente rara!”, destaca.
O especialista ressalta ainda o alcance do trabalho realizado pelo grupo internacional: “Com base nas informações sintetizadas como fruto dessa pesquisa, cientistas hoje são capazes de responder com maior acurácia a três questões fundamentais em estudos de biodiversidade: quantas plantas existem no mundo, onde elas estão e, com as mudanças climáticas globais, para onde elas vão”, explica Danilo Neves. O estudo, em sua visão, representa um esforço científico sem precedentes.
Hotspots em risco
O levantamento das informações sobre cobertura botânica global propiciou a avaliação de padrões globais de raridade de plantas, o teste de hipóteses relacionadas à geração e persistência de espécies raras, a identificação de regiões que abrigam hotspots de espécies raras (incluindo os fatores determinantes) e a avaliação de como os padrões atuais de impacto humano e os futuros cenários de mudanças climáticas podem afetar a diversidade de plantas por meio de impactos em espécies raras.
Uma das primeiras abordagens da pesquisa foi a tentativa de quantificação da distribuição das espécies utilizando uma métrica de abundância relativa global, ou seja, partindo do número total de observações únicas de uma espécie já registradas em bancos de dados globais. O método escolhido fez uso da estimativa para contornar a inviabilidade da contagem de todos os indivíduos no planeta.
Os resultados indicaram que os hotspots do mundo – regiões de alta diversidade biológica, mas que sofrem muitas pressões antrópicas – refletem fortemente o acúmulo de espécies terrestres muito raras. As áreas também se mostraram locais de grande estabilidade climática. Por isso, a velocidade histórica de mudança na temperatura, que descreve a instabilidade climática com unidades ecologicamente relevantes, foi identificada como o melhor instrumento de predição de raridade em plantas terrestres.
Apesar da aparente estabilidade, a razão entre a futura velocidade da mudança climática e a velocidade histórica global em longo prazo é cerca de 1,2 vezes maior, em média, para áreas com espécies raras do que para os demais ambientes terrestres. Com isso, as projeções dos especialistas demonstram a consequente queda mundial dos índices de sobrevivência das espécies raras, sendo o Sudeste asiático e os Andes do Sul os locais de maior perturbação.
Outro importante aspecto observado foi a intensidade do impacto humano em regiões nas quais as embriófitas mais se proliferam. As regiões com espécies raras são atualmente caracterizadas por maior impacto e experimentarão taxas mais rápidas de futuras mudanças climáticas em comparação a outros ambientes, com valores de pegada humana aproximadamente 1,6 vezes maiores do que a média mundial.
Investimento e urgência de conservação
Apesar dos avanços proporcionados pelo estudo, os especialistas reconhecem ainda saberem pouco sobre as causas da existência, raridade e manutenção em escala global das embriófitas raras. Para eles, o aprofundamento em tais questões é central para a conservação biológica e para a compreensão das futuras mudanças a partir das alterações climáticas que vêm sendo previstas.
“Cientistas em biodiversidade têm um grande desafio pela frente. A curto prazo, será necessário aperfeiçoar teoria ecológica, desenvolver modelos matemáticos que sejam eficazes em predizer padrões de diversidade biológica em escalas locais a globais e aprimorar estratégias de conservação que considerem áreas com alta concentração de espécies raras”, avalia Danilo Neves. É o caso de regiões brasileiras como a Mata Atlântica e o Cerrado, que concentram de espécies raras de forma excepcional. Segundo o professor, o país tem diversas áreas que mereceriam ser protegidas por abrigarem uma quantidade elevada de espécies nas condições estudadas pelo grupo.
Um segundo desafio reside no fato de muitas dessas áreas ainda serem desconhecidas em virtude da escassez de informações sobre biodiversidade em ambientes mais remotos. O pesquisador da UFMG usa como exemplo o caso da Amazônia. “Apesar de dispor da maior diversidade de espécies de vários grupos, como o das plantas, o Brasil ainda é uma grande lacuna de informação biológica, principalmente em áreas remotas, de difícil acesso, como a Amazônia. Para propor estratégias de conservação que englobem essas áreas, primeiro precisamos de mais investimento em pesquisa para encontrá-las.”
Para os autores do artigo, o momento é oportuno para debater essas questões, considerando o período da COP25: “Nossos resultados mostram que regiões que abrigam muitas espécies de plantas raras correspondem a áreas que já sofrem intensas pressões antrópicas, como desmatamento, e que também sofrerão mais intensamente os impactos em cenários de mudanças climáticas globais. Esse cenário pode levar a uma perda de diversidade biológica sem precedentes. Portanto, esperamos que nossos resultados possam subsidiar essas discussões na COP25”, comenta Danilo Neves. O artigo tem como meta importante ajudar a reduzir a perda de biodiversidade global, informando ações estratégicas de conservação.
Artigo: The commonness of rarity: Global and future distribution of rarity across land plants
Autores: Danilo M. Neves, Ary T. Oliveira-Filho, Brian J. Enquist, Xiao Feng, Brad Boyle, Brian Maitner, Erica A. Newman, Peter Møller Jørgensen, Patrick R. Roehrdanz, Barbara M. Thiers, Joseph R. Burger, Richard T. Corlett, Thomas L. P. Couvreur, Gilles Dauby, John C. Donoghue, Wendy Foden, Jon C. Lovett, Pablo A. Marquet, Cory Merow, Guy Midgley, Naia Morueta-Holme, Nathan J. B. Kraft, Daniel S. Park, Robert K. Peet, Michiel Pillet, Josep M. Serra-Diaz, Brody Sandel, Mark Schildhauer, Irena Šímová, Cyrille Violle, Jan J. Wieringa, Susan K. Wiser, Lee Hannah, Jens-Christian Svenning, Brian J. McGill
Publicação: Science Advances, volume 5, de 27 de novembro de 2019