Pesquisadores analisam eventuais impactos de eleições estaduais no pleito nacional
Painel de seminário internacional sobre pesquisas eleitorais reuniu especialistas da UFRGS, da UFSC e da Uece
A análise de eleições presidenciais anteriores possibilita antever o padrão de um pleito futuro no cenário brasileiro. Essa é a perspectiva do professor Paulo Peres, da Universidade Federal do Rio Grande Sul (UFRGS), apresentada na tarde desta quarta-feira,18, em painel do Seminário internacional pesquisas eleitorais: desafios e metodologias na democracia contemporânea, promovido pela Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais (Abrapel) e realizado na UFMG. Sistema partidário subnacional e competição eleitoral: a dinâmica regional é um bom preditor do voto para as eleições presidenciais? foi o tema da mesa que apresentou recorte de conjunto de trabalhos que integram a coletânea Tendências e dinâmicas da federação brasileira: 1998-2018, que será lançada ainda neste ano, com análises da dinâmica eleitoral em 11 estados brasileiros.
Em sua exposição, Peres pôs a questão em outros termos: para ele, a pergunta que pode ser respondida é se as eleições presidenciais passadas são boas preditoras das eleições presidenciais futuras. A resposta, segundo ele, passa por duas dimensões: “a identificação do padrão da competição, que envolve a análise da história eleitoral, na tentativa de se identificar algum formato recorrente, aliada à busca de efeitos estruturais sobre a conjuntura, ou seja, em que medida os padrões identificados permitem antever a possível conjuntura que se quer prever?”.
Em linhas gerais, o pesquisador afirma que é possível observar um padrão de competição nas eleições presidenciais: elas são bipolares, com multipartidarismo moderado, alinhamento programático com disputa entre centro-direita e centro-esquerda) e dinâmica centrípeta, ou seja, tendente ao centro. “Podemos, então, prever que as eleições de 2022 também serão bipolarizadas, que o PT seguirá líder da centro-esquerda, como tem sido até agora, que haverá ainda um multipartidarismo moderado, com uma terceira força com votação que pode ser relevante. Haverá novamente um polo de oposição mercadista e uma possível persistência do moralismo e do militarismo, além da radicalização à direita, dinâmica que já era percebida desde 2014”, afirma Peres.
Segundo o cientista político da UFRGS, "padrões eleitorais raramente se alteram completamente em uma única eleição". Por isso mesmo, ele acredita que é possível antever os cenários nacionais, mas sem recorrer a situações regionais e estaduais, como questiona o painel. “As realidades regionais são complexas e merecem estudos aprofundados. Entender o que é essa dinâmica regional é desafiador: a resposta passa pelos acordos? Pelas alianças? Cisões regionais? Pela história eleitoral das regiões? Pela dispersão e pela volatilidade do voto regional?”, questiona o pesquisador, destacando ainda a complexidade de se prever eventos simultâneos, como as eleições presidenciais e estaduais.
Conservadorismo catarinense
A dinâmica e o cenário eleitoral de Santa Catarina foram tema de exposição de Tiago Borges, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que analisou os padrões partidários no estado do sul do Brasil, de 1998 a 2018. “Analisando as eleições realizadas ao longo desse período, percebe-se uma clara preponderância de partidos do espectro ideológico de centro-direita. A força conservadora, de uma maneira geral, formada pela direita e por fatias do centro, sempre foi majoritária, com muito pouco ameaça de setores da esquerda. Essa ameaça, em alguns momentos, não abala, de maneira muito clara, o domínio da centro-direita em Santa Catarina”, destaca.
O pesquisador explica que as eleições no estado foram marcadas, ao longo desses anos, pela disputa entre dois blocos: num primeiro momento, PP e PFL (depois Democratas, hoje União Brasil) contra o PMDB (atual MDB). Num segundo momento, o PP passou a medir forças com a chamada tríplice aliança, que uniu o então PFL ao PSDB e ao PMDB. “Ao contrário do cenário nacional, em que PT e PSDB polarizavam as disputas, no estado houve outra configuração, no campo da centro-direita”, afirma Borges.
Nessa continuidade, segundo Tiago Borges, também há descontinuidades internas, o que ajuda a explicar o espaço deixado para certa possibilidade de transformação do sistema partidário local, inclusive com a formação de novas lideranças, entre elas algumas com o apoio do atual presidente da República, Jair Bolsonaro. “Em 2014, a tríplice aliança estava enfraquecida e desgastada, e a disputa foi entre PSDB e PSD, que entrou na disputa. Em 2018, com o aumento da fragmentação partidária, foi possível perceber a emergência de novos líderes, na carona do bolsonarismo, mas isso porque já havia espaço local para esse tipo de entrada, com a queda no padrão de disputa, que tornou a eleição mais imprevisível no estado”, lembra.
No Ceará, alinhamento à esquerda
Em contraposição a Santa Catarina, no Ceará e nos estados do Nordeste brasileiro, de maneira geral, a eleição presidencial é estruturada por meio de palanques nos estados. É o que afirma o pesquisador José Raulino, da Universidade Estadual do Ceará (Uece). “Para que um candidato alcance bom desempenho na região, é necessário ter aliados no âmbito estadual. No Ceará e em todo o Nordeste, o palanque estadual é montado com base nas chapas para a disputa majoritária”, explica.
Segundo ele, há uma ação estratégica das elites políticas nas alianças eleitorais, em perspectiva multinível. Para exemplificar, ele resgata as eleições de 2018, em que o Nordeste configurou-se como uma espécie de “cinturão vermelho”. “Nos cinco estados em que o candidato que não era do PT ganhou no primeiro turno [Alagoas, Paraíba, Pernambuco, Sergipe e Maranhão], houve apoio, desde o primeiro turno, a Fernando Haddad. Em Alagoas, por exemplo, o então candidato Renan Filho, do MDB, não apoiou o candidato do seu próprio partido, Henrique Meirelles”, lembra.
De acordo com o pesquisador, o cenário político cearense tem se redesenhado, desde 1986, com outra atuação das elites tradicionais e com o surgimento de novos atores políticos. De 1990 a 1994, houve uma espécie de acomodação do sistema partidário, com o predomínio da Era Tasso (liderada pelo atual senador Tasso Jereissati, do PSDB, aliado às elites tradicionais). Nessa época, o grupo tinha o PMDB como principal opositor, enquanto PT e PSB, aliados, faziam oposição à esquerda. Nos últimos anos, os Ferreira-Gomes, grupo do qual faz parte Ciro Gomes, têm protagonizado as eleições estaduais.
De 1998 a 2018, apenas três partidos elegeram governador no Ceará: PSDB, PSB e PT, e sete alcançaram representação no Senado (PSDB, PMDB, PT, PDT, PROS, PPS e PCdoB), quase sempre apoiados pelo governador. “Percebe-se que o Ceará tem uma vocação governista, ou seja, a tendência de vitória do governador no primeiro turno e a tendência de vitória, no Senado, de candidatos apoiados pelo governo estadual”, reforça.
O painel pode ser assistido no link abaixo:
Tendências e diversidade
Até esta quinta, 19, o Seminário Internacional Pesquisas Eleitorais: desafios e metodologias na democracia contemporânea reúne, na UFMG, pesquisadores e jornalistas do Brasil e de outros países, para tratar de temas como as tendências eleitorais na América Latina e no mundo, a diversidade metodológica do campo eleitoral e a interação da política com o jornalismo. Todas as atividades são transmitidas pelo canal da Abrapel no Youtube, e as inscrições, gratuitas, podem ser feitas no site da instituição.