Institucional

Da testagem rápida ao transplante de plasma: pesquisa brasileira enfrenta o coronavírus

Em mesa virtual da marcha pela ciência, pesquisadores da Fiocruz, Ufpel, UFRJ e outras instituições apresentaram esforços feitos para conter a pandemia

Fernando Spilki reiterou defesa do fomento à ciência
Fernando Spilki reiterou defesa do fomento à ciência Raphaella Dias/UFMG

O Brasil tem plenas condições de dar respostas ao enfrentamento da pandemia da Covid-19, porque elas estão embasadas em conhecimento científico aprofundado e aplicável, mas é evidente a necessidade de uma política de fomento contínuo para a ciência e para a formação de recursos humanos no país, especialmente para o enfrentamento de crises futuras.

A afirmação do presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBVirologia), Fernando Spilki, resume visão compartilhada pelos pesquisadores que participaram do painel nacional, nesta quinta-feira, dia 7, que tratou do enfrentamento da pandemia da Covid-19 no Brasil.  O evento na internet foi uma das atividades da Marcha Virtual pela Ciência, promovida pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Fernando Spilki, que representou as mais de 140 instituições científicas que integram a SBPC, lembrou que a rede de colaboração criada com participação das universidades, para diagnóstico molecular da doença, é um bom exemplo “de como o investimento que ocorreu na formação desses jovens pesquisadores, promoveu a resposta imediata deles a esse desafio”.

Essa competência para respostas rápidas e eficientes, na avaliação da presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Gulnar Azevedo, passa pelo fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), “que poderia estar respondendo ainda melhor a essa pandemia, não fosse a perda de financiamento que vem sofrendo nos últimos anos”, afirmou.  

O professor da Faculdade de Medicina da UFMG Unaí Tupinambás, um dos mediadores do painel, defendeu o fortalecimento do SUS e a revogação da PEC 95 como medidas necessárias para que os investimentos na área sejam robustos e possibilitem a colaboração  também com gestores públicos.  Ele destacou a parceria da UFMG com a Prefeitura de Belo Horizonte, que tem cerca de 40% dos leitos de CTI desocupados.

A revogação da PEC 95 e o descontingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia do Fundo Social são imprescindíveis para proteção das universidades públicas, na avaliação da vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências e presidente de honra da SBPC, Helena Nader, que coordenou o evento virtual.  

Para Margareth Dalcomo, da Fiocruz, “apesar dessa anestesia cívica, que revela uma cegueira sobre a população vulnerável, a ciência nunca teve tanto destaque de confiabilidade”, o que contribui para aprendizado, como proposto pela Marcha, sobre a importância do financiamento na área, além da cultura da solidariedade, ainda incomum no Brasil.

Estudo de base populacional
Outra importante ação de enfrentamento à pandemia foi apresentada pelo epidemiologista César Victora, da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel). Trata-se de estudo de base populacional desenvolvido nos nove maiores municípios do Estado do Rio Grande do Sul e que será estendido a 133 cidades de todos os estados brasileiros.

César Victora coordena estudo de base populacional
César Victora: estudo de base populacional Raphaella Dias/UFMG

Segundo Victora, por meio de uma parceria com o Ibope, serão aplicados testes rápidos (importados da China pelo Ministério da Saúde e pela Vale) em 250 pessoas de cada um desses municípios. “Assim, esperamos obter a situação dos anticorpos dessa base populacional brasileira, contribuindo para revelar o que está debaixo dessa ponta do iceberg, até o momento representada apenas pelos casos confirmados”, afirma.

“Os investimentos de mais de 20 anos em ciência básica possibilitaram que, em cada universidade presente nesses municípios, houvesse um profissional treinado para atuar nesse estudo. Nossa ciência dá respostas ágeis à população, vítima de fake news e de atitudes impensadas de tantos governantes”, pontuou.

No estado do Rio Grande do Sul, o estudo já está na segunda fase de testagem, com a cobertura de 31% da população. Dos 4.189 exames realizados na primeira fase, dois foram positivos. Após quinze dias, com a aplicação de 4.500 testes, seis foram positivos, revelando, na avaliação do pesquisador, a tendência do aumento do número de casos, especialmente se ocorrer o relaxamento do isolamento social.

Além disso, como alertou o professor Fernando Skilpi, a queda nas temperaturas (7 graus foram registrados nesta quinta-feira, dia 7), que tem forte relação com infecções respiratórios, serve de  alerta para o estado, que ainda tem o menor número de casos de Covid-19 confirmados.

Análise sequencial
Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a observação de amostras sequenciais de oito mil testes de PCR por swab, realizados de 3 de março até o momento em estudantes e profissionais de saúde, revela a preocupante presença de carga viral na nasofaringe de 40% das pessoas, após 15 dias de infecção.

Amilcar Tanuri da UFRJ defende teste molecular rápido
Amilcar Tanuri, da UFRJ, defende teste molecular rápido Raphaella Dias/UFMG

Segundo o professor Amilcar Tanuri, que representou os laboratórios da UFRJ no enfrentamento da pandemia, outra ação urgente é a necessidade de investir em teste rápido molecular, que poderia ser realizado nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), acelerando a resposta para casos agudos, em que testes de PCR e sorologia não apresentam alta sensibilidade.

A UFRJ também está analisando, em parceria com o Instituto Estadual de Hematologia e o Instituto Estadual do Cérebro, o transplante de plasma convalescente de pacientes imunizados como tratamento para a Covid-19. Na avaliação do professor, essa seria uma opção natural, com a transfusão da imunidade de um paciente a outro.

Interação comunitária
O médico Manoel Girão, diretor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) expôs um resumo das ações da instituição, que incluiu a organização da assistência no hospital universitário, adaptação da estrutura e capacitação dos profissionais e interação com a sociedade, por meio das lideranças comunitárias do entorno e parceria com a sub-prefeitura. “Promovemos vacinação, ações educativas por meio dos síndicos dos condomínios populares e empresas. Realizamos campanha de doação de sabonete e alimentos para a comunidade do entorno do hospital, com atuação de um grupo de 260 estudantes e profissionais voluntários. A prefeitura também realiza a higienização das ruas próximas ao hospital”, relatou .

Os estudos sobre tratamento para Covid-19, citados por Girão, foram o de transfusão de plasma, com geração de protocolos de segurança e eficácia, e testes de heparina.

Desigualdades agravam pandemia

Em sua apresentação, o médico Arnaldo Colombo, da Unifesp, chamou a atenção para a “reflexão necessária sobre a negligência do poder público com a tamanha desigualdade social brasileira, refletida na ampliação dos casos de Covid-19 nas periferias”, afirmou.

O professor também questionou a área clínica, que ainda não têm respostas e que, segundo ele, demanda parceria da área médica básica. Ele destacou as dificuldades em relação às formas clínicas da doença que afetam, além do sistema respiratório, os rins, o sistema gastrointestinal e provocam AVC. Os grupos especiais, como transplantados ou na fila de transplante e com leucemia, também demandam respostas específicas. 

Colombo reforçou o isolamento social como medida eficaz no controle da transmissão, para que o sistema de saúde consiga atender os infectados que demandam hospitalização. Além disso, destacou a importância dos testes baseados em anticorpos e a necessidade de encontrar maneiras de organizar a população para sair do isolamento social de forma segura.

Na avaliação da presidente da Fiocruz, Nízia Trindade, as desigualdades sociais no Brasil, expressas na alta densidade populacional nas periferias e na dificuldade de mobilidade, proporcionam “uma crise sanitária e humanitária”. “Os desafios sanitários, políticos e da pesquisa exigem de todos nós uma abordagem interdisciplinar, cujas respostas têm de passar pelo conjunto de saberes”, defendeu.

A dirigente da Fiocruz destacou a atuação da instituição na realização de dois milhões de testes moleculares, nos estudos clínicos do Solidarity, chancelados pela Organização Mundial de Saúde, e no Observatório da Covid-19.

Nísia Trindade informou ainda que a instituição acabou de entregar ao Ministério Público do Rio de Janeiro uma recomendação de lockdown no estado e sugestões de políticas para populações vulneráveis. Segundo a pesquisadora, a Fiocruz também abrigará um centro hospitalar para atender casos de Covid-19.

Teresa Sanches