Pesquisa e Inovação

Professores do Cedeplar abordam novos estudos sobre Marx baseados em manuscritos inéditos

João Antonio de Paula, Leonardo de Deus, Hugo Cerqueira e Eduardo Albuquerque são coeditores do livro ‘Marx for the 21st century – reevaluating Marx’s critique of political economy’

Kark Marx
Kark Marx: demanda intelectual e política por novos e rigorosos engajamentos com o marxismoImagem: John Jabez Edwin Mayall | IISH (Wikimedia Commons)

“O capitalismo contemporâneo e suas crises apresentam enormes desafios para análise teórica e ação política. E [Karl] Marx prossegue sendo uma referência indispensável para lidar com esses desafios”, afirma-se na introdução do livro Marx for the 21st century – reevaluating Marx’s critique of political economy (Palgrave Macmillan, 2025), coeditado por professores do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) na Faculdade de Ciências Econômicas (Face) da UFMG. Em outro texto de apresentação da obra, os coeditores João Antonio de Paula, Hugo da Gama Cerqueira, Leonardo Gomes de Deus e Eduardo da Motta e Albuquerque dizem que “o renascimento de Marx está ocorrendo em escala global. Onde quer que a crítica do capitalismo reemerja, existe uma demanda intelectual e política por novos e rigorosos engajamentos com o marxismo”.

Esses dois trechos traduzem o espírito do volume, novo empreendimento do grupo de pesquisa Economia Política Contemporânea, criado em 1998 na UFMG. O volume integra a série Marx, Engels, and Marxisms, editada por Marcello Musto (Universidade de York, no Canadá) e Terrell Carver (Universidade de Bristol, no Reino Unido), que abrange edições críticas, reimpressões, traduções e monografias, com foco principal na obra de Karl Marx e Frierich Engels, em autores e tradições marxistas dos séculos 19 e 20, movimentos sociais e trabalhistas e na recepção do marxismo no mundo.

Hugo Cerqueira
Cerqueira: Marx 'não é um deus incontestável mas suas ideias continuam atuais'Foto: acervo pessoal

Os professores da UFMG enfatizam que O capital, o mais importante e conhecido legado de Karl Marx (1818–1883), é uma obra aberta, um texto com lacunas, mas sempre fundamental, na medida em que o autor entendeu o capitalismo e ofereceu as bases para sua compreensão. Além disso, dizem os coeditores do livro, o capitalismo muda, mas sua essência permanece a mesma, não importa se se está falando de Estados Unidos, China, século 19, 20 ou 21.

“Marx não é um deus incontestável, como pretendem alguns, mas um pensador brilhante, crítico e agudo, cujas ideias seguem atuais”, afirma Hugo Cerqueira. 

Marx for the 21st century é resultado também da colaboração do grupo do Cedeplar com os pesquisadores do Projeto Mega (Marx-Engels Gesamtausgabe), que rendeu viagens de pesquisa para o exterior e troca de avaliações de trabalhos com colegas de diversos países. Essa parceria propiciou aos pesquisadores da UFMG o acesso a manuscritos inéditos de Karl Marx, que contribuem para a leitura crítica d’O capital e outros textos do filósofo alemão. Desde a década de 1920, o Mega vem publicando as obras de Marx e Engels. A segunda fase do projeto, iniciada na década de 1970,  trabalha, entre outros documentos, com os cadernos de anotações de leituras de jornais, revistas e livros. “Um fio condutor do livro é a pesquisa que realizamos com esse novo material: a publicação da Mega2 e os arquivos do International Institute of Social History (IISH), que contêm os cadernos de estudo de Marx”, informa Eduardo Albuquerque.

João Antonio de Paula:
João Antonio: destaque para a 'natureza de incompletude' de 'O capital' Foto: Foca Lisboa | UFMG

Reavaliação com evidências empíricas
O livro tem sete capítulos, dos quais quatro são assinados individualmente pelos coeditores, e três, por eles e pelos também docentes da Face Alexandre Mendes Cunha e Carlos Eduardo Supriniak, que atualmente leciona na American University of Paris (França).

O primeiro capítulo conta a história da publicação dos livros de Marx que em grande parte permaneceram inéditos durante décadas após sua morte. O texto apresenta os esforços para publicar uma edição histórico-crítica desses escritos, concentrados no projeto Mega. “Ali discute-se também como a publicação dos escritos inéditos de Marx ao longo dos séculos 20 e 21 afetou a recepção e a interpretação de suas ideias”, diz o autor Hugo Cerqueira.

No capítulo seguinte, João Antonio de Paula aborda interpretações dos planos de Marx para a estrutura de sua obra e o que ele conseguiu concluir durante sua vida. O texto sugere que as análises feitas antes do Mega2 podem agora ser reavaliadas com evidências empíricas sobre os esforços do pensador alemão, desafiando algumas dessas visões. “Esse capítulo destaca a natureza de incompletude d'O capital, mostrando como as novas descobertas do Mega2 aumentam a compreensão dos pesquisadores, e apresenta essa segunda fase do projeto como uma ferramenta para pesquisas futuras sobre esse projeto extenso e inacabado”, afirma João Antonio.

Leonardo de Deus:
Leonardo: reflexão sobre como Marx analisou as crises de 1857 e 1866Foto: Júlia Duarte | UFMG

O terceiro e o quarto capítulos tratam de um conjunto de manuscritos produzidos por Marx em 1868 e 1869 e que são parte de sua investigação sobre a crise de 1866. Além da pesquisa sobre a natureza daquela crise, os escritos revelam, de acordo com Hugo Cerqueira, um esforço sistemático para examinar as transformações do capitalismo no período: o desenvolvimento dos principais setores industriais, relacionados sobretudo às ferrovias, as inovações financeiras (empresas de responsabilidade limitada e novos tipos de ações e títulos) e as medidas políticas adotadas em resposta à crise. “Nossa análise dos manuscritos sugere que eles integravam o material preparatório para uma revisão do texto do Livro III d’O capital, que Marx não chegou a completar”, informa Cerqueira.

Novas interpretações
No capítulo 5, Leonardo de Deus oferece uma reflexão teórica acerca da análise de Marx sobre as crises de 1857 e 1866. Enquanto a primeira foi examinada e comentada no primeiro e no terceiro volumes d'O capital, a segunda crise, diz o professor, foi completamente investigada por Marx após a publicação do primeiro volume da obra, em 1867. “Essas descobertas, no entanto, não foram incluídas no volume III: teria sido desafiador para Engels incorporar esses trechos e notas em seu trabalho editorial das décadas de 1880 e 1890”, ressalva. “Mas as lições que podem ser extraídas dessas fontes, agora disponíveis graças ao Mega2, têm o potencial de informar novas interpretações d'O capital.”

Eduardo Albuquerque:
Albuquerque: mudanças tecnológicas, superlucros e mudanças na liderança econômica entre paísesFoto: acervo pessoal

Cadernos preparados em torno de 1880 são explorados no sexto capítulo. Eles propiciam, segundo os professores da UFMG, vislumbrar duas preocupações de Marx: o acompanhamento das tecnologias emergentes, por meio de suas leituras sobre a eletricidade, e a ampliação dos horizontes de elaboração, como sugerem seu interesse sobre regiões fora do centro do sistema capitalista.

No sétimo e último capítulos, Eduardo Albuquerque explora cadernos preparados também no início da década de 1880 como ilustração da preocupação de Marx em relação a uma fonte de mais-valia extra ou superlucros: as mudanças tecnológicas. “Além de estudar as novas tecnologias – seja a expansão das ferrovias ou a emergência da eletricidade –, Marx organiza leituras sobre as transformações nos Estados Unidos, que apresentava sinais de sua nova posição na economia mundial. Há uma articulação possível de ser construída, com base nas notas de Marx, entre mudanças tecnológicas, superlucros e mudanças na liderança econômica entre países”, explica o professor da Face.

Livro: Marx for the 21st century – reevaluating Marx’s critique of political economy
Editores: João Antonio de Paula, Hugo da Gama Cerqueira, Leonardo Gomes de Deus e Eduardo da Motta e Albuquerque
Editora: Palgrave Macmillan
A versão digital está disponível. É possível adquirir os capítulos separadamente.
A versão impressa, em capa dura, será lançada em 11 de abril, segundo informa a editora.

Itamar Rigueira Jr.