Grupo da UFMG descobre ação anti-inflamatória em proteína do 'Schistosoma'
Molécula recombinante apresentou resultados promissores contra artrite, pleurisia e lesão hepática provocada por paracetamol
Uma proteína-chave na sobrevivência do parasito Schistosoma mansoni deu origem a uma molécula recombinante que exerce atuação terapêutica promissora contra doenças inflamatórias. O estudo, desenvolvido por equipe multidisciplinar do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), sob a coordenação do professor Sérgio Costa Oliveira, foi tema de artigo publicado em fevereiro na revista Plos Pathogens, de alto impacto na área. A pesquisa, tema da reportagem de capa da edição 2011 do Boletim UFMG, é parte do trabalho de doutorado de Suellen Morais e de pós-doutorado de Barbara Pimentel de Figueiredo.
Após identificar o domínio da molécula com propriedade anti-inflamatória, o grupo testou sua atuação, em modelo animal, em três doenças que acometem humanos: lesão estéril hepática por paracetamol, artrite (ou gota) induzida por ácido úrico e pleurisia – inflamação da pleura pulmonar. O excelente desempenho alcançado em todos os testes sugere potencial produção de biofármacos. O grupo também está testando modelo de vacina capaz de induzir proteção contra o Schistosoma mansoni, que é agente da esquistossomose, infecção helmíntica humana mais importante em termos de morbidade e mortalidade global.
Resposta exacerbada
Na última década, pesquisadores de todo o mundo têm trabalhado na identificação de moléculas do agente que exerçam papel importante no processo de modulação da resposta imune. Sabe-se que esse parasito produz moléculas para bloquear a resposta imunológica, pois desenvolveu a capacidade de viver por décadas nos vasos sanguíneos do hospedeiro humano, sem causar dano. “Temos buscado formas de usar essas moléculas no desenvolvimento de potenciais bioprodutos para combater doenças inflamatórias”, explica Sérgio Costa, que é professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia.
No trabalho, foi identificada a molécula SmKI-1, que atua como inibidora de serino-protease, enzima com forte capacidade de interferir na migração e na ativação de neutrófilos, células que combatem patógenos, mas também podem causar reações negativas ao organismo, quando ativadas de forma exacerbada. “Nos três modelos, observamos a capacidade da SmKI-1 de inibir a migração e a função dos neutrófilos, regulando a inflamação”, resume Sérgio Costa.
O primeiro estudo, realizado em colaboração com o professor Gustavo Menezes, do Departamento de Morfologia, analisou a atividade da molécula em lesão estéril hepática provocada pelo paracetamol, medicamento que, em doses altas, provoca lesões no fígado. Além de reduzir em 50% a atividade da enzima elastase, a SmKI-1 inibiu em 72% a migração de neutrófilos, diminuindo, assim, a patologia.
Com o suporte da professora Angélica Tomaz, do Departamento de Bioquímica e Imunologia, foram realizadas as análises no modelo de gota induzida por ácido úrico. “Utilizando essa molécula, bloqueamos, de forma muito eficiente, os efeitos da doença”, conta Sérgio Costa. De acordo com ele, foi registrada redução superior a 90% do número de neutrófilos na cavidade articular. Também caiu a produção de Interleucina-1 beta, citocina que, quando produzida em grandes quantidades, induz o processo inflamatório.
No estudo sobre pleurisia induzida pela molécula carreginina, a equipe também observou o bloqueio de mais de 50% do efeito inflamatório, devido à redução da migração e da ativação de células, principalmente neutrófilos, na região da pleura pulmonar.
Acoplamento
Uma das etapas da pesquisa foi a identificação do setor da molécula que tem o efeito anti-inflamatório. “Mostramos que o domínio Kunitz é o responsável por essa resposta. Essa parte de biologia estrutural foi feita aqui, no ICB, pela pesquisadora Mariana Quezado de Magalhães”, diz Costa. A equipe, em colaboração com a professora Rafaela Ferreira, também demonstrou que a molécula recombinante se liga de modo seguro pela porção P1 desse domínio, em um bolsão da enzima elastase neutrofílica, que causa o processo inflamatório. “De forma muito eficiente, ela bloqueia o sítio ativo da região de atividade da enzima”, completa.
Imagem mostra o modo de ligação do domínio Kunitz da molécula SmKI-1 (roxo) à elastase de neutrófilos (cinza)Revista Plos PathogensO grupo coordenado por Costa também inativou o gene do parasito e demonstrou que a expressão gênica do SmKI-1 é importante para o desenvolvimento do Schistosoma mansoni, o que favorece estudos para desenvolvimento de vacina. “Nesse caso, o alvo já não é o domínio Kunitz, mas outra parte da molécula, a região C-terminal”, esclarece.
A pesquisa integra a Rede Mineira de Imunobiológicos, recentemente aprovada pela Fapemig, e aguarda liberação de recursos para prosseguir. “Queremos desenvolver um fármaco para aliviar muitos problemas de pessoas acometidas por doenças inflamatórias e testar essa molécula em pacientes com lesão cutânea causada pela leishmaniose. Constatamos o potencial dessa pesquisa, que vai além do trabalho de ciência básica para o entendimento de como a SmKI-1 funciona em modelos anti-inflamatórios”, informa o professor Sérgio Costa.
Artigo: Schistosoma mansoni SmKI-1 serine protease inhibitor binds to elastase and impairs neutrophil function and inflammation
Publicação: Revista Plos Pathogens (edição de fevereiro)
Autores: Suellen Morais, Barbara Figueiredo, Natan Assis, Débora Alvarenga, Mariana de Magalhães, Rafaela Ferreira, Angélica Vieira, Gustavo Menezes e Sergio Costa Oliveira