Pesquisa e Inovação

Queimadas já impactaram 90% das espécies de animais e plantas da Amazônia

Estudo com participação da UFMG, publicado na Nature, atesta que relaxamento das políticas de fiscalização ambiental é o principal responsável por aumento do desmatamento

Queimadas: clima seca não explica aumento do fogo
Queimada na Amazônia: clima seco não explica, por si só, aumento do fogo Valter Campanato | Agência Brasil

Entre os anos de 2001 e 2019, grande quantidade de plantas e animais que habitam a região da Amazônia foi impactada pelas queimadas que atingem a região. Ao analisarem 11.514 espécies de plantas e 3.079 espécies de animais vertebrados, entre aves e mamíferos, pesquisadores de diversos países, com participação da UFMG e liderados pela Universidade do Arizona (EUA), concluíram que 90% das espécies foram atingidas pelas queimadas. Daquelas já ameaçadas de extinção, entre 70% e 85% tiveram grande parte de seus habitats naturais devastados pelo fogo, que, além de causar a morte de animais, transformou os locais onde viviam.

A pesquisa está descrita no artigo How deregulation, drought and increasing fire impact Amazonian biodiversity, publicado hoje (quarta, 1º de setembro) pela revista Nature. Segundo o professor Danilo Neves, do Departamento de Botânica do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, um dos autores do trabalho, o sucateamento dos órgãos de fiscalização ambiental é a principal causa da crescente perda da diversidade de animais e plantas na região. Ele explica que o estudo considerou três períodos: de 2002 a 2008, quando a regulamentação e a fiscalização ambientais eram pouco efetivas no combate ao desmatamento; de 2009 a 2015, quando a fiscalização se tornou mais rigorosa, e reduziu-se o impacto do desmatamento e das queimadas, e, finalmente, entre 2016 e 2019, quando teve início o relaxamento da fiscalização, e, consequentemente, intensificaram-se o fogo e o desmatamento.

“Nosso estudo engloba toda a extensão da Bacia Amazônica, que, em boa parte, está em território brasileiro. Observamos com foco em uma janela temporal de 20 anos, e está claro que os impactos negativos sobre as espécies aumentaram muito nos últimos anos. De 2016 para cá, com a diminuição da fiscalização, o cenário só piorou. Como resultado, em 2019, as queimadas ficaram acima da média histórica recente no país. Isso é preocupante”, diz.

Distribuição potencial
Na primeira parte do trabalho, os pesquisadores compilaram informações sobre a distribuição das espécies de animais e plantas na Amazônia, e os dados foram submetidos a um processo de validação. Para estimar o impacto da destruição ambiental de áreas ainda pouco conhecidas, sobre as quais não havia informações biológicas, o grupo aplicou os chamados Modelos de Distribuição Potencial das Espécies. “Trata-se de uma previsão. Combinamos as coordenadas já conhecidas de distribuição das espécies com dados sobre o clima e o solo dos locais em que elas ocorrem, o que nos possibilitou estimar as áreas de ocorrência potencial das espécies. Posteriormente, todos esses modelos foram validados matematicamente”, explica Danilo Neves.

De posse dos dados da distribuição potencial das espécies, o grupo utilizou informações de satélite, de forma a identificar as áreas que foram queimadas, quais espécies ocorriam nelas e mensurar os impactos causados pelo fogo. Na última etapa da pesquisa, identificaram-se os fatores que provocaram as queimadas naqueles locais – o objetivo foi descobrir se o fogo fora ocasionado pelas secas recentes. “Mesmo se considerarmos o aumento recente das secas na Amazônia, que podem contribuir para o fogo, podemos afirmar que o clima mais seco não é suficiente para explicar o grande aumento das queimadas. Nas nossas análises, o que mais explica esse número alarmante de áreas queimadas é o aumento do desmatamento, que se deve ao relaxamento da fiscalização ambiental a partir de 2016”, diz Neves.

Neves em trabalho de campo na Floresta Nacional de Caxiuanã, no Pará
Danilo Neves em trabalho de campo na Floresta Nacional de Caxiuanã, no Pará Arquivo pessoal

O professor do ICB acrescenta que se trata de um "efeito cascata", com graves consequências para a biodiversidade da região. “O aumento do desmatamento implica o aumento das áreas de queimada, e isso reduziu a biodiversidade em escalas locais e regionais. Como algumas espécies têm distribuição muito restrita, esse processo pode até gerar a extinção de plantas e animais. Cada espécie tem um papel fundamental, e sua perda pode culminar no colapso desses ecossistemas.”

Ainda de acordo com Danilo Neves, o estudo que acaba de ser divulgado pela Nature pode ser usado para aprimorar o entendimento da queda da biodiversidade em outros biomas brasileiros, como o Pantanal. “Nossa pesquisa chama a atenção dos tomadores de decisões e mostra que devemos sempre  avaliar como as políticas públicas interferem na biodiversidade. Se a regulamentação e a fiscalização iniciadas em 2009 tivessem sido mantidas, não estaríamos diante da maior média histórica de desmatamento na Amazônia. Devemos resgatar a regulamentação e a fiscalização, restaurar e recuperar as áreas perdidas. O Brasil sempre foi muito importante nas discussões ambientais porque temos muitos hotspots de biodiversidade. Precisamos retomar esse protagonismo.”

Artigo: How deregulation, drought and increasing fire impact Amazonian biodiversity
Publicado na revista Nature, em 1º de setembro de 2021

Luana Macieira