Institucional

Rodrigo Ednilson: 'políticas de reparação das desigualdades devem ser fortalecidas'

Em entrevista, coordenador do Programa Ações Afirmativas na UFMG explica como o trabalho de 20 anos "mudou a cara da Universidade"

O coordenador da pesquisa, professor da Faculdade de Educação, Rodrigo Ednilson de Jesus
Rodrigo Ednilson é professor da Faculdade de EducaçãoFoto: Foca Lisboa | UFMG

O Programa de Ensino, Pesquisa e Extensão Ações Afirmativas na UFMG vem contribuindo, há duas décadas, para “mudar a cara da universidade”. A trajetória dessa política está registrada no livro Ações afirmativas na UFMG: por que sim?, lançado nesta segunda, em evento no campus Pampulha. O coordenador da pesquisa que deu origem ao livro, o professor da Faculdade de Educação Rodrigo Ednilson de Jesus, conversou com o Portal UFMG sobre essa história, que, segundo ele, “contribui no combate aos efeitos de ações negativas desde a escravidão e, por conseguinte, ainda tem pela frente um longo caminho”.

A pesquisa sobre as ações afirmativas na UFMG foi desenvolvida no âmbito de pesquisa nacional, coordenada pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Educação Superior (Lepes) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pela Ação Educativa, que teve o propósito de analisar os 10 anos da Lei de Cotas no país e seu impacto em diferentes universidades, incluindo a UFMG.

Fale, por favor, sobre o contexto em que a pesquisa foi realizada. 
Para balizar o estudo na UFMG, foram utilizados dados quantitativos, retirados do Censo da Educação Superior e de fontes primárias, entrevistas com gestores e estudantes e análise da política de ações afirmativas. Também vale destacar que as cotas e as ações afirmativas não são a mesma coisa. As cotas são uma modalidade de ações afirmativas, que são mais abrangentes e podem se configurar como políticas de reserva de vagas, vagas preferenciais, políticas de bolsas. As políticas de ações afirmativas implementadas no Brasil são anteriores à Lei de Cotas e representam uma demanda muito antiga do Movimento Negro. 

Foi a partir da década de 2000 que as ações afirmativas foram assumidas pelo Estado brasileiro. Um de seus objetivos é combater o racismo e a discriminação contra a população que se observam na ocupação de postos em diferentes espaços. Então, se a gente entende que essa política combate os efeitos das ações negativas desde a escravidão, não dá para pensar que esses efeitos serão cessados em dez anos. É preciso acompanhar e fortalecer essas políticas de reparação das desigualdades até conseguirmos diminuir e cessar os efeitos da discriminação, o que exige ainda um longo caminho.

Quando se fala em ações afirmativas na UFMG, vem à cabeça o nome da professora Nilma Lino Gomes. Fale um pouco sobre a presença dessa mulher, negra e professora, nesse contexto.
Ao longo das entrevistas realizadas com gestores e do material documental, fica muito evidente o papel do Programa e da professora Nilma, que o fundou, tanto no início das atividades quanto no aprofundamento dessas políticas. Em 2013, com a chegada de novos gestores, o programa ganha outra cara porque, até então, a ênfase esteve na permanência de estudantes negros e negras na graduação, e passou-se a investir também no aprofundamento na institucionalização da política. O programa foi incorporado à Prae, mas sem deixar de ser um programa de ensino pesquisa e extensão.  

Na sua visão, que imagens simbolizam hoje o Ações Afirmativas da UFMG?
A partir de 2013, além da ênfase na institucionalização das políticas de ações afirmativas, a gente teve a abertura de demanda na pós-graduação. Surgiu, por exemplo, o Programa Afirmação na Pós, coordenado antes pelo Ações Afirmativas e hoje pelo Programa Natalino Neves. Desde então, tem-se expandido o debate para a pós-graduação, e, além disso, tivemos a retomada de ações afirmativas na formação de bolsistas e monitores, o que tem sido bastante relevante para a nova imagem do Programa.

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Perfil dos estudantes da UFMG se ampliou e diversificouImagem: captura de tela | TV UFMG

A sua própria trajetória na Universidade, assim como a de outros estudantes negros e também de indígenas e pessoas com deficiência, especialmente nessas duas últimas décadas, é um forte exemplo da representação estudantil nesse movimento, não?
Quando ingressei na UFMG, no início dos anos 2000, a proporção de estudantes negros era muito menor do que é hoje. Eu me lembro de ser muito indagado de qual país da África eu vinha, porque havia muito mais estudantes negros africanos, na época, que estudantes negros brasileiros. Lembro que era possível conhecer todos os estudantes negros da Faculdade de Filosofia, onde eu estudava. Hoje, um bom retrato da mudança de perfil é que eu não conheço nem a metade dos estudantes negros da Faculdade de Educação. Então, a ampliação e a diversificação do perfil, que vêm junto com a diversificação de temas e de histórias de vida, são realidade na UFMG e ajuda a mudar a cara da Universidade. 

O livro contém muitos dados significativos, inclusive no que se refere às políticas nacionais de educação e à gestão da UFMG na época em que apenas 2% de estudantes negros ocupavam vagas de graduação nas universidades. Está citada, por exemplo, a avaliação institucional, que comparou o desempenho dos alunos cotistas com os dos alunos não cotistas. Na sua opinião, qual o valor da avaliação institucional nesse processo?
Penso que a avaliação institucional das ações afirmativas é muito importante e por vezes é negligenciada – foi isso que a pesquisa nacional mostrou. Ainda é rara a inclusão de indicadores de ações afirmativas na avaliação das instituições. Isso é muito curioso, porque a chegada desses estudantes tem impacto sobre eles mesmos e mexe com as instituições. As universidades são levadas a mudar os temas de pesquisa e também as formas de se relacionar com os estudantes. Na UFMG, por exemplo, foi criado o Conselho Estudantil na Prae. Não é à toa que temos visto a UFMG ser reconhecida como uma das melhores universidades do Brasil e da América Latina. Então, precisamos pensar sobre como a presença desses estudantes colabora com essa qualidade, contrariando a antiga tese de que a qualidade das universidades cairia com a presença dos cotistas.

Chama a atenção entre os resultados da pesquisa o número crescente de autodeclarações de estudantes negros (pretos ou pardos), na inscrição para o processo seletivo e no registro acadêmico e matrícula. Em 2003, o percentual de estudantes autodeclarados negros era de 22%, e o de autodeclarados brancos era de 75%. Em 2016, a autodeclaração de negros cresceu 167%. O impacto na “mudança de cor” de alguns cursos foi visível, como afirmou a reitora Sandra Goulart Almeida na entrevista também publicada no livro. Contudo, os dados também revelam que ainda há diferenças expressivas no interior de cursos com notas de corte mais altas, como Medicina e Engenharia. Que desafios a UFMG ainda precisa enfrentar, sobretudo em relação às experiências de acolhimento dos estudantes cotistas?
Quando a gente olha a média na mudança de perfil dos estudantes da UFMG, isso é muito evidente. Mas quando olhamos para dentro das áreas de conhecimento ainda identificamos assimetrias, que têm a ver com a história dos cursos, mas também com a configuração política e socioeconômica da nossa sociedade. Então, os cursos reconhecidos por gerarem maior retorno financeiro e status mais altos tendem a exigir nota maior de corte e serão os mais disputados. É importante que a Universidade garanta que estudantes de diferentes estratos sociais sintam-se parte da instituição, com a oferta de estratégias distintas de acolhimento e valorização desses estudantes. A diversidade crescente no interior dos cursos potencializa a melhora de sua qualidade, porque implica troca de diferentes pontos de vista e experiências.

Quais são suas expectativas com relação aos estudantes negros e indígenas e pessoas com deficiência, a partir de agora?
Minha expectativa é que a gente consiga eliminar as assimetrias, não só para alcançar representação igualitária, mas para que essas pessoas contribuam para o incremento do conhecimento científico e da produção nas artes, mudando cada vez mais a universidade. Que esses grupos possam transformar as instituições em verdadeiros universos de possibilidades. Então, vida longa às ações afirmativas, vida longa à universidade pública, marcada cada vez mais pela diversificação de saberes.

Teresa Sanches