Pesquisa e Inovação

Trabalhadores da saúde cometem violências sutis contra usuários de drogas

Estudo da Medicina relaciona comportamento dos agentes aos estereótipos sobre os pacientes

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Práticas assistenciais ainda são calcadas na moral e no medo
Pixabay

Trabalhadores da saúde cometem violências sutis contra usuários de drogas em tratamento, concluiu estudo realizado pelo psicólogo Carlos Alberto Pereira Pinto. Ele avaliou a reprodução de estereótipos e de violência contra pacientes em tratamento do vício em álcool e drogas por parte de profissionais da saúde. A pesquisa foi baseada na experiência do psicólogo como gestor de um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSAD), na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

“Percebi essas atitudes que, na minha hipótese, eram violências sutis contra o usuário em tratamento. Eu me perguntava: isso é de fato uma violência?” conta. “A violência existe, apoiada no senso comum e nos estereótipos sobre o usuário. As práticas ditas assistenciais ainda são muito calcadas na moral, no medo, na procura de um grande ‘culpado’ para a situação. Essa associação de drogas e violência repercute no imaginário dos sujeitos, e o agente de saúde também leva isso para si”, afirma Carlos Alberto.

O estudo qualitativo, apresentado em forma de dissertação no Programa de Promoção de Saúde e Prevenção da Violência, foi desenvolvido com base em entrevistas com 12 trabalhadores de três unidades dos CAPSADs, em Contagem, Betim e no Barreiro.

Carlos revela que não foram todos os trabalhadores entrevistados que apresentaram discurso violento e preconceituoso, mas que todos eles afirmaram observar esse tipo de comportamento nos seus locais de trabalho.

Três categorias
O pesquisador classificou o comportamento dos trabalhadores da saúde em três categorias: julgamento moral, relação familiar e estereótipo do usuário como pessoa violenta.

“O uso de drogas é quase sempre pautado por um julgamento moral, e o usuário é entendido como um sujeito descomprometido, de caráter deturpado pela droga. É como se a droga fosse personificada ou um ‘demônio’ que se apossa da pessoa, o que a faz perder a capacidade de julgamento e avaliação de atitudes”, explica o pesquisador.

A categoria da relação familiar se desdobra em dois aspectos: de um lado, o usuário é aquele que desestabiliza toda a estrutura familiar; de outro, o núcleo familiar potencializa ou desencadeia o uso de drogas. “Os dois casos são extremos”, diz Carlos.

“Existe aquela ideia de que ‘o sujeito usa drogas porque tem a família desestruturada’. Mas o que é uma família desestruturada? E ter uma família desestruturada significa necessariamente entrar num vício?” questiona. “É tudo ou nada na tentativa de achar um culpado.”

Outro aspecto, de acordo com o pesquisador, está relacionado à “produção de um sujeito violento”. “Essa concepção é muito forte e foi historicamente construída. Constatei que a percepção dos trabalhadores da saúde ainda está muito próxima do senso comum sobre o usuário”, argumenta Carlos Alberto.

Desmitificar
O psicólogo aponta a necessidade de uma formação não técnica, visando desmitificar o imaginário acerca das drogas e do usuário. “Apesar da construção de uma política assistencial pautada no cuidado, ainda precisamos trabalhar na perspectiva do paciente. Precisamos criar espaços onde o trabalhador possa expor seus receios e pensamentos sobre o usuário, sem nenhum tipo de perseguição ou opressão, para que os estereótipos possam ser quebrados”, diz.

De acordo com ele, o trabalho aponta para a necessidade de investimento na formação do trabalhador. “Isso vai repercutir em melhor assistência para o usuário e a família. E, é claro, no cuidado com o trabalhador da saúde”, alega o pesquisador.

Carlos Alberto conclui que é importante reforçar e acreditar nas políticas de construção coletiva. “A reforma psiquiátrica e o trabalho em rede de atenção psicossocial é um esforço de mais de 30 anos, envolvendo profissionais, gestores, usuários. Infelizmente, temos visto um retrocesso”, enfatiza.

Dissertação: Análise das representações sociais dos trabalhadores da saúde mental dos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSAD), acerca da assistência aos usuários atendidos nesses serviços
Autor: Carlos Alberto Pereira Pinto
Orientadora: Cristiane de Freitas Cunha
Coorientador: Renato Diniz Silveira
Defesa: maio de 2018, no Programa de Pós-graduação em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência

Carol Prado, edição de Karla Scarmigliat – Assessoria de Comunicação da Faculdade de Medicina