UFMG atualiza protocolos para aumentar segurança de testes de coronavírus
Amostras de pacientes não sintomáticos para Covid-19, mas com possível baixa carga viral, vão passar por dois diferentes tipos de testes
Laboratórios da UFMG vão passar a submeter amostras de pacientes não sintomáticos para Covid-19, mas com possível baixa carga viral, a pelo menos dois outros diferentes tipos de testes moleculares, que detectam a presença do RNA (ácido ribonucleico) do vírus, com o objetivo de aumentar a confiabilidade dos exames de detecção do novo coronavírus e minimizar a possibilidade de ocorrência de falsos-positivos e falsos-negativos.
A atualização dos procedimentos visa aprimorar os protocolos do CDC (Centers for Disease Control and Prevention), departamento dos Estados Unidos para controle e prevenção de doenças, cuja metodologia é mundialmente utilizada e foi adotada pelos laboratórios da UFMG. A equipe mineira identificou uma discrepância nos protocolos americanos – que está sendo discutida e compartilhada com outros centros de pesquisa que adotaram a mesma metodologia –, mas informou que ela não é capaz de provocar distorções significativas no quadro de diagnóstico para a doença no Brasil. A mudança foi anunciada pelos laboratórios da UFMG na última quarta-feira, 15.
“Essa incongruência só ocorre na testagem de pacientes não sintomáticos, sendo que, no Brasil, devido à falta de testes, essas pessoas nem estão sendo testadas. Nossa estimativa é de que haja uma quantidade muito maior de casos de pessoas infectadas do que o poder público tem sido capaz de identificar”, explica um dos coordenadores do CT Vacinas e integrante do Comitê Permanente de Enfrentamento ao Coronavírus, o virologista Flávio Fonseca. Segundo o professor e pesquisador, “é importante destacar que divergências protocolares, como as verificadas nesse episódio, não constituem erro metodológico, mas atualizações que fazem parte do processo científico”.
A incongruência começou a ser identificada nesta semana pela comunidade científica internacional e, na UFMG, foi percebida devido à decisão do Hospital Risoleta Tolentino Neves, um dos centros de referência para o coronavírus na capital mineira, de submeter à testagem rotineira todos os servidores envolvidos no atendimento a pacientes confirmados (os chamados “contatos" de coronavírus), mesmo que não tivessem qualquer sintoma da doença. Até então, apenas pacientes e funcionários que apresentavam sintomas clínicos eram testados, mas o hospital resolveu aumentar a testagem para “garantir aos nossos trabalhadores maior segurança”, explica a diretora do Risoleta, Alzira Jorge.
Laboratórios da Universidade
trabalham para aumentar a confiabilidade
dos exames de detecção do novo coronavírus
Ao aumentar a base de funcionários testados, os resultados chegaram a quase 90% de amostras com resultados positivos, o que intrigou os pesquisadores em relação aos dados anteriores (de menos de 5% de confirmação para a infecção). “Quase ao mesmo tempo, a revista Nature publicava um artigo em que alertava que o CDC, entre outros motivos, por ter estabelecido um parâmetro de corte muito elevado, abriria margem para os falsos-positivos. Imediatamente, fizemos contato com colegas da comunidade de virologistas, como do Laboratório de Virologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), também integrante da Rede Nacional de Enfrentamento ao Coronavírus, e do Instituto Pasteur, na França. E todos estavam percebendo essa distorção”, explica Flávio Fonseca.
O CDC foi um dos primeiros institutos a disponibilizar para a comunidade internacional o protocolo de testagem para o Sars-Cov-2, causador da Covid-19. A possibilidade de rápido acesso e a reconhecida expertise do instituto no manejo de pandemias levaram laboratórios de todo o mundo e os da UFMG a adotar a metodologia para detecção da doença. Além desse protocolo, a Organização Mundial de Saúde (OMS) avaliza outros tipos de metodologias, entre elas a Charité-Berlim, utilizada, por exemplo, pela Fundação Ezequiel Dias (Funed), que também adota o CDC.
O protocolo CDC busca observar a presença de RNA do novo vírus (por reação de PCR – Polymerase Chain Reaction, Reação em Cadeia da Polimerase – RCP, em português) em amostras humanas após submissão delas a até 40 ciclos de amplificação da presença do vírus. Quanto maior a carga viral da amostra, menor o número necessário de ciclos para confirmar a presença da infecção. Por considerar que chegar a 40 ciclos poderia reduzir a especificidade do teste, e também para aumentar a segurança do resultado, os pesquisadores da UFMG já haviam decidido considerar como positivos apenas os resultados que detectassem a presença de RNA viral com número de ciclos de amplificação menor ou igual a 35.
Enquanto o Hospital Risoleta Neves encaminhava para a testagem apenas materiais de pacientes que já apresentavam um quadro mais grave da doença, o protocolo funcionou muito bem. “Quando essa base foi ampliada, passamos a ter um número bem maior de supostos infectados. Repetimos os testes, e eles continuavam dando positivo. Apenas depois que liberamos esses resultados para o hospital, indicando que haveria 50 funcionários infectados, começamos a receber de colegas estudos científicos em pre-print [ainda não avaliados por pares, portanto, não publicados por revistas científicas], que indicavam a possibilidade de falsos-positivos também entre 30 e 35 ciclos de amplificação”, explica Flávio Fonseca.
O CT Vacinas e o Hospital Risoleta Tolentino Neves divulgaram, ontem, uma nota conjunta para esclarecer a situação.
Risoleta Neves
Mesmo compreendendo que a clínica dos servidores era incompatível com os resultados positivos para coronavírus, a direção do Hospital Risoleta Neves decidiu afastá-los e tomar as medidas necessárias para a profilaxia.
“Adotamos há um mês um plano de contingência para atuação na epidemia junto aos pacientes e trabalhadores e fazemos a separação do fluxo de atendimento de doentes e funcionários com sintomas respiratórios do restante de outras queixas e condições para o Centro de Atendimento Covid-19, implantado para essa finalidade. Além disso, adquirimos equipamentos de proteção individual (EPIs), que são disponibilizados a todos os trabalhadores, incluindo os administrativos, garantindo também orientações contínuas sobre todo o cuidado e segurança para usuários e funcionários”, explica a diretora do hospital, Alzira Jorge.
Ao mesmo tempo, esses laboratórios da UFMG passaram a submeter os resultados pelo método CDC que estavam na faixa suspeita a outras duas metodologias de análise: Charité-Berlim e Thermo Scientific. Dessa maneira, novos resultados para o conjunto de funcionários do Hospital Risoleta Neves devem ser divulgados até esta sexta-feira (17). “Será importante ter esses novos resultados o mais prontamente possível para que não reste dúvida sobre as possibilidades e condições de trabalho no Risoleta Neves “, explica a diretora.
Segundo a diretora, “a divulgação dos diagnósticos iniciais, em um primeiro momento, pode ter gerado repercussão negativa porque vivemos todos um clima de grande tensão, e os profissionais de saúde, com razão, estão muito apreensivos quanto às suas condições de trabalho. Essa é também a nossa preocupação, mas estamos convencidos de que a situação será esclarecida com as contraprovas”.
Segurança nos testes e novas pesquisas
Para realizar novos testes, tanto para o Risoleta Neves quanto para outros hospitais que demandam o apoio da UFMG para diagnóstico, os laboratórios vão continuar mantendo o protocolo CDC para a faixa de segurança (até 30 amplificações) e vão conjugar os resultados da faixa entre 30 e 35 amplificações com outros métodos. Os pesquisadores asseguram que esse aspecto do protocolo CDC não invalida o teste em si, que tem como vantagens a facilidade de operação e o custo, além da impossibilidade de erros nos resultados negativos (ou seja, há segurança de, que se um resultado for negativo, a amostra não contém o vírus). “Obviamente queremos resultados os mais exatos possível, mas há sempre um limite de interpretação de resultados numa zona cinza. Em medicina, isso é relativamente comum”, explica Flávio Fonseca.
Além de adaptar os protocolos, contribuindo para que centros de testagem de todo o país também se orientem por parâmetros mais adequados, os pesquisadores da UFMG começam a vislumbrar novas perspectivas de pesquisa que podem levar a mais conhecimento produzido sobre o novo coronavírus.
Uma das hipóteses levantadas para o grande número de resultados falso-positivos seria o resultado cruzado com outros vírus sazonais típicos dessa época do ano, como o de um resfriado comum. “Este é um indicativo interessante, mas não temos qualquer dado científico que comprove isso ainda”, esclarece Flávio Fonseca.
Com essa preocupação, o grupo de pesquisadores está se organizando para fazer o sequenciamento genético das amostras que forem consideradas falsos-positivos, de modo a tentar identificar a presença de outros vírus que estejam atuando para o resultado cruzado. “Essa discussão foi iniciada em grupos internacionais importantes, como o Instituto Pasteur da França. É uma suspeita que não pode ser menosprezada, mas ainda não há indicação científica para sustentá-la. Seguimos trabalhando”, afirma Flávio Fonseca.