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Sebos ganham cartografia sentimental

Dissertação de mestrado "viaja" pelo circuito das livrarias de obras usadas da capital

Os livros são animais vivos e devem ser tratados com muito respeito. A socióloga Márcia Cristina Delgado levou a sério a analogia feita por Aristóteles e se debruçou sobre a história de tradicionais estabelecimentos da capital mineira que, apesar de bastante freqüentados, jamais foram estudados a fundo: os sebos. A viagem de Márcia culminou com a dissertação de mestrado Belo Horizonte: uma cartografia sentimental de sebos e livros, defendida em outubro do ano passado na Faculdade de Educação. 

Os sebos sempre foram ambientes férteis para a pesquisa. Márcia Delgado quis ir além da mera descrição histórica e buscou entender melhor o significado e o funcionamento dos alfarrábios. Além de visitar sete sebos de Belo Horizonte, ela entrevistou bibliófilos, livreiros e realizou uma vasta pesquisa de campo. Sua cartografia sentimental revelou facetas até então desconhecidas do circuito dos sebos. Por trás de uma livraria recheada de obras antigas, há uma série de personagens curiosos. "É impossível não lembrar de colecionadores, viúvas,´ratos´ de biblioteca, trapeiros, ácaros e traças", brinca a pesquisadora.

Viúvas

Uma série de curiosidades marca o caminho que leva um livro aos sebos. As viúvas, por exemplo, são responsáveis por boa parte do acervo de muitos dos alfarrábios belo-horizontinos. Márcia Delgado conta que várias delas costumam vender a biblioteca pessoal dos maridos tão logo eles morrem. Histórias não faltam. "Há mulheres que têm raiva dos livros, pois o parceiro dava mais atenção a eles do que à esposa", conta. Outras, ao contrário, resolvem vendê-los para que as lembranças do marido não as façam sofrer. As obras antigas chegam aos sebos também através dos trapeiros que perambulam pela cidade carregando papéis e garrafas.

                                                       Uma vida dedicada aos livros

Um dos principais personagens da dissertação da pesquisadora Márcia Delgado tem uma vida dedicada aos livros. Trata-se de Amadeu Coccó Rossi, dono do mais famoso sebo de Belo Horizonte. Nascido no distrito de Passagem de Mariana, em 1916, Amadeu perdeu o pai aos quatros anos e foi morar num orfanato, de onde só saiu em 1925. Seu primeiro emprego foi na mina da Companhia Mineira de Passagem. Ele, que já havia perdido o pai por causa da silicose, substância tóxica comum nesse tipo de ambiente, viu-se na mesma situação. Foi quando começou a beber leite para se proteger dos efeitos da silicose. 

Em 1931, Amadeu veio para Belo Horizonte. Sua primeira experiência como vendedor de livros foi em 1932, quando começou a trabalhar na Livraria Morais. 

Em 1948, "seu" Amadeu comprou a biblioteca pessoal de Milton Pedrosa e tornou-se alfarrabista. Até hoje continua bebendo um copo de leite todos os dias. Agora, não mais para evitar a silicose, mas para combater a poeira que teima em perseguir seus livros velhos.

Maurício Silva Júnior