Relatos literários ajudam a entender histeria feminina
Dissertação mostra que conceitos psiquiátricos são insuficientes para compreender a alma da mulher
Essa Freud sozinho não explica.
Com base nessa certeza, a psicóloga Maria Madalena Magdabosco resolveu percorrer um novo caminho para entender a causa da histeria feminina. Em vez de se fixar apenas nas teorias psiquiátricas, que reduzem os problemas psicológicos das mulheres à mera patologia, a pesquisadora recorreu a relatos literários femininos e confirmou que conflitos sociais, históricos, culturais e religiosos podem influir no seu comportamento. Seu esforço culminou com a dissertação Testemunhos narrativos femininos na América Latina: uma articulação interdisciplinar, defendida, em novembro de 1998, junto ao mestrado em Estudos Literários, da Fale.
"As doenças da alma não podem ser analisadas com simples definições psiquiátricas", defende a psicóloga. Com 16 anos de prática clínica, Madalena acostumou-se a receber mulheres deprimidas por desilusão amorosa. Nesse tempo, ela percebeu os "furos" da explicação psiquiátrica, segundo a qual a histeria estaria relacionada à "falta do sexo oposto". Durante o tratamento, suas clientes descobriram que várias barreiras cotidianas não estão ligadas ao relacionamento com os parceiros. "Foi aí que recorri à antropologia, filosofia e literatura", conta.
Mergulho
A psicóloga mergulhou na literatura e descobriu que os testemunhos narrativos femininos poderiam servir de matéria-prima para estudo. Nos depoimentos, Madalena identificou a importância de se compreender o pensamento da mulher dentro de uma realidade sócio-cultural. Um exemplo é o relato da boliviana Domitilia Barros, citado na dissertação. Suas maiores dificuldades diziam respeito à situação de seu país e não a suas "crises histéricas".
A principal análise de Madalena, porém, é feita sobre os relatos da índia guatemalteca Rigoberta Menchu, que, na década de 80, descreveu sua trajetória de luta à etnóloga francesa Elizabeth Burgos. A índia foi opositora ferrenha da ditadura militar da Guatemala. Através de seu relato, Madalena encontrou a chave para as questões que a inquietavam. A psicóloga considerou que a transcrição feita por Elizabeth Burgos não condizia com a realidade vivenciada pela guatemalteca. Nem sempre o que Rigoberta dizia era compreendido claramente pela etnóloga, que jamais enfrentou as arbitrariedades de um regime totalitário. E nesse ponto Madalena relaciona a interpretação dos relatos aos tratamentos psicológicos da atualidade. "Assim como Elizabeth não conseguiu entender alguns sentimentos de Rigoberta, as teorias psiquiátricas são incapazes de traduzir a complexidade da alma feminina", conclui.
Gênero ganhou expressão nos anos 70
O Testemunho Narrativo feminino é um gênero literário que se caracteriza por relatos íntimos de mulheres encontrados em diários e anotações diversas. O gênero ganhou expressão a partir da década de 70, quando artistas passaram a publicar depoimentos de personagens femininas de vários países. Nessa época, alguns relatos chegaram a ganhar o prêmio América da Academia Americana de Letras. "Muitas entrevistadas eram analfabetas e seus relatos só se tornaram públicos graças ao esforço de pesquisadores do mundo inteiro", conta Madalena. Grande parte dos testemunhos chegous ao Brasil há poucos anos, através da USP.