Expansão à vista

Uma perda para o mundo jurídico

 

O recente falecimento do eminente professor José Alfredo de Oliveira Baracho traz para o Brasil, particularmente para o mundo jurídico, uma perda sensível. O ilustre professor da Faculdade de Direito da UFMG foi daquelas personalidades que marcam época. E isto por inúmeras razões que singelamente pretendo resumir.

 

Chamo a atenção, em primeiro lugar, para a sua vasta obra, que compreende um sem-número de livros e artigos. Menciono à guisa de exemplo alguns estudos a que tenho acesso fácil, pois estão na minha biblioteca e certamente não esgotam o rol dos escritos do Mestre mineiro. São eles na ordem arbitrária de minhas estantes: Processo constitucional; Teoria geral das comissões parlamentares; Teoria geral do federalismo; Teoria da Constituição; Participação nos lucros e integração social – PIS; Regimes políticos; Teoria geral dos partidos políticos; O princípio da subsidiariedade: Conceito e evolução; Teoria geral da cidadania; A prática jurídica no domínio da proteção internacional dos direitos do homem – a Convenção Européia dos Direitos do Homem; Reengenharia do Estado; As tendências do constitucionalismo brasileiro contemporâneo – as mudanças ocorridas na Constituição de 1988; Jurisdição constitucional da liberdade; Teoria geral do direito constitucional comum europeu; As comissões parlamentares na Constituição de 1988; Teoria geral da justiça constitucional.

 

A mera enumeração que está acima já assinala uma das características do preclaro jurista: sua preocupação com todos os grandes temas do direito constitucional. 

Segundo ponto a salientar é que nesses trabalhos ele sempre demonstrou um erudito conhecimento de praticamente tudo o que foi escrito a propósito do respectivo tema. Este conhecimento – ressalte-se – abrangeu não somente a doutrina nacional, que conhecia como ninguém, mas também a estrangeira, em que se sentia à vontade.

Terceiro aspecto a salientar é a sua preocupação de integrar as lições da doutrina em teorias gerais. Ele formulou teorias gerais dos partidos políticos, do federalismo, das comissões parlamentares de inquérito, da justiça constitucional, do direito constitucional comum europeu, da cidadania. Acrescente-se, ainda, que, embora o título não o indique, contêm teorias gerais também os estudos sobre o processo constitucional, sobre os regimes políticos, assim como os estudos sobre os direitos fundamentais.

 

Nestas teorias gerais, procura ele sistematizar contribuições e aspectos de cada assunto. Reflete isto um viés significativo, qual seja a noção de que qualquer questão somente se revela em toda sua riqueza depois de sistematizada, cada elemento ocupando o seu lugar.

Todos esses trabalhos, além de extremamente instrutivos, são de leitura amena. Evitava mestre Baracho a linguagem obscura, de que se servem muitos para esconder a pobreza do raciocínio. De fato, a sua redação, conquanto tecnicamente irretocável, era simples, escorreita e, conseqüentemente, clara e translúcida.

 

Mas seria desconhecer parte dos méritos do professor Baracho limitar a exposição ao mérito de suas publicações. Foi ele um professor, o que pode parecer uma redundância, mas não o é. No curso de graduação sempre se houve com destaque, no de pós-graduação formou numerosos discípulos de escola que hão de dar seguimento à sua obra de grande constitucionalista.

 

Por outro lado, o professor Baracho se houve com brilho em atividades administrativas, assim como ofereceu contribuição inestimável para o desenvolvimento dos cursos de pós-graduação no país. Refiro-me ao seu trabalho incansável na orientação de cursos de pós-graduação pelo Brasil afora, como consultor do Ministério da Educação para avaliação e credenciamento de tais cursos e representante da área do Direito na Capes e membro do Comitê Técnico Científico daquele órgão.

 

Na verdade, essa atividade “externa” do mestre mineiro compreende outra faceta, a de examinador de bancas de concurso. Nestas, com ele convivi num sem-número de oportunidades na Faculdade de Direito da USP. Nas Arcadas, por muito tempo não se fez argüição de livre docência, de concurso para titular, no plano do direito público, sem que se contasse com sua colaboração e a de seu insigne colega, o professor Machado Horta. Estava ele sempre disponível para colaborar nesses concursos, que tomam muito tempo e, às vezes, são tediosos. Em tais bancas, a sua participação se destacava pela profundidade das indagações, em que revelava seu conhecimento dos mais variados temas de direitos e a agudeza de seu espírito. Por outro lado, suas argüições eram serenas, educadas, equilibradas, jamais ferindo o argüido por mais arrasadoras que fossem suas observações. Por isso, tê-lo como examinador constitui para muitos verdadeiro título honorífico.

 

Foi ele também assíduo e indispensável participante dos encontros científicos de direito constitucional, que o Instituto Pimenta Bueno realiza anualmente na Faculdade de Direito da USP.

Quero, enfim, mencionar o homem, simples, de uma lhaneza ímpar, com quem tive a oportunidade de conviver, embora distante na sede de atuação. Muito prazer tive de participar com ele de reuniões científicas, em que ouvi suas lições, de bancas de concurso, em que muito aprendi com ele. Sinto a perda do amigo e mestre, como o fazem todos os juristas brasileiros.

Professor titular (aposentado) de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da USP, doutor pela Universidade de Paris e Doutor Honoris Causa da Universidade de Lisboa. Preside o Instituto Pimenta Bueno – Associação Brasileira dos Constitucionalistas – e é membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.

 

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Manoel Gonçalves Ferreira Filho