Os múltiplos frutos da Macaúba

Onde canta o sabiá

Pesquisas revelam potencialidades industriais do fruto da macaúba, palmeira nativa do cerrado.

Comuns nas paisagens mineiras, uma macaúba (Acrocomia aculeata) é uma palmeira de maior dispersão no Brasil e uma das mais promissoras fontes de óleo para a indústria cosmética, de alimentos e de vendas. Resistente a pragas e alterações climáticas, uma espécie tem sido intensamente estudada nos últimos anos, embora sejam incipientes como experiências de planta planejadas.

No Laboratório de Macaúba, no Departamento de Engenharia Química da Escola de Engenharia da UFMG, uma professora Maria Helena Caño de Andrade coordena estudos que analisam diversos aspectos relacionados ao fruto: metodologia de coleta e armazenamento, composição e teor nutricional, rotas e análise da viabilidade economia do processo industrial de extração de óleo, produção de alimentos e biodiesel.

Segundo a professora, todo o fruto é aproveitável - casca, polpa, castanha e amêndoa - e tanto a polpa quanto a amêndoa tem vasta utilização. Na indústria alimentar, pode ser processado para uso como óleo de mesa ou produção de margarinas, cremes vegetais e os requisitos de redução, substâncias usadas em alimentos. Uma composição de óleo da polpa se assemelha ao óleo de oliva, e a amêndoa é semelhante ao óleo de coco. “O limite mínimo percentual de graxos poli-insaturados, ou óleo da polpa de macaúba, também é uma boa opção para o uso em letras, pois apresenta maior oxidação quando usado na soja, no girassol e no milho. No entanto, outros testes devem ser realizados para viabilizar ou usar para tal uso ”, diz Maria Helena Caño de Andrade.

Outro filtro para o setor é a utilização de óleos para produção de biodiesel e na indústria de produtos manufaturados, como cosméticos, cosméticos, resinas e lubrificantes. “O consumo mundial de óleos vegetais aumenta em 4,8% ao ano, devido ao aumento populacional e às demandas de biodiesel”, informa a professora, lembrando que o fruto da macaúba possui massa média de 46 gramas e teor de 20 % a 25% de óleo em sua composição.

O revestimento da amêndoa, um castanha (endocarpo) pode ser usado como carvão e como combustível para caldeiras, que produz ou vaporiza os equipamentos necessários ao processo de beneficiamento de macaúba. Adicionalmente, o excedente pode ser usado para gerar vapor em condições apropriadas para produção de energia elétrica, como já ocorre com o bagaço de cana-de-açúcar nas destilarias e usinas brasileiras. Nem o resíduo final do processo de extração de óleo se perde, pois as tortas da polpa e da amêndoa têm um mercado certo como matéria prima para a produção de ração de uso animal. Além disso, há pesquisas em fases iniciantes que utilizam a farinha de alimentos para pães e bolos.

Em dissertação defendida no primeiro semestre deste ano, a pesquisadora Gisele Cristina Rabelo Silva propõe um processo industrial de extração dos óleos do fruto da macaúba e demonstra sua alta rentabilidade. “Mesmo que uma usina de beneficiamento funcionasse apenas durante os cinco meses de produção do fruto – de novembro a março – ainda seria um negócio viável”, comenta a orientadora da pesquisa, ao lembrar que, em geral, as indústrias que lidam com produtos sazonais trabalham em regime de consórcio de matérias-primas, de modo a se manterem em funcionamento durante todo o ano. A autora da dissertação demonstrou que o tempo estimado para que o capital investido seja recuperado foi um ano e meio, desde que a planta instalada opere 24 horas, por 29 dias mensais durante cinco meses.

Em sua pesquisa, Gisele Rabelo analisou de forma integrada todas as etapas do processamento. Valendo-se de equipamentos do mercado brasileiro, ela quantificou a produção dos óleos de polpa e amêndoa, a perda de óleo nas tortas, a energia consumida, bem como o excedente de endocarpo. Um modelo de simulação da rota de beneficiamento foi desenvolvido, o que permitiu avaliação financeira da cadeia produtiva – custos de implantação e operação da planta industrial. O estudo demonstrou a necessidade de otimizar os maquinários do processo.

Maria Helena Caño destaca a importância dos estudos desenvolvidos pela Engenharia Química com o objetivo de aperfeiçoar a extração dos óleos e gerar matéria-prima para a obtenção de produtos de maior interesse para o mercado. Quanto à produção de biodiesel, por exemplo, o mestrando Daniel Bastos de Rezende pesquisa o processo de catálise heterogênea, que substitui soluções líquidas por resinas sólidas para viabilizar a reação de transesterificação, o que eliminaria etapas posteriores do processo.

Foca Lisboa
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Equipe do Laboratório da Macaúba (a partir da esquerda): Viviane Santos Birchal, Gisele Rabelo, Daniel Rezende, Patrícia Carvalho, Maria Helena Caño e Thiago Pimenta, que pesquisam várias frentes relacionadas às industrialização do fruto da macaúba

Catar coquinho

Já a dissertação Metodologias de obtenção e caracterização dos óleos do fruto da macaúba com qualidade alimentícia: da coleta à utilização, defendida por Thiago Vasconcelos Pimenta, também sob a orientação de Maria Helena Caño, concluiu que é possível obter óleos com qualidade alimentícia a partir dos frutos da macaúba, desde que processados ainda frescos e em estágio de maturação adequado. “O grande vilão da qualidade do óleo é a acidez”, informa a orientadora. Segundo ela, a etapa de coleta e os cuidados iniciais com os frutos têm importância crucial na qualidade final. Nesse sentido, uma contribuição importante vem de Montes Claros, onde o mestrando e funcionário do Instituto de Ciências Agrárias (ICA) Teddy Marques Farias estuda a caracterização e armazenabilidade dos frutos, além de desenvolver análise da exploração extrativista da macaúba no Norte de Minas.

Já o pesquisador Thiago Vasconcelos desenvolveu metodologias de coleta, seleção, higienização, separação e armazenamento das partes do fruto, assim como o preparo da matéria-prima e a extração a frio dos óleos da polpa e da amêndoa, com qualidade alimentícia. Também caracterizou os óleos brutos quanto à qualidade, estrutura lipídica e características de fusão; avaliou diferentes metodologias de neutralização química do óleo da polpa para adequação do índice de acidez à legislação vigente e a influência desse processo na estabilidade oxidativa e no teor de carotenos. “Um dos principais resultados da pesquisa foi a obtenção de óleos com baixa acidez”, explica a professora.

Alta produtividade

Há pesquisadores que apontam a macaúba como a segunda maior planta geradora de óleo do mundo. Estima-se que sua produtividade em quilograma por hectare varia de 4 mil a 6 mil kg/ha. A comparação é feita com a palma (dendê), cuja produtividade, já quantificada, é de 6 mil kg de óleo por hectare. “Mas devemos ter em mente que as atuais plantações de macaúba ainda são nativas. É uma cultura perene e seus frutos começam a aparecer depois de quatro a seis anos, permanecendo produtiva por mais de 25 anos. Creio que nos próximos seis ou sete anos, quando houver resultados de plantações planejadas, teremos uma estimativa mais real, e espera--se que a produtividade seja maior que a da palma”, diz Maria Helena Caño.

A pesquisa feita no Laboratório da Macaúba é vinculada ao projeto Propalma – Pesquisa, desenvolvimento e inovação (Pd&I) em palmáceas para a geração de óleo e aproveitamento econômico de coprodutos, coordenado pela Embrapa Agroenergia, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Enquanto a UFMG se concentra nos estudos a respeito do aproveitamento industrial do fruto, outras instituições do país, como a Universidade Federal de Viçosa, pesquisam a propagação e o plantio planejado da espécie. Maria Helena Caño de Andrade conta que inicialmente tinha interesse em investigar a palma do dendê, tema de seu pós-doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, em 2004. “Pensei em continuar meus estudos sobre o tema na UFMG, mas a palma não é uma planta com ocorrência em Minas Gerais. Já a macaúba é largamente encontrada aqui no estado e em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul”, argumenta.

Toda a pesquisa no Laboratório da Macaúba tem sido feita com frutos colhidos no próprio campus Pampulha. “Projetamos coletores e os instalamos no entorno da Faculdade de Odontologia, onde havia espécimes da planta em ótimas condições”, explica.

Ana Rita Araújo