Boletim

Nº 1931 - Ano 41 - 07.03.2016

UFMG contra o Aedes

Os mediadores da dengue

Grupo do ICB inicia pesquisas que poderão resultar em tratamentos para a fase mais aguda da doença

Projeto do Grupo de Imunofarmacologia, coordenado pelo professor Mauro Teixeira, do ICB, receberá financiamento para pesquisas com a finalidade de desenvolver medicamentos contra a fase mais aguda da dengue. O projeto Tratando o hospedeiro em dengue: mediadores e vias de resolução com um novo paradigma terapêutico está entre os quatro selecionados por chamada da Fapemig, do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) e do Medical Research Council (MRC), do Reino Unido, com o tema Doenças ­infecciosas negligenciadas. O aporte será de R$ 850 mil, em três anos. 

Há cerca de uma década, estudos com forte contribuição do grupo do ICB têm consolidado o conceito de que a resolução da resposta inflamatória para diversas doenças se dá de forma muito ativa até que os sintomas desapareçam. Depois da dor e da inflamação, vem a melhora. “Essa melhora, que chamamos de resolução, é, na verdade, um processo muito ativo. Não é apenas a ausência dos mediadores pró-inflamatórios que resolve. Há moléculas com papel anti-inflamatório que influem decisivamente”, explica Mauro Teixeira.

Ele salienta que doença é diferente de infecção. Das pessoas infectadas por vírus, algumas desenvolvem a doença, e parte destas, a forma grave. “Nosso interesse é saber por que as pessoas adoecem e se é possível tratá-las com fármacos que modificam a resposta inflamatória”, afirma o pesquisador.

Nos últimos anos, o Grupo de Imunofarmacologia – que abriga o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) em Dengue – tem estudado esse processo de resolução e descreveu, de forma inédita, o papel de moléculas, como a Anexina A1, na resposta inflamatória. Parte do grupo trabalha no contexto de doenças articulares, pulmonares e do trato gastrointestinal. Outra parte tenta descobrir o quanto a resposta inflamatória contribui para a doença dengue.

Mauro Teixeira: fármacos para modificar a resposta inflamatória
Mauro Teixeira: fármacos para modificar a resposta inflamatória Foca Lisboa / UFMG

Vasos permeáveis

De acordo com Mauro Teixeira, a piora dos pacientes de dengue vem depois de uma fase inicial de muito mal-estar, febre e dor, associada com a queda da circulação do vírus e com o aumento da permeabilidade dos vasos sanguíneos. “O dano ao endotélio dos vasos faz o plasma sair dos vasos, causando hipotensão e queda das plaquetas, eventualmente levando à dengue hemorrágica”, explica Teixeira. “Na hora em que a resposta imune começa a controlar o vírus, o risco da permeabilidade vascular aumenta, e é isso que causa a doença grave e pode até matar.”

A hipótese que guia os pesquisadores liderados por Mauro Teixeira é que o processo de resolução estaria alterado – pode haver falta de determinado mediador – ou que a quantidade de mediadores existentes esteja alterada. “Vamos avaliar a quantidade e qualidade de mediadores inflamatórios no plasma e comparar os níveis em indivíduos que tiveram dengue e melhoraram, sem problemas, com o comportamento daqueles que apresentaram alguma complicação. Para isso, usaremos técnicas de avaliação global de expressão de moléculas e analisaremos o plasma sanguíneo”, diz Teixeira.

O pesquisador ressalta que a pesquisa apoiada pela Fapemig e parceiros tem alto grau de ineditismo, porque tanto o estudo da resolução da inflamação na resposta infecciosa (sobretudo na dengue) quanto a abordagem de anti-inflamatórios nas doenças infecciosas são aspectos ainda muito pouco explorados.

Em parceria com o William Harvey Research Institute, da Universidade de Londres, o grupo do ICB descobriu que a Anexina A1 tem papel pró-resolutivo importante. Essas moléculas se juntam a outras, como os mediadores lipídicos (moléculas pequenas, bem- definidas, com estrutura de gordura), no grupo das moléculas capazes de ativamente resolver a inflamação. A intenção é estudar esses mediadores no contexto da infecção pelo vírus da dengue, em pacientes e modelos experimentais (animais de laboratório).

Freio falho

Mauro Teixeira esclarece que a resposta inflamatória é muito intensa na dengue por duas razões, não excludentes: elevada produção de mediadores pró-inflamatórios e falha na produção dos mediadores anti-inflamatórios. “Em dengue, parece que o processo ativo que freia a inflamação é falho”, supõe.

O Grupo de Imunofarmacologia vai medir os mediadores em pacientes com dengue e, mais ou menos em paralelo, investigar, em modelos experimentais, se existe falha nos mediadores anti-inflamatórios e se a introdução de moléculas com essa função auxilia no tratamento. “Usamos dois modelos experimentais, um deles com a inoculação de vírus específico em camundongos normais e outro em que usamos qualquer vírus da dengue em camundongo humanizado. Nesse segundo caso, introduzimos células humanas no animal imunodeficiente, o que faz o vírus se replicar melhor. Esse segundo processo é bem mais caro e trabalhoso.”

Larvas de Aedes aegypti em Tubo Falcon (é uma das fases de desenvolvimento do vetor).
Larvas de Aedes aegypti em Tubo Falcon (é uma das fases de desenvolvimento do vetor). Lucas Braga / UFMG

Os dados preliminares, segundo o professor do ICB, indicam que a resposta anti-inflamatória é, sim, reduzida na dengue. “É preciso entender o perfil dessa diminuição e verificar a possibilidade de repor os mediadores nos pacientes para que eles tenham uma doença menos grave. Assim, será possível desenvolver medicamentos. O alto teor de ineditismo joga contra o desenvolvimento de fármacos, tornando o processo mais longo, porque é preciso demonstrar segurança absoluta”, conclui Mauro Teixeira. Também participam do estudo Danielle Souza, Helton Santiago, Vanessa Pinho e Vivian Costa, do Instituto de Ciências Biológicas, e Lirlandia Sousa, da Faculdade de Farmácia.

Itamar Rigueira Jr.