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Os mediadores da dengue
Grupo do ICB inicia pesquisas que poderão resultar em tratamentos para a fase mais aguda da doença
Projeto do Grupo de Imunofarmacologia, coordenado pelo professor Mauro Teixeira, do ICB, receberá financiamento para pesquisas com a finalidade de desenvolver medicamentos contra a fase mais aguda da dengue. O projeto Tratando o hospedeiro em dengue: mediadores e vias de resolução com um novo paradigma terapêutico está entre os quatro selecionados por chamada da Fapemig, do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) e do Medical Research Council (MRC), do Reino Unido, com o tema Doenças infecciosas negligenciadas. O aporte será de R$ 850 mil, em três anos.
Há cerca de uma década, estudos com forte contribuição do grupo do ICB têm consolidado o conceito de que a resolução da resposta inflamatória para diversas doenças se dá de forma muito ativa até que os sintomas desapareçam. Depois da dor e da inflamação, vem a melhora. “Essa melhora, que chamamos de resolução, é, na verdade, um processo muito ativo. Não é apenas a ausência dos mediadores pró-inflamatórios que resolve. Há moléculas com papel anti-inflamatório que influem decisivamente”, explica Mauro Teixeira.
Ele salienta que doença é diferente de infecção. Das pessoas infectadas por vírus, algumas desenvolvem a doença, e parte destas, a forma grave. “Nosso interesse é saber por que as pessoas adoecem e se é possível tratá-las com fármacos que modificam a resposta inflamatória”, afirma o pesquisador.
Nos últimos anos, o Grupo de Imunofarmacologia – que abriga o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) em Dengue – tem estudado esse processo de resolução e descreveu, de forma inédita, o papel de moléculas, como a Anexina A1, na resposta inflamatória. Parte do grupo trabalha no contexto de doenças articulares, pulmonares e do trato gastrointestinal. Outra parte tenta descobrir o quanto a resposta inflamatória contribui para a doença dengue.
Vasos permeáveis
De acordo com Mauro Teixeira, a piora dos pacientes de dengue vem depois de uma fase inicial de muito mal-estar, febre e dor, associada com a queda da circulação do vírus e com o aumento da permeabilidade dos vasos sanguíneos. “O dano ao endotélio dos vasos faz o plasma sair dos vasos, causando hipotensão e queda das plaquetas, eventualmente levando à dengue hemorrágica”, explica Teixeira. “Na hora em que a resposta imune começa a controlar o vírus, o risco da permeabilidade vascular aumenta, e é isso que causa a doença grave e pode até matar.”
A hipótese que guia os pesquisadores liderados por Mauro Teixeira é que o processo de resolução estaria alterado – pode haver falta de determinado mediador – ou que a quantidade de mediadores existentes esteja alterada. “Vamos avaliar a quantidade e qualidade de mediadores inflamatórios no plasma e comparar os níveis em indivíduos que tiveram dengue e melhoraram, sem problemas, com o comportamento daqueles que apresentaram alguma complicação. Para isso, usaremos técnicas de avaliação global de expressão de moléculas e analisaremos o plasma sanguíneo”, diz Teixeira.
O pesquisador ressalta que a pesquisa apoiada pela Fapemig e parceiros tem alto grau de ineditismo, porque tanto o estudo da resolução da inflamação na resposta infecciosa (sobretudo na dengue) quanto a abordagem de anti-inflamatórios nas doenças infecciosas são aspectos ainda muito pouco explorados.
Em parceria com o William Harvey Research Institute, da Universidade de Londres, o grupo do ICB descobriu que a Anexina A1 tem papel pró-resolutivo importante. Essas moléculas se juntam a outras, como os mediadores lipídicos (moléculas pequenas, bem- definidas, com estrutura de gordura), no grupo das moléculas capazes de ativamente resolver a inflamação. A intenção é estudar esses mediadores no contexto da infecção pelo vírus da dengue, em pacientes e modelos experimentais (animais de laboratório).
Freio falho
Mauro Teixeira esclarece que a resposta inflamatória é muito intensa na dengue por duas razões, não excludentes: elevada produção de mediadores pró-inflamatórios e falha na produção dos mediadores anti-inflamatórios. “Em dengue, parece que o processo ativo que freia a inflamação é falho”, supõe.
O Grupo de Imunofarmacologia vai medir os mediadores em pacientes com dengue e, mais ou menos em paralelo, investigar, em modelos experimentais, se existe falha nos mediadores anti-inflamatórios e se a introdução de moléculas com essa função auxilia no tratamento. “Usamos dois modelos experimentais, um deles com a inoculação de vírus específico em camundongos normais e outro em que usamos qualquer vírus da dengue em camundongo humanizado. Nesse segundo caso, introduzimos células humanas no animal imunodeficiente, o que faz o vírus se replicar melhor. Esse segundo processo é bem mais caro e trabalhoso.”
Os dados preliminares, segundo o professor do ICB, indicam que a resposta anti-inflamatória é, sim, reduzida na dengue. “É preciso entender o perfil dessa diminuição e verificar a possibilidade de repor os mediadores nos pacientes para que eles tenham uma doença menos grave. Assim, será possível desenvolver medicamentos. O alto teor de ineditismo joga contra o desenvolvimento de fármacos, tornando o processo mais longo, porque é preciso demonstrar segurança absoluta”, conclui Mauro Teixeira. Também participam do estudo Danielle Souza, Helton Santiago, Vanessa Pinho e Vivian Costa, do Instituto de Ciências Biológicas, e Lirlandia Sousa, da Faculdade de Farmácia.