Poder para elas
Projeto de extensão do ICA otimiza trabalho desenvolvido por mulheres de grupos agroextrativistas no Norte de Minas
O número de mulheres responsáveis por atividades agropecuárias na América Latina e Caribe cresceu nos últimos anos, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Nessa região, há 58 milhões de mulheres vivendo nas zonas rurais. No Brasil, 13% dos agricultores são mulheres, e muitas delas vivem em situação de desigualdade política e social.
No Norte de Minas Gerais, é comum encontrar mulheres que desempenham atividades agrícolas, incluindo manejo, colheita e comercialização dos produtos. Essa é a realidade das agricultoras familiares de Água Boa 2, uma das 96 comunidades rurais do município de Rio Pardo de Minas, que fica a pouco mais de 180 quilômetros de Montes Claros.
Com o objetivo de estimular o empoderamento feminino na região, o Instituto de Ciências Agrárias (ICA) da UFMG desenvolve o projeto de extensão Gênero e Geração de Renda em Comunidades Rurais e Urbanas do Norte de Minas. Coordenado pela professora Ana Paula Gomes de Melo, o projeto conta com equipe interdisciplinar e atende cerca de 150 mulheres – participantes de cooperativas, associações e grupos produtivos da região. Por meio do trabalho coletivo, as agricultoras beneficiam os frutos e produzem polpas, doces, sorvetes, óleos e farinhas, mas encontram dificuldades de comercialização e precisam inovar e experimentar outras possibilidades de produtos e mercados.
A comunidade de Água Boa 2 tem a identidade dos geraizeiros – populações tradicionais que vivem nos cerrados do Norte de Minas –, que cultivam mandioca, feijão, batata doce e frutos nativos da região, como manga, goiaba e pequi. Os geraizeiros conservam áreas naturais e praticam o agroextrativismo sustentável, ou seja, aquele baseado em um sistema de regulação local que considera épocas, quantidades e métodos sustentáveis de coleta de recursos naturais.
“Buscamos otimizar a geração de renda das trabalhadoras rurais já integrantes de grupos e cooperativas por meio de ações de diagnóstico, capacitação e apoio a seus projetos pessoais, além do estímulo à formação de coletivos essencialmente de mulheres”, explica Ana Paula Melo.
O projeto promove oficinas e debates que abordam boas práticas de fabricação e manipulação de alimentos e beneficiamento dos frutos, para garantir a integridade do produto final, com atenção especial a embalagens, rótulos, equipamentos e à boa higiene dos manipuladores e dos locais de processamento dos frutos e dos condimentos. Outra ação desenvolvida pelo grupo foi a elaboração do calendário sazonal, que mostrou quais frutos podem ser coletados e beneficiados em cada época do ano, o que possibilitou organizar melhor as tarefas. As agricultoras também tiveram a orientação de doceiras profissionais e da equipe interdisciplinar do projeto de extensão e desenvolveram técnicas diversas, tais como a produção de doces pastosos, geleias, doce em barra, conservas e licores.
Há, entretanto, alguns desafios, segundo a coordenadora. “Um deles é fortalecer a voz das agricultoras para que os gestores públicos desenvolvam políticas de apoio produtivo e de proteção social que atendam às necessidades da mulher produtora rural”, ressalta Ana Paula Melo.
Independência e autoestima
Um dos grupos parceiros é a Cooperativa de Agricultores Familiares Agroextrativistas de Água Boa 2 (Coopaab). “Depois que este trabalho começou a ser realizado aqui, temos muito mais conhecimento, sabemos como obter renda, algo que traz independência e ainda influencia na autoestima”, afirma Maria Lúcia de Oliveira, presidente da cooperativa.
“Depois que este trabalho começou a ser realizado aqui, temos muito mais conhecimento, sabemos como obter renda, algo que traz independência e ainda influencia na autoestima”
A agricultora destaca também a união entre as mulheres e a valorização dos recursos da comunidade. “As ações de formação e as trocas de conhecimento também incentivaram a luta feminina pela criação de uma reserva de desenvolvimento sustentável, que, além de proteger cerca de 40 mil hectares de Cerrado, ainda vai possibilitar o seu uso sustentável, gerando renda e estimulando a economia popular solidária”, diz Maria Lúcia.
Outra conquista comemorada pelo grupo é a aprovação pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) de um projeto paralelo de extensão para criar uma incubadora tecnológica de cooperativas populares no Instituto de Ciências Agrárias. Com valor total aprovado de pouco mais de R$ 67 mil, o projeto vai dimensionar características e perfis de experiências rurais de economia solidária, desenvolver metodologias inovadoras de incubação e oferecer capacitações, conforme as demandas identificadas. “Faremos a capacitação e o monitoramento dos grupos, mensurando inclusive os que dão maior impacto econômico", afirma Ana Paula Melo.
A professora chama a atenção para outra vertente do projeto de extensão, que favorece um olhar mais sensível às questões de gênero e do direito das mulheres por parte dos bolsistas e voluntários. “Em parceria com outras organizações do Norte de Minas, eles trabalham em diversas ações como campanhas de combate à violência contra as mulheres, e, por meio do contato com essa realidade, percebem as dificuldades que elas enfrentam e aprendem a trabalhar de forma mais sensível com esse público", conta Ana Paula, acrescentando que o projeto de extensão, iniciado em 2012, procura construir indicadores adequados para mensuração do trabalho realizado pelas mulheres da área rural.
*Jornalista e **bolsista da Pró-reitoria de Extensão