Uma nova graduação

Retrato de uma endemia

Coordenado por pesquisadores da UFMG, levantamento pretende demonstrar maior eficiência de novo método de diagnóstico da esquistossomose

Com o objetivo de mapear de forma mais precisa a prevalência da esquistossomose no Brasil, um grupo de pesquisadores vai aplicar e comparar a eficiência de dois métodos de diagnóstico da doença em mais de 10 mil crianças de escolas públicas do Norte de Minas Gerais e do Nordeste do país. O projeto Otimização de estratégias de diagnóstico e controle da esquistossomose em áreas de baixa e moderada endemicidade no Brasil, liderado pelo professor Ricardo Toshio Fujiwara, do Departamento de Parasitologia do ICB, pretende comprovar que um novo método, desenvolvido na Holanda e largamente usado na África, pode substituir com vantagens a técnica adotada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

O grupo, formado por pesquisadores da UFMG, das universidades federais de Lavras e de Sergipe e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vai investigar o melhor método para o diagnóstico da esquistossomose. Os pesquisadores aplicarão dois testes de diagnóstico da doença: o Kato-Katz e o POC-CCA. O método-padrão, recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), é o Kato-Katz, desenvolvido em 1972 pelo ex-professor da UFMG Naftale Katz, atualmente pesquisador da Fiocruz Minas. A técnica identifica a presença de ovos do parasito por meio da análise das fezes do paciente. O outro processo que será testado pelos pesquisadores, o POC-CCA, foi desenvolvido na Holanda e detecta a presença de antígenos circulantes do parasito na urina. 

Esse método funciona como o teste de farmácia para gravidez. Com algumas gotas de urina aplicadas no material do teste, já sabemos se a pessoa possui o parasito ou não

“O método Kato-Katz baseia-se na visualização do ovo nas fezes, por meio de microscópio. O teste, apesar de sua ampla utilização nas últimas décadas, apresenta importantes limitações para o diagnóstico da doença em áreas com baixa e moderada transmissão, uma vez que a quantidade de ovos do parasito liberado nas fezes das pessoas infectadas é muito baixa. O paciente pode ter a doença, mas o microscopista nem sempre consegue enxergar o ovo nas fezes”, explica Ricardo Fujiwara. O POC-CCA, por sua vez, propicia um diagnóstico mais rápido e simples. “Esse método funciona como o teste de farmácia para gravidez. Com algumas gotas de urina aplicadas no material do teste, já sabemos se a pessoa possui o parasito ou não”, acrescenta o pesquisador Pedro Henrique Gazzinelli, subcoordenador do projeto e pós-doutorando no Departamento de ­Parasitologia do ICB.

Como acredita que muitos casos de esquistossomose no Brasil não são diagnosticados pelo exame de fezes, o grupo aposta que a aplicação do POC-CCA vai revelar com mais fidelidade a presença da doença, pois o exame é o mais indicado para diagnosticá-la em países de endemia baixa ou moderada. “Os perfis da doença na África e no Brasil são distintos. A última pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde demonstrou que aproximadamente 1% da população brasileira tem esquistossomose, mas acreditamos que o número de pessoas com o parasito é maior. Na África, como a endemia é alta, uma lâmina com fezes contém muitos ovos, pois todos os indivíduos sempre têm alta carga parasitária. No Brasil e em países de endemia moderada ou baixa, as lâminas podem ter apenas um ovo, ou às vezes, são necessárias várias lâminas para se encontrar apenas um ovo, o que acaba dificultando o trabalho do microscopista”, diz Gazzinelli. 

Fujiwara e Gazzinelli: identificação de antígenos na urina
Fujiwara e Gazzinelli: identificação de antígenos na urina Foca Lisboa / UFMG

O estudo deve durar três anos. Em janeiro de 2017, as equipes de pesquisadores viajam para aplicar os testes. O projeto é financiado pelo Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), em parceria com o Medical Research Council (MRC) da Inglaterra,  com recursos do Fundo Newton.

Vantagens

Além de traçar um mapa da esquistossomose no Norte de Minas e no Nordeste brasileiro, os pesquisadores querem, por meio da aplicação e comparação dos dois exames, mostrar as vantagens do teste de urina sobre o de fezes. Pedro Henrique

Fujiwara e Gazzinelli: identificação de antígenos na urina
Fujiwara e Gazzinelli: identificação de antígenos na urina Foca Lisboa / UFMG

Gazzinelli explica como o POC-CCA funciona: “O parasito da esquistossomose se aloja nos vasos mesentéricos que irrigam e drenam o intestino do doente. Lá, o microrganismo secreta antígenos que circulam pelo sangue da pessoa infectada. Parte desses antígenos vão para a urina e podem, então, ser detectados pelo exame. Os antígenos só aparecem na urina de quem está com a doença, o que torna o teste mais eficiente para diagnosticar infecções ativas”.

O kit para o exame POC-CCA é produzido na África do Sul. Prático e de fácil utilização, é bastante disseminado no continente africano. “É muito mais fácil coletar a urina de três mil pessoas do que examinar três mil amostras de fezes”, diz Pedro Gazzinelli. Segundo o pesquisador, o objetivo é que a comparação dos dois métodos, feita com base no estudo brasileiro, ofereça à OMS mais elementos para adotar o POC-CCA como teste-padrão. “Vários países africanos já mapeiam sua população com o teste novo, e grande parte da comunidade científica defende o seu uso. Hoje, a aplicação do POC-CCA custa aproximadamente três dólares por paciente, e esse ainda é um valor elevado. Se for licenciado e indicado pela OMS, o custo vai baratear e, dessa forma, mais países poderão utilizá-lo”, projeta Pedro Henrique Gazzinelli. 

A esquistossomose está presente em mais de 50 países, com maior incidência na África. No Brasil, a doença alcança 19 estados e é endêmica em Alagoas, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe, Espírito Santo e Minas Gerais. 

Luana Macieira