Onde a cidade termina

Nas bordas da cidade

Tese premiada encontra ‘confluência de problemas’ nas chamadas habitações de interesse social na periferia de BH

Conjunto Granja de Freitas  II,  na Zona Leste, quase na divisa com Sabará
Conjunto Granja de Freitas II, na Zona Leste, quase na divisa com Sabará Acervo André Prado

Onde fica o fim da cidade? Nas bordas, próximo aos limites com os municípios vizinhos. Lá onde “a cidade acaba”, como dizem os moradores da periferia. É também o “fim da linha”, o ponto final do ônibus que vem do Centro. E mais que isso: é lugar de produção e reprodução da força de trabalho, aonde as pessoas chegam à noite para desabar de cansaço e sair pouco depois, muitas vezes antes de amanhecer. Enfim, é onde a cidade não cumpre sua finalidade de propiciar convivência. Onde ela não é lugar de destinos compartilhados, da experiência política e civilizatória da polis grega e da urbe romana, na visão do professor André Luiz Prado, da Escola de Arquitetura.

A expressão “fim da cidade” está no título do trabalho de doutorado de Prado, que mereceu menção honrosa no Grande Prêmio UFMG de Teses de 2015, entregue recentemente, e que já havia recebido reconhecimento similar da Capes. André Luiz Prado mergulhou na realidade dos conjuntos habitacionais localizados nos limites de Belo Horizonte. Uma de suas motivações foi o Programa Minha Casa Minha Vida, que reeditou forte movimento de construção de habitações de interesse social nos anos 1960 e 70.

“Investiguei conjuntos privados e públicos, antigos e recentes. Hoje é pior, porque tudo está na mão da iniciativa privada. Há 40 anos, havia maior controle dos governos locais. Em comum, esses conjuntos estão localizados em áreas menos densas, com infraestrutura urbana rarefeita, precária”, afirma André Prado.

O pesquisador destaca que os prédios têm a população de pequenas cidades, e sua degradação parece inexorável alguns anos depois de prontos e ocupados. “O cenário é de deterioração socioambiental –  o oposto do que foi planejado. São guetos, que apresentam confluência de problemas como violência e poluição. E os problemas não são circunstanciais, que dependem de localização ou idade dos prédios. São estruturais”, enfatiza. 

Injustiça socioespacial

A abordagem teórica de André Luiz Prado é apoiada em três eixos. Os conceitos da Escola de Frankfurt ajudaram a pensar a produção habitacional com base em uma visão crítica da sociedade e do capitalismo. Outra ideia fundamental é a de injustiça socioespacial, discutida por autores como Edward Soja e Henry Lefebvre, segundo a qual estão reservadas aos pobres as piores condições de infraestrutura urbana. O último eixo está no que o autor denomina de “efeitos mútuos”. De acordo com Prado, há uma relação dialética entre população e ambiente. “Como geralmente os conjuntos estão próximos de áreas de preservação e áreas não urbanizadas em geral, há efeitos negativos recíprocos, como ação de ladrões seguida de fuga para a mata e incêndios na vegetação que geram males respiratórios para os moradores.”

A pesquisa de campo durou um ano e levou o pesquisador a nove conjuntos habitacionais de Belo Horizonte: ao sul, na região do Barreiro, na borda leste (saída para Sabará), nos limites com Santa Luzia e Ribeirão das Neves, ao norte, e na região do Eldorado, próximo à saída para Contagem. Com a ajuda de agentes comunitários municipais e da Arquidiocese de Belo Horizonte, André Prado organizou assembleias, conversou com membros de associações de moradores e líderes informais. Os conjuntos pesquisados têm, em sua maioria, entre dois e três mil moradores.

“Fiz uma triangulação reunindo dados da prefeitura, que são fartos, as entrevistas e minhas visitas técnicas. Estava mais interessado nas contradições que nas informações convergentes”, explica o pesquisador, acrescentando que, sobre a questão da violência, a percepção dos moradores era sempre mais reveladora. “Mais que estatísticas, eu queria conhecer o risco de violência e o impacto disso na vida das pessoas.” 

Laços sociais quebrados

André Luiz Prado comenta que o modelo de construção de grandes conjuntos verticais nas bordas urbanas interessa aos agentes financeiros – a terra é mais barata, e é possível construir grande número de unidades – e às construtoras, que otimizam processos construtivos. No entanto, é ruim para a cidade e para as pessoas. “Programas como o Minha Casa Minha Vida estão associados à ideia de habitação social, mas têm beneficiado mais as classes médias. Eles cumprem o papel de aquecer a economia, mas levam famílias para longe de suas origens, quebrando laços sociais”, afirma o autor, que terá a tese publicada pela Editora UFMG.

“Programas como o Minha Casa Minha Vida estão associados à ideia de habitação social, mas têm beneficiado mais as classes médias. Eles cumprem o papel de aquecer a economia, mas levam famílias para longe de suas origens, quebrando laços sociais”

Mais adequado, segundo Prado, seria um esforço de reassentar nas próprias vilas, reocupar áreas centrais ociosas e até promover mistura do interesse social com o ambiental, povoando com moderação áreas de natureza sob risco de degradação. “Mas isso tem que ser induzido pelo Estado, porque a iniciativa privada tende a construir com foco no mercado imobiliário”, alerta o pesquisador. Ele ressalta ainda que os conjuntos habitacionais periféricos reforçam a tendência de valorização da dimensão privada, em detrimento do coletivo. “O aluguel social é solução melhor que a concessão de propriedade”, conclui. 


Tese: Ao fim da cidade: conjuntos habitacionais nas bordas urbanas
Autor: André Luiz Prado
Orientadora: Silke Kapp
Programa: Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo

Itamar Rigueira Jr