Violão Mineiro
Tese analisa caráter integrador e ‘conciliatório’ da música instrumental produzida por nomes como Toninho Horta e Juarez Moreira
O violonista e compositor Toninho Horta chegou ao mercado do jazz norte-americano com o LP Diamond land, de 1988. Imagens, textos e linguagem musical desse trabalho enfatizam elementos da identidade regional de Minas Gerais – a faixa-título evoca Diamantina, e arranjo para coro de vozes masculinas, na música Pilar, remete à ideia de música religiosa. Daí surgiram as bases para o desenvolvimento do chamado violão mineiro.
Em pesquisa para o doutorado em Música, Daniel Menezes Lovisi mergulhou no trabalho de dez a doze violonistas-compositores de Belo Horizonte, a partir dos anos 70, no campo da Música Popular Brasileira Instrumental (MPBI). Ao perceber que elementos da cultura colonial mineira funcionavam como fatores legitimadores dessa produção, Daniel interessou-se pelo “discurso das influências”, tudo aquilo que, segundo os próprios músicos, contribuiria para dar feição particular às suas obras.
“A religiosidade e a arquitetura do barroco mineiro aparecem como os principais elementos que enraízam ou vinculam a música desse grupo ao ‘passado oficial’ de Minas"
“A religiosidade e a arquitetura do barroco mineiro aparecem como os principais elementos que enraízam ou vinculam a música desse grupo ao ‘passado oficial’ de Minas, repositório simbólico do que formou a identidade cultural mineira”, explica Daniel Lovisi, cuja investigação extrapolou os aspectos musicais para explorar contextos sociais e históricos, capas de discos, documentários, discursos de músicos e jornalistas.
Quando procurou as bases da mineiridade na música popular para entender como foi utilizada na MPBI, o pesquisador chegou à canção de Milton Nascimento, que segundo ele, é “o principal responsável por mobilizar certos aspectos da mineiridade, com destaque para a religiosidade”, conforme Daniel escreveu em sua tese. Essa temática se incorporou à música instrumental por meio dos trabalhos de Wagner Tiso, Nivaldo Ornelas e do próprio Toninho Horta. “A ligação entre esses dois universos reforçou uma percepção de unidade entre os artistas de Minas, que, na condição de forasteiros no eixo Rio-São Paulo, viram-se diante da necessidade de reforçar traços de sua identidade local.”
Simbólico e mercadológico
Daniel Lovisi concentra suas análises nos álbuns Quadros modernos (2001), que juntou Chiquito Braga, Toninho Horta e Juarez Moreira, e Violões do horizonte (1999), além do documentário Violões de Minas (2007), de Geraldo Vianna. “Os discos estreitaram os laços entre os violonistas-compositores da cidade, ao propor um panorama da produção contemporânea local”, afirma o pesquisador. O filme, por sua vez, “arremata” os processos iniciados com os álbuns.
De acordo com Lovisi, a ideia de uma escola mineira de violão cumpre não só função simbólica, mas também mercadológica. A necessidade de se posicionar em um nicho de mercado mediado por novos canais, como a internet, concorreu para que os violonistas construíssem “uma rede de filiações estéticas e se mantivessem ligados a aspectos da identidade mineira que distinguissem seus trabalhos”.
O pesquisador comenta que a harmonia é encarada pelos violonistas como elemento vital, que destaca um estilo e marca diferença em relação a outros instrumentistas. “Justamente por serem violonistas-compositores, Chiquito Braga, Toninho Horta e Juarez Moreira desenvolvem produções diretamente vinculadas às características do instrumento, experimentando e criando técnica que expande a tradicional.” Ele ressalta que Gilvan de Oliveira, personagem do mesmo cenário, manifesta outra faceta do violão mineiro, valorizando aspectos como o virtuosismo e a música caipira.
“O fato de projetos esteticamente diferentes assumirem a mesma bandeira do violão mineiro mostra que a visão de Minas Gerais como cultura integradora é fortemente absorvida pelos músicos”, escreve Lovisi. “O caráter de ‘conciliação’ das características individuais dentro de uma ideia de comunidade é o aspecto proeminente da identidade de Minas entre os violonistas-compositores da MPBI de Belo Horizonte”, conclui o pesquisador.
Tese: A construção do “violão mineiro”: singularidade, estilos e identidades regionais na música popular instrumental de Belo Horizonte
Autor: Daniel Menezes Lovisi
Orientador: Flavio Barbeitas
Defesa em 6 de março, no Programa de Pós-graduação em Música