Comunicação e poder organizacional
As organizações costumam ser vistas, numa ótica instrumental, como agregados de pessoas unidas e submetidas a regras, a uma hierarquia e a formas de controle e disciplina para a realização de objetivos em comum. Por isso, são associadas diretamente ao trabalho, ou seja, numa perspectiva interna, são os lugares por excelência onde, na atualidade, o trabalho se realiza. Porém, muito mais do que isso, as formas organizacionais são elementos centrais na vida moderna e também
compõem, para fora delas, todo o universo do consumo no qual estamos imersos. Assim, não é difícil constatar que essa centralidade significa uma influência em praticamente todos os aspectos de nossa existência e que suas decisões e modos de ação incidem direta ou indiretamente, todo o tempo, sobre nós, em nossa individualidade, e também sobre nossas coletividades.
As formas como essa influência se exerce são muito variadas, e seus efeitos nem sempre são evidentes. Visões críticas sobre as práticas e as dinâmicas organizacionais vêm sendo elaboradas com o intuito de compreender a construção desses processos no cotidiano, levando em conta não somente as organizações em si (de qualquer natureza), mas também a complexa teia de relações que elas estabelecem com a sociedade. O que chama a atenção para essa dimensão crítica é a percepção das organizações como um sistema, ou seja, como uma grande rede comunicativa e como uma teia de sociabilidade. Nela se vê um emaranhado de subjetividades que não só cooperam, como também disputam. Uma junção de identidades individuais, mas que se reconhecem numa unidade grupal, diferenças que se associam em algo comum, numa identidade coletiva.
“A questão do poder organizacional, portanto, não se limita às suas faces mais expostas, observáveis na influência econômica e política – principalmente quando analisamos as grandes corporações. Revela-se também, de modo sutil, nas relações micropolíticas, nos modos de fazer (e de existir) entretecidos ordinariamente.”
A percepção desse processo, que envolve a ação humana e, portanto, as interações, está ligada diretamente às formas pelas quais as perspectivas e identidades tornadas comuns (na comunicação) se dão no cotidiano, em vários níveis: desde as relações entre sujeitos particulares até o âmbito mais geral das relações entre grupos, organizações, instituições e no campo social. Também varia desde as formas mais privadas até a dimensão pública dos relacionamentos que sematerializam à vista de todos e que compõem uma rede de comunicação no chamado espaço público. Isso dá à comunicação um caráter de grande relevância, que não é apenas recurso estratégico, mas uma propriedade constitutiva tanto dos sujeitos quanto das organizações, em relação dinâmica com a linguagem.
Os estudos da linguagem, principalmente sob o viés do pragmatismo, foram muito importantes para a emergência dos estudos críticos no campo organizacional e, especialmente, para o florescimento de um campo da comunicação organizacional. É um campo recente, mas que já se insere com vigor em várias partes do mundo nas Ciências da Comunicação. No Brasil, ele tem experimentado, desde o fim do último século, um grande crescimento. Constitui-se como campo de interfaces, que incorpora diversas abordagens. Em nosso país, não se descola da área das Relações Públicas, mas, de forma peculiar, contribui para tensioná-la e reposicioná-la criticamente.
O grande crescimento da área levou à criação, em 2006, da Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e Relações Públicas (Abrapcorp), que reunirá centenas de pesquisadores na UFMG, de 15 a 19 de maio próximos, na décima edição de seu congresso anual. Isso reflete o amadurecimento da produção científica e da formação em comunicação social da universidade no campo da comunicação organizacional. O tema do evento é bem oportuno: trata da Comunicação e poder organizacional: enfrentamentos discursivos, políticos e estratégicos. Pretende-se, com isso, dar densidade a uma discussão sobre as dinâmicas do poder nas e das organizações, nas várias dimensões em que elas se constituem e operam.
Os enfrentamentos são aspecto provocador para essas reflexões. Isso envolve, por exemplo, os embates discursivos pela construção dos sentidos e identidades que ocorre no âmbito das relações de alteridade para dentro e para fora do ente organizacional. Inclui a dimensão estratégica de ação dos sujeitos em organizações, dos atores sociais e de agentes investidos do poder institucional e as possibilidades e os limites da sociedade para fazer frente às suas organizações. A questão do poder organizacional, portanto, não se limita às suas faces mais expostas, observáveis na influência econômica e política – principalmente quando analisamos as grandes corporações. Revela-se também, de modo sutil, nas relações micropolíticas, nos modos de fazer (e de existir) entretecidos ordinariamente. Toda essa combinação traz a possibilidade de explorar os vários meandros do poder à luz dos processos comunicativos. Esses processos são, caracteristicamente, abertos e indeterminados, e uma crítica pode emergir da descoberta e do estranhamento provocados pelos fechamentos e determinações e pelas resistências que são capazes de gerar.
* Professor do Departamento de Comunicação Social da Fafich e coordenador do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Mobilização Social e Opinião Pública – Mobiliza