DNA combate tráfico de aves
Grupo do ICB desenvolve método que identifica a paternidade de espécies ameaçadas de extinção
Um método de identificação de paternidade por meio de sequenciamento genético desenvolvido no Departamento de Biologia Geral do ICB está se transformando em trunfo no combate à captura e venda ilegais de aves silvestres no Brasil. O teste é um dos principais resultados do projeto Biologia forense: desenvolvimento de tecnologia e formação de recursos humanos em genética forense e perícia ambiental, criado há três anos sob a coordenação do professor Evanguedes Kalapothakis. “Como o exame consegue identificar os pais de um filhote de pássaro, é possível descobrir se ele nasceu no criadouro legalizado ou se foi capturado ilegalmente na natureza. Quando os pais do filhote são do criatório onde ele nasceu, constata-se que tudo foi feito dentro da lei”, explica.
O projeto, financiado pela Capes, nasceu de demanda apresentada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). De acordo com o órgão, as aves representam 80% dos animais silvestres que formam esse mercado clandestino no Brasil. O trinca-ferro, o papagaio e o sofrê estão entre as espécies mais visadas por grupos criminosos.
Segundo o professor, para coibir o tráfico de espécies, principalmente daquelas ameaçadas de extinção, os criatórios legalizados são cadastrados no Ibama. Neles, todos os filhotes que nascem ganham uma identificação especial, que favorece o controle e a venda das espécies. O crime se configura quando donos de criatórios capturam os pássaros na natureza e implantam neles as anilhas de identificação, como se o animal tivesse nascido naquele local. Esses animais capturados ilegalmente são, então, comercializados no mercado.
“O Ibama nos encomendou o método de diagnóstico da paternidade com o intuito de realizar um trabalho de perícia nos criatórios. Em 2015, desenvolvemos o método e realizamos os exames com espécies de papagaio de um criatório de Belo Horizonte e constatamos que 100% das aves daquele local haviam sido capturadas na natureza e não reproduzidas legalmente em cativeiro”, relata o professor Evanguedes.
Sequenciamento
O método consiste na coleta das amostras de DNA das aves, que são colocadas em um aparelho de última geração chamado Miseq, capaz de realizar o sequenciamento genético de 384 amostras biológicas de uma vez. Em seguida, o equipamento fornece uma pré-análise computacional dos sequenciamentos gerados. O professor Evanguedes explica que o exame é feito por meio da análise de DNA, a exemplo do que ocorre nos testes de paternidade realizados em humanos. A tecnologia revela o pai e a mãe do filhote, correlacionando o material genético dos animais. Cabe aos pesquisadores, além da programação do aparelho, que varia de acordo com a espécie de pássaro que terá a paternidade investigada, a análise posterior dos relatórios fornecidos pelo equipamento, utilizando programas de bioinformática.
“Inicialmente, criamos o método para o papagaio. Agora estamos desenvolvendo exames de paternidade em pássaros das espécies trinca-ferro e sofrê. O método é muito viável economicamente, pois cada amostra analisada custaria entre R$ 30 e R$ 50. Levando em conta que há pássaros capturados ilegalmente e comercializados por mais de R$ 5 mil, percebe-se que os exames podem contribuir para a diminuição desse tipo de crime”, afirma Evanguedes.
Além da realização dos testes de paternidade nas aves escolhidas pelo Ibama, o método também visa à formação de recursos humanos na área de genética forense. “O projeto surgiu de um encontro de membros da academia brasileira de ciências forenses e da Capes, que pretendia impulsionar a tecnologia brasileira nesse campo. Estamos desenvolvendo uma nova tecnologia e habilitando pessoas a realizar as análises”, conta o professor.
Natureza X cativeiro
Segundo Evanguedes Kalapothakis, os testes de paternidade em animais também vão beneficiar os criadores que obedecem à legislação. “No Brasil, há uma demanda para a compra de aves que não pode ser ignorada. É claro que, para o pássaro, é melhor viver livre na natureza. Mas, a partir do momento em que há pessoas capturando e comercializando aves de forma ilegal, é necessário que sejam adotados métodos para punir essa prática”, defende.
O professor acrescenta que o projeto também valoriza quem cria e vende pássaros de forma legal. “Esse projeto preserva as pessoas que trabalham corretamente. Ele legaliza os criadores, que passam a vender os animais por preço justo, sem a necessidade de competir com quem está capturando os pássaros na natureza”, conclui.