Valor intrínseco
Reunidos na UFMG, reitores discutem necessidade de reforçar a autonomia, fundamental para a existência das universidades
A defesa da autonomia universitária marcou o debate promovido na semana passada, no campus Pampulha, pela Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Reitores e ex-reitores trataram o tema sob o viés histórico, filosófico e da gestão cotidiana.
O reitor da Universidade Federal do Pará e presidente da Andifes, Emmanuel Tourinho, destacou, na abertura do seminário, que a UFMG valorizou esse princípio ao reagir com altivez diante do episódio da condução coercitiva de seus dirigentes pela Polícia Federal, por supostas irregularidades relacionadas ao Memorial da Anistia. “O ocorrido na UFMG é uma forma de desagravo”, disse Tourinho.
A reitora Sandra Goulart Almeida agradeceu à Andifes e aos reitores pela solidariedade prestada à UFMG. “Temos defendido os valores democráticos e o Estado de Direito, e hoje recebemos a Andifes para discutir uma temática que nos é muito cara: a autonomia universitária e a liberdade acadêmica”, afirmou.
‘Lócus de interferência’
“Autonomia e universidade não existem uma sem a outra”, afirmou, para iniciar sua exposição, a professora Angela Maria Paiva Cruz, reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Ela lembrou que a luta pela autonomia é milenar e que as universidades, dedicadas por natureza ao livre pensar, são por isso mesmo o “lócus de interferência por parte dos governos, mesmo nas democracias”.
De acordo Angela Cruz, as universidades brasileiras têm sofrido restrições como a impossibilidade de gerir suas folhas de pagamento, de fazer o controle interno e de se defenderem legalmente, já que a Procuradoria Jurídica passou a ser subordinada à Advocacia Geral da União. “A solução é transformar as universidades federais em um novo ente jurídico, já que elas são diferentes em sua complexidade e nos desafios que enfrentam”, afirmou.
Após revisitar brevemente a evolução da universidade no mundo e no Brasil, Clélio Campolina, reitor da UFMG na gestão 2010-2014, ressaltou que as universidades federais são parte do Estado nacional – não devem ser subordinadas, mas não são absolutamente autônomas. “Vivemos momentos mais fáceis e outros mais difíceis, como o atual. As instituições têm relativa estabilidade, mas podem ser prejudicadas se persistir uma situação desfavorável”, afirmou Campolina.
Ao criticar os cortes orçamentários lineares em educação e em ciência, tecnologia e inovação, Campolina ressaltou que investimentos geram recursos para seu próprio financiamento. “As universidades precisam de autonomia de gestão para fazer o que é possível, guiada sempre pelo ideal de projeto de nação.”
Clélio Campolina defendeu maior liberdade para que os professores se dediquem à prática profissional, como forma de aumentar sua capacidade de ensinar, e incentivo à titulação dos servidores técnico-administrativos de forma a atender às necessidades da instituição. Para ele, não é o caso de as universidades entregarem seus laboratórios, mas é fundamental “construir pontes com o setor produtivo.”
Protagonistas, todos
Produzir conhecimento implica crítica ao estabelecido, e isso tem dimensão política. E como a produção de conhecimento só se faz com radicalidade em ambiente de liberdade, a universidade precisa de autonomia. A tese foi defendida pelo reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher, que acrescentou a necessidade de proteção constitucional e garantias, como a estabilidade dos professores.
Ele mencionou princípios que guiaram a criação da Universidade de Berlim e defendeu que a convivência com a produção de conhecimento se dê de forma ativa e que todos os integrantes da comunidade universitária sejam protagonistas. “A universidade é o lugar da unidade do diverso. Ou seja, deve se assegurar a diversidade teórica, epistemológica, mas em um ethos acadêmico que possibilite o pleno desenvolvimento da ciência, da cultura e da arte”, afirmou Leher.
Última expositora do seminário, Wrana Panizzi, ex-reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, comentou que a autonomia universitária é um assunto recorrente, mas que “é preciso mesmo sempre voltar a ele, porque essa autonomia tem de ser construída permanentemente”. Destacou que se trata de valor intrínseco, mais que parte do arcabouço para determinar atuação das universidades. Para ela, a autonomia, no Brasil, é como uma moeda, que ora tem lastro, ora não tem – varia dependendo do que se considera importante em momentos distintos. Para se autogovernarem, salientou Wrana Panizzi, as universidades devem lutar contra obstáculos representados por diferentes políticas e críticas da sociedade e de organismos públicos e privados.
“Para fortalecer nossa autonomia, devemos olhar para dentro e pensar que universidade queremos e como vamos exercer nosso papel singular no conjunto da administração. As questões devem ser levadas para o interior das nossas instituições. As mudanças serão feitas de dentro para fora”, afirmou a ex-reitora da UFRGS.