Resistência cotidiana

Esperança ativa

UFMG realiza 6ª Semana de Saúde Mental e Inclusão Social com foco na construção de um futuro mais saudável para a sua comunidade, em resistência à conjuntura opressiva do país e do mundo

“Hoje você é quem manda, falou, tá falado, não tem discussão, não. A minha gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão, viu.” Ainda que a letra de Apesar de você tenha foco na ditadura civil-militar imposta ao Brasil na segunda metade do século 20, alguns trechos dessa canção de Chico Buarque parecem propícios para convidar à reflexão sobre os sentimentos que experimentam as pessoas da comunidade acadêmica que são vítimas de sofrimento mental. Para elas, a depressão e as demais formas de transtorno psíquico são muitas vezes comparáveis às forças repressivas que subjugaram o país nas décadas de 60, 70 e 80 – forças contra as quais um indivíduo, sozinho, sente-se simplesmente incapaz de lutar.

De 14 a 18 de maio, a UFMG realiza a sua 6ª Semana de Saúde Mental e Inclusão Social com o mote Esperança resistente: amanhã vai ser outro dia, em referência à canção de Chico. A ideia é sensibilizar a comunidade acadêmica para o tema, debater saídas e fomentar discussões sobre como a realidade sociopolítica contemporânea influi na saúde mental dos membros da comunidade da UFMG, instituição que tem sofrido as consequências de uma política, não raro, adversa à sua “saúde”. De igual modo, planeja-se discutir formas de aprimorar a aplicação da Política de Saúde Mental da UFMG face às especificidades do atual contexto. “O sofrimento mental faz parte da história humana, mas a atual conjuntura parece estar levando as pessoas mais intensamente ao sofrimento, gerando mais ocorrências. Precisamos compreender essa conjuntura com mais profundidade”, afirma a professora Claudia Mayorga, pró-reitora de Extensão.

Teresa Kurimoto, professora da Escola de Enfermagem e coordenadora geral do evento, concorda: “Seja no contexto universitário, seja no contexto amplo do país e do mundo, vivemos tempos difíceis e de muita complexidade. São tempos que exigem de nós não apenas esperança, mas uma esperança marcada pela postura de resistência – uma esperança ativa. A ideia implícita nessa temática é a de que a luta pela saúde mental é diária, uma resistência cotidiana”, explica. “Esse amanhã a que se refere o tema fala não começa no futuro, mas no presente, no agora. A gente precisa mobilizar esforços para resistir e lutar para que as mudanças ocorram e para que o retrocesso não vingue. Temos de enfrentar essa luta na esperança de que as coisas vão melhorar”, convoca.

Mercado da loucura
A abertura do evento será realizada no campus Montes Claros com palestra sobre o retrocesso promovido pelo poder público no campo da saúde mental no Brasil. As atividades vão trazer à discussão a resolução aprovada pelo Ministério da Saúde em dezembro de 2017 (nº 32, de sua Comissão Intergestores Tripartite), que estabeleceu mudanças na política de saúde mental brasileira. Na prática, essas alterações puseram em risco o legado da reforma psiquiátrica realizada no início do século e abriram espaço para o retorno do chamado “mercado da loucura”, no interesse da iniciativa privada e em prejuízo da assistência humanizada. “Passamos mais de 30 anos construindo uma reforma psiquiátrica com foco na cidadania, na desinstitucionalização, no protagonismo de quem sofre, na não internação. De repente, vivenciamos um cenário de grandes retrocessos”, lamenta Teresa Kurimoto.

Claudia Mayorga propõe incluir professores no debate
Claudia Mayorga propõe incluir professores no debate Foca Lisboa/UFMG

Em Belo Horizonte e Montes Claros, o evento contará com rodas de conversa sobre temas como resistência, suicídio e protagonismo do usuário, em ambientes focados na escuta dos estudantes. Também haverá apresentação de pôsteres, reunião com colegiados, oficinas e mesas-redondas. “As atividades têm como meta a consolidação da ideia de uma universidade inclusiva, solidária, acolhedora, que trate os sujeitos como pessoas, e não como números, máquinas”, enfatiza Claudia Mayorga. Nesse quesito, destaca a pró-reitora, um dos pontos de atenção que têm sido destacados pelos alunos é a relação professor-estudante. “Este é, de fato, um aspecto crítico para a saúde mental da comunidade, e é em razão dele que precisamos, mais do que nunca, trazer os professores para esse debate. Ao mesmo tempo, queremos identificar e valorizar as boas práticas, as formas inovadoras e dialógicas de  orientar e dar aulas que têm sido praticadas na academia.”

A pró-reitora destaca que, paralelamente, o desafio atual do combate ao sofrimento mental na Universidade é o de articular as atividades que já são realizadas. “Temos trabalhado a ideia de criar um comitê institucional de saúde mental em parceria com a Rede de Saúde Mental UFMG. Ele ficaria responsável por propor ações de curto, médio e longo prazo, com foco não apenas na mitigação do sofrimento mental, mas na melhoria da qualidade de vida. A ideia é focar não apenas nos problemas já manifestos, mas na prevenção”, adianta a pró-reitora. “Temos a clareza de que o combate ao sofrimento mental é um processo. A mudança institucional e de cultura não é algo que ocorre da noite para o dia. Claro que as pessoas que vivem a questão querem respostas imediatas, então estamos trabalhando para isso. Desde a fundação da Rede de Saúde Mental, vários resultados já surgiram”, sustenta Claudia Mayorga.

Em dado trecho de Apesar de você, Chico Buarque fala sobre o “grito contido” de uma “enorme euforia” e canta sobre a “água nova brotando”, o novo dia que se espera ver raiar. “Inda pago pra ver o jardim florescer”, escreve o músico, fazendo lembrar: tempos de esperança podem e devem ser, também, tempos de resistência e ação. Como o desfecho da programação da Semana de Saúde Mental coincide com o Dia Nacional da Luta Antimanicomial, o encerramento das atividades será marcado pelo já tradicional desfile que ocorre em Belo Horizonte, no dia 18 de maio. Os participantes vão se concentrar na Praça da Liberdade, a partir das 14h. Ônibus levarão os interessados do campus Saúde e do campus Pampulha até o local.

A programação, que ocorre paralelamente nos campi de Belo Horizonte e Montes Claros, pode ser consultada no site do evento.

Fluxograma indica caminhos para se acionar serviços de urgência e emergência na UFMG
Fluxograma indica caminhos para se acionar serviços de urgência e emergência na UFMG Criação Cedecom

Serviços de atenção
A UFMG conta com núcleos de escuta e acolhimento e serviços de psicologia – gratuitos e confidenciais – que oferecem acolhimento e orientação aos estudantes e servidores que enfrentam situações de sofrimento psíquico. Abaixo, os contatos de alguns deles:

Núcleo de Escuta da Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (Prae)
Segundo andar do prédio da Reitoria
(31) 3409-4178 e nucleo@prae.ufmg.br

Divisão de Acompanhamento Funcional (DAF)
Sala 113 do Departamento de Recursos Humanos, na Unidade 3
(31) 3409-3242 e daf@drh.ufmg.br

Serviço de Escuta da Faculdade de Educação
Sala 310 – (31) 3409-5304 e fae-ouvidoria@ufmg.br

Serviço de Escuta da Faculdade de Farmácia
Sala 1019, bloco 2, 1º andar
(31) 3409-6741 e assessoriapedagogica@farmacia.ufmg.br

Serviço de Escuta da Faculdade de Letras
Sala 3025, 3º andar – (31) 3409-6082 e sael@letras.ufmg.br

Serviço de Escuta da Faculdade de Medicina
Sala 059, térreo – (31) 3409-9659 e escutaacademica@medicina.ufmg.br

Escuta Acadêmica do Instituto de Ciências Biológicas (EACAd)
Sala 62, bloco F1/Cegrad, térreo – (31) 3409-2553 e escutaacademica@icb.ufmg.br

Comissão de Apoio ao Estudante da Escola de Enfermagem
Local: Sala 201 – Contato: (31) 3409-8035

Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI)
Local: CAD1, sala 213, campus Pampulha
Contato: (31) 3409-3927 e nai@ufmg.br

A Política de Saúde Mental da UFMG foi estabelecida em 2016, com a aprovação do Relatório ­Conclusivo da Comissão Institucional de Saúde Mental (Cisme) da Universidade. Fruto de mais de um ano de debates, esse documento estabelece iniciativas que devem ser tomadas em respostas às ocorrências de sofrimento mental identificadas na academia. As diretrizes propostas pelo relatório se alinham à Política Nacional de Saúde Mental, de forma que sua abrangência não se restringe ao âmbito da Universidade; ao contrário, alcança o trânsito entre a comunidade universitária e a cidade. Quatro princípios sustentam essa política. Primeiramente, ela parte da ideia de que a Universidade deve ser acolhedora, flexível, acessível, inclusiva e solidária, uma “Universidade para todos”. Em seguida, estabelece que a própria pessoa que enfrenta o sofrimento mental deve ser protagonista na estratégia planejada para se lidar com o problema, em vez de sofrer os ditames impostos por uma estrutura externa a ela.

Em terceiro lugar, a política estabelece e considera como inegociável o princípio de respeito à vida e aos valores éticos da convivência humana. Por fim, pressupõe o seu próprio alinhamento ao conjunto de diretrizes que compõe a Política Nacional de Saúde Mental, alinhamento que pressupõe sintonia com o Sistema Único de Saúde (SUS), com o arcabouço legal que direciona os programas de saúde mental para o tratamento territorial e comunitário em liberdade, com a Política de Atenção à Saúde e Segurança do Trabalho do Servidor Público Federal (Pass) e com a Política de Direitos Humanos da UFMG.

Ewerton Martins Ribeiro