Na rota do plástico verde

Campus saudável e democrático

Local de lazer e esporte tem de ser regra e não exceção para uma comunidade sadia, pregava, há mais de 30 anos, o artista plástico Luciano de Damásio Gusmão, espécie de consultor filosófico e intelectual do planejamento do campus Pampulha, nas décadas de 1970 e 1980. 

Damásio defendia o uso do campus como área de esporte e lazer e sede de práticas artísticas como fundamental para a saúde psicofísica da comunidade universitária e até para a segurança do ambiente, pois o uso intensivo de um território em várias atividades, principalmente no âmbito da sociabilidade, é o que o torna seguro e protegido. Na época, ele via as áreas de esporte da Assufemg e o campo da FaE como ambientes disseminadores dessas práticas. Em sua concepção, a demanda por esporte e lazer não poderia ser atendida apenas pelo Centro Esportivo Universitário (CEU), já que suas dependências, além de insuficientes, eram distantes dos locais onde trabalhava a maior parte da comunidade, e seu uso exigia muitas formalidades.

Em trabalho publicado no ano 2000, a professora Christianne Werneck, da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, registrou que o lazer e o ­esporte no mundo ocidental greco-romano “representavam um privilégio reservado a uma pequena parcela dos homens livres”. Na Idade Média cristã, o lazer passou a ser considerado coisa pecaminosa,”uma vez que as festas, jogos, espetáculos, danças, serões e as comemorações de diferentes naturezas representavam um perigo à purificação da alma”. Com as revoluções industrial e francesa, uma combinação de técnica, ciência e iluminismo estabeleceu nova ordem política e social na Europa, na qual as camadas populares, tão exploradas, começaram a ter acesso ao saber e à educação pública.

No século 18, a sociedade, a economia, a política, a cultura, a educação, o trabalho e o próprio homem são reconfigurados. O lazer passa a ser definido como um “tempo de não trabalho”, um contraponto ao labor produtivo e exaustivo, à prática social capitalista que supervaloriza o trabalho. Desde então, para a maioria dos assalariados, o trabalho não é mais considerado uma virtude. Os encontros de operários em pubs e cafés após o expediente passaram a ser vistos como “atividades perigosas” aos olhos patronais, pois poderiam servir de pretexto para os operários promoverem discussões e mobilizações políticas. Na mesma época, o militante socialista Paul Lafargue, genro de Marx, publicou o manifesto O direito à preguiça, considerado um clássico do movimento operário, que criticava a relação de exploração dos assalariados que sequer tinham o direito de gozar os frutos de seus próprios trabalhos.

A partir das últimas décadas do século 20, a questão do lazer vem ocupando lugar cada vez mais destacado em todo o mundo, sendo objeto de pesquisas, debates e publicações entre grupos interdisciplinares. O lazer está presente tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos quanto na Constituição Federal do Brasil como direito social e parte das políticas públicas do Estado, devendo, portanto, merecer atenção de instituições públicas, incluindo a universidade.

Para serem enfrentados, os tempos absolutamente críticos que vivemos exigem sociabilidades, encontros, cultura e prazeres. Nesse sentido, acreditamos que a UFMG deveria adotar um programa permanente para as seguintes situações e espaços:

Lazer e esporte
• CEU pleno: recuperação da piscina e do campo de futebol, melhoria das quadras e estímulo para que a comunidade universitária volte a frequentar massivamente o local, propiciando sociabilidade e saúde;
• Revitalizar o campo de futebol da Faculdade de Educação, que recebe jovens da redondeza, implicando também a recuperação dos vestiários projetados pelo arquiteto Eduardo Mendes Guimarães Jr., e consolidar toda a área de lazer da ­Assufemg;
• Aumentar a periodicidade do Domingo no Campus e intensificar sua divulgação para a comunidade externa.

Mobilidade
• Trabalhar pela ampliação da oferta de transporte coletivo para o campus e da circulação do ônibus interno, para incentivar esse modal e diminuir a pressão por estacionamentos, evitando, assim, que áreas de potencial uso esportivo sejam a eles destinadas;
• Construir ciclovias e instalar bicicletários nas portarias e nas unidades do campus.

Alimentação
• Estimular a ampliação de feiras de alimentos em diferentes pontos do campus.

Sociabilidade
• Ampliar locais de convívio e sociabilidade nas unidades acadêmicas e em ambientes de aulas, como os Centros de Atividades Didiáticas (CADs). Faltam também ambientes de convivência para os servidores técnico-administrativos em seus locais de trabalho;
• Incentivar a prática de organização de happy hours no fim do expediente com tira-gostos e música. A cantina Pelego’s, da Assufemg, sempre cumpriu, de maneira exitosa, a função de promover convívio, e o restaurante da Praça de Serviços também poderia fazê-lo, oferecendo jantares e abrindo o seu ainda ocioso deque nas noites de calor.

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(Eduardo Fajardo Soares - Arquiteto e urbanista, é servidor técnico-administrativo em Educação da UFMG. Mestre em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela Escola de Arquitetura da UFMG, presidente do Sindicato dos Arquitetos de Minas Gerais e membro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil)