Na rota do plástico verde

Novas formas de comunicar a ciência

UFMG começa a debater a construção de políticas institucionais de divulgação científica

A comunicação pública da ciência, cujo caráter difere da noção iluminista de transmitir conhecimentos de forma unilateral, tem a função e o objetivo de empoderar pessoas, que passam a construir, juntas, o saber. Tal prática está fortemente associada à extensão no formato adotado pelas universidades latino-americanas, afirma o professor Yurij Castelfranchi, diretor de Divulgação Científica da UFMG.

Castelfranchi: conhecimentos cruzados
Castelfranchi: conhecimentos cruzados Júlia Duarte/UFMG

“Essa é a nova divulgação científica, uma forma de extensão que os europeus não tinham e que consideram uma revolução: não se trata apenas de injetar informações, mas de dialogar e fazer algo junto com as comunidades”, observa o pesquisador. O conceito vai permear as discussões do 7° Fórum de Cultura Científica da UFMG, que será realizado nesta segunda-feira, 2, das 18h30 às 21h, no auditório 1 da Faculdade de Ciências Econômicas (Face). 

Aberto ao público, o evento vai debater a construção de políticas institucionais de divulgação científica, em mesa-redonda com a presença do reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, e do presidente da Fapemig, Evaldo Vilela. Como explica Castelfranchi, o evento, que tem ocorrido semestralmente, é a parte mais visível do trabalho do Fórum, que realiza outras reuniões ao longo do ano, com integrantes oriundos de diversas unidades acadêmicas. “Trata-se de um momento de juntar as ideias, focalizar um tema específico e construir um debate propositivo”, pondera. 

Ele destaca a importância do tema desta edição, lembrando que a divulgação científica “foi vista e tratada, durante muitos anos, tanto por nós, acadêmicos, como pelos gestores, como uma atividade meio lateral, quase filantrópica, de democratizar conhecimento para o povo”.

O conceito de divulgação da ciência que começa a ganhar peso tem nova perspectiva e, por isso, deve ser pensado a partir de outra lógica, defende Castelfranchi. Em vez de se perguntar o que as pessoas ignoram, é necessário entender o que elas sabem e o que estão fazendo com o que sabem, com o intuito de aglutinar conhecimentos e adotar práticas participativas para alcançar o que se quer. “É um cruzamento de conhecimentos, para construir uma democracia mais forte. Por isso, os modos de atuar também têm de funcionar diferentemente”, enfatiza.

Revolução paradigmática
A noção de que o Brasil começou tarde na divulgação científica é falsa, afirma Castelfranchi: “Acabamos importando modelos norte-americanos ou europeus, e agora me dou conta, cada vez mais, de que a ideia do atraso é um terrível engano. O que os europeus estão descobrindo, na verdade, é algo que fazemos com outros nomes, há décadas, porque a extensão tem uma potência particular na América Latina”.

Enquanto na Europa as universidades focalizaram, sobretudo, a transferência de conhecimento para a indústria, na América Latina surgiram práticas de participação e diálogo e formas de ensinar que hoje são consideradas como revolução paradigmática. É a chamada ciência cidadã, hoje adotada por instituições e empresas em todo o mundo, que envolvem comunidades até mesmo na produção do conhecimento. Práticas que podem ser incorporadas ao fazer acadêmico, assegura o professor, que é membro do comitê gestor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Comunicação Pública da C&T. “Tenho um colega na Argentina que estuda espécies invasoras, um dos efeitos da globalização. Seria impossível ter 500 bolsistas para ir a todos os lugares, por isso, nada melhor do que envolver os moradores locais. E às vezes descobre-se que as pessoas sabem coisas que os cientistas não sabiam”, relata.

Castelfranchi cita as ideias dos conselhos com participação democrática, cujos exemplos são abundantes no Brasil. “Em certa medida, a pedagogia de Paulo Freire trata disso, do fato de as comunidades participarem e não serem só alvo, público receptor, passivo. É uma coisa que os brasileiros já sabem.” Ele também destaca Chico Mendes, que nas décadas de 1970 e 80 “inventou um modo de conservação ambiental que nenhum biólogo, conservacionista ou ecologista do mundo havia pensado. Um modelo baseado na ideia de que, para salvar as florestas, era importante envolver as pessoas que moram nela”. 

Novos públicos
Outro aspecto fundamental no conceito atualizado de divulgação científica é o surgimento de novos públicos, que dispensam a mediação de divulgadores e jornalistas, como os grupos de pacientes de doenças crônicas. Segundo Castelfranchi, há muitos estudos de casos que mostram que esses grupos montam comunidades on-line para troca de papers de ciência e às vezes produzem dados epidemiológicos, para ter voz nas decisões sobre suas terapias ou até mesmo questionar parte das práticas médicas. Na mesma linha, há os movimentos ambientalistas, que produzem contrarrelatórios de impacto ambiental.

“Na minha área acadêmica, a sociologia da Ciência e Tecnologia, observamos o forte impacto que esses movimentos tiveram na ciência; em alguns casos, eles até contribuíram para repensar metodologias científicas”, diz o professor. Ele explica que a nova divulgação e os novos públicos geram um novo lugar, chamado por alguns de fórum híbrido, no qual a ciência e a sociedade dialogam e todos aprendem. “Por isso, não dá mais para chamar apenas de divulgação. Fazemos isso, mas fazemos mais do que divulgar: fazemos democracia. E usamos outros termos, como cidadania científica ou engajamento social na ciência e tecnologia, que são eventualmente até mais ambíguos, mas que mostram que nossa prática não se limita a transmitir informações".

Versão ampliada e em formato de pergunta e resposta da entrevista com o professor Yurij Castelfranchi foi publicada no Portal UFMG, no último dia 28

Ana Rita Araújo