Dramaturgia do caldo de cana
Trabalho do diretor de teatro Fernando Limoeiro vira tema de dissertação na Escola de Belas Artes
Em Limoeiro, no Agreste pernambucano, nasceu Fernando Antônio de Melo, que se tornaria Fernando Limoeiro ao se mudar ainda jovem para São Paulo para estudar dramaturgia. Carregando na bagagem as vivências artísticas do sertão nordestino, em especial a convivência com os mestres da Zona da Mata de Pernambuco, o “pernamineiro” especializou-se na arte popular e é um dos responsáveis por difundir no Sudeste – especialmente em Minas Gerais – a cultura do mamulengo, base de sua criação original, a dramaturgia do caldo de cana.
Radicado há mais de três décadas em Belo Horizonte, Fernando Limoeiro é professor do Teatro Universitário e diretor da Trupe a Torto e a Direito, que integra o programa de extensão Polos de Cidadania, da Faculdade de Direito da UFMG. Seu trabalho como professor, dramaturgo e difusor da cultura popular marcou a cena teatral mineira e motivou o ator Gabriel Pereira a desenvolver a dissertação Dramaturgia do agora: mamulengo e mobilização social no teatro de Fernando Limoeiro, inspirada no manifesto Dramaturgia do agora, em que o diretor pernambucano descreve sua teoria e prática de um teatro popular, rápido e dialógico.
“A dramaturgia do agora é rápida como um caldo de cana, sintonizado com cada situação trabalhada no Polos de Cidadania. É uma dramaturgia que tem como elemento fundante a dialética, pois a peça continua se modificando a cada apresentação, com base nas discussões geradas nos contextos em que ela é encenada”, explica Pereira, que integrou aTrupe a Torto e a Direito de 2013 a 2016.
O principal instrumento usado por Limoeiro em suas criações é o mamulengo, fantoche típico do teatro de bonecos popular que se espalhou por todo o Nordeste brasileiro e com o qual o dramaturgo teve contato desde a infância, nas festas tradicionais da cidade, em que os mestres bonequeiros da região se apresentavam. “Ele comenta que, desde que os bonecos atravessaram os seus sonhos de menino, nunca mais essa beleza o deixou. E os trabalhos do Fernando trazem sempre o imaginário da infância, a memória, os afetos, as moralidades, os reflexos das primeiras peças que ele encenava ainda na paróquia de Limoeiro”, analisa Gabriel.
Na terra do mamulengo
Provocado por Fernando Limoeiro a vivenciar de dentro a cultura popular nordestina, Gabriel partiu para uma viagem de 120 dias pela Bahia, Pernambuco, Paraíba e Alagoas. Além de conhecer, in loco, várias das referências do dramaturgo, o pesquisador e artista integrou-se ao ambiente cultural de Pernambuco, travando contato com os brincantes, com os folguedos e com os artistas locais. “Na viagem de campo, eu não fui apenas me envolvendo artisticamente, participando ativamente dos grupos e das brincadeiras, como também pude perceber como o ambiente social, econômico, político e cultural favorece ou não a permanência dessas manifestações artísticas em Pernambuco”, conta.
Pereira explica que há diferença entre o mamulengo tradicional, praticado nas comunidades rurais pernambucanas, e a releitura teatral do brinquedo, como a feita pela Trupe a Torto e a Direito: “O mamulengo de tradição é um brinquedo para adultos. Algumas passagens envolvem bebedeira, insultos e morte associados aos públicos historicamente marginalizados. Já o mamulengo moderno, ou folclórico, é adaptado para um contexto didático, aproxima-se mais de uma fábula e busca passar uma mensagem de cunho ideológico para quem está assistindo”, distingue.
Gabriel Pereira reconhece que não foi fácil escolher como objeto de pesquisa um tema com o qual não mantém qualquer distanciamento, mas garante que a jornada valeu a pena. “Eu quis que o santo de casa fizesse milagre, porque foi muito importante para a minha formação o contato que tive com o artista e mestre Fernando Limoeiro. Honrá-lo com uma reflexão crítica compartilhada com a comunidade acadêmica é o mínimo que eu poderia fazer”, conclui o ator.
Dissertação: Dramaturgia do agora: mamulengo e mobilização social no Teatro de Fernando Limoeiro
Autor: Gabriel Couto Pereira
Orientador: Antonio Barreto Hildebrando
Defesa: abril de 2018, no Programa de Pós-graduação em Artes da Escola de Belas Artes