Horizontes menos planos

Os olhos do outro

Com o tema Desaplanando horizontes, Festival de Verão da UFMG terá atividades inspiradas na ideia de alteridade

A diversidade será a tônica da 13ª edição do Festival de Verão da UFMG. As oficinas, palestras e apresentações que compõem a programação têm a proposta de articular cultura, ciência e arte, produzindo conhecimento com base nas vivências múltiplas dos participantes. Com o tema Desaplanando horizontes, o Festival será realizado de 11 a 14 de fevereiro, com quase todas as atividades sediadas no Centro Cultural e no Conservatório UFMG.

O mote Desaplanando horizontes nasceu do livro Desaplanar, neologismo criado pelo quadrinista e professor Nick Sousanis. O termo significa”ver pelos olhos do outro” e remete à pluralidade de pensamentos.

“Desaplanar é deixar as coisas menos planas. Para isso, precisamos enxergar suas nuances, estabelecendo contato com pontos de vista até então encobertos”, explica a professora Denise Araújo Pedron, coordenadora geral do evento. 


Para Denise Pedron, ampliar a percepção e cruzar diversas linhas de raciocínio é fundamental porque “pode nos revelar uma multiplicidade de mundos que trazemos em nós mesmos e que nos permitem elaborar, viver, criar”.

O Festival vai oferecer 13 oficinas, eventos culturais e um ciclo de debates sobre questões que envolvem moradores de rua, refugiados e transexuais. “Conversar abertamente é uma forma de desconstruir preconceitos, promover um diálogo mais humano e gerar sensibilidade. Isso é fundamental para a construção de uma sociedade justa e inclusiva”, observa Denise Pedron.

Expansão do entendimento
No plano das artes cênicas, a oficina Teatro(s) negro(s): dramaturgias e outras fabulações, ministrada pela linguista Soraya Martins e pelo dramaturgo Anderson Feliciano, será espaço de reflexão sobre a cena contemporânea produzida por artistas negros. “O teatro negro extrapola a abordagem das religiões e das mazelas históricas. Vamos trazer outras narrativas que expandam esse entendimento”, anuncia Soraya.

A atividade Solo em foco, mediada pelos atores Ludmilla Ramalho e Gui Augusto, vai fornecer ferramentas para que atores, bailarinos e poetas possam criar suas próprias performances solo. Ministrada pela professora de teatro Marina Marcondes Machado, a oficina Pequenas dramaturgias é direcionada a estudantes do ensino médio interessados na escrita de dramaturgias, com o objetivo de fomentar a autoria de cenas curtas.

Na oficina Solo em foco, os artistas poderão criar suas próprias performances.
Na oficina Solo em foco, os artistas poderão criar suas próprias performancesLuiza Palhares

A atriz Myriam Nacif, docente do curso de teatro da UFMG, vai mostrar, na oficina Da brincadeira à arte, como a criação cênica está relacionada à espontaneidade.

“As dinâmicas de roda também são um meio importante de romper com o individualismo, cada vez mais presente nas relações atuais”, observa Myriam. 

A oficina O feminino em dança: criatividade e espiritualidade, a cargo da dançarina e psicóloga Renata de Almeida, vai desenvolver o potencial criativo das participantes, por meio de danças cigana e circular, e exercícios de improvisação e práticas de escrita criativa.

Conhecimento saboreado
Na oficina Casa natural – o resgate do cuidado, o arquiteto Carlos Solano vai trazer à tona o cuidado com o corpo, o vestuário, a morada, a cidade e o planeta, fundamentado na cultura dos povos simples do interior do país. “O conhecimento precisa ser saboreado, por meio de vivências artísticas”, defende o professor. 

Oficina Casa natural: encontro com a cultura dos povos do interior
Oficina Casa natural: encontro com a cultura dos povos do interior Luciana Agueira Bassan

A atividade Mulheres, corpo e autonomia vai estimular a troca de vivências entre as mulheres sobre seus corpos e práticas relacionais, incluindo conhecimento anatômico e ciclos hormonais. O objetivo é propiciar familiaridade com os processos orgânicos e sua relação com a sociedade. 

Rolezinho Lagoinha é o nome da atividade que consistirá em passeios temáticos a pé pelas ruas do tradicional bairro Lagoinha, conduzidos por pessoas conhecedoras da história da região. 

Rolezinho Lagoinha: passeio pela história de um dos bairros mais antigos de BH.
Rolezinho Lagoinha: passeio pela história de um dos bairros mais antigos de BHNatália Hare

Com o objetivo de compreender a natureza por meio do entendimento sobre a forma dos organismos, a oficina Geometria do pensar propõe-se a desenvolver habilidades de visualização e senso espacial, abordando temas como percepção sensorial, raciocínio lógico e dinâmica de movimento. A atividade será ministrada pelo professor Waldo Lima do Valle.  

Desenho e animação
A oficina Superman, das origens nos quadrinhos à Segunda Guerra Mundial vai abordar a trajetória dos criadores do personagem e o contexto histórico, social, cultural e político, desde sua concepção, em 1937, até a Segunda Guerra Mundial. Ela será ministrada pelo professor e historiador Afonso Andrade.

A atividade Todo mundo consegue fazer quadrinhos, a cargo do professor de cinema Leal Werneck, vai trabalhar os princípios básicos do design de personagens e das técnicas narrativas utilizadas em histórias em quadrinhos, cinema, televisão, publicidade, cinema de animação e videogames. “Para participar, não é preciso saber desenhar”, esclarece Werneck, que leciona na Escola de Belas-Artes (EBA) da UFMG. 

Desenho e cartoon, oficina ministrada pelo cartunista Lucas Ramon Maciel, pretende introduzir os participantes no mundo dos cartuns. 

A artista plástica Ana Göbel vai mediar a atividade Asas da imaginação: animação por meio do retroprojetor. O público será estimulado a produzir animações de luz e sombra usando desenhos em folhas de acetato, colagens, recortes, bonecos articuláveis e outros objetos. “O retroprojetor é uma imensa fonte imagética, já que pode projetar tudo o que é colocado sobre ele”, observa Göbel, ao se referir a um  aparelho que era muito utilizado por professores em salas de aula até o início dos anos 2000.

Luta, coragem e afeto

No ciclo de debates População de rua, ocupações, arte e cultura, o ativista Leonardo Vieira apresentará um diagnóstico da moradia de rua no Brasil. A necessidade de uma profunda reforma urbana e a ausência de uma política habitacional adequada no país estarão entre os assuntos em pauta. A pesquisadora e diretora de teatro Cristina Tolentino, por sua vez, fará um relato sobre o Grupo de Teatro Mulheres de Luta, coletivo com foco na trajetória de emancipação feminina formado por mulheres da Ocupação Carolina Maria de Jesus. “Essas mulheres expõem seus corpos em cena simbolizando a transição da limitada vida doméstica à luta pela dignidade humana, dando um sentido libertário às suas vidas e à sua comunidade”, descreve Tolentino.

Com o tema O refugiado, este outro, o antropólogo congolês Felix Caputo, ancorado em sua própria experiência, ministrará palestra sobre as histórias, motivações e expectativas dos povos refugiados. Por fim, na mesa Transvivência: diálogos sobre o direito à diferença na universidade, o professor Paulo Henrique Nogueira vai apresentar pesquisa sobre a situação de estudantes transexuais na UFMG. Também participará do debate a servidora Samara Pimenta, que fará um relato sobre sua transição de gênero e implicações em seu ambiente de trabalho. 

Entre as apresentações artísticas, o concerto Suíte capoeira envolverá o público, na abertura do Festival, com uma tradicional roda de capoeira, embalada pelo som de berimbaus e diversos instrumentos de orquestras. “Trata-se de uma obra sinfônica, densa, complexa, rompedora de paradigmas artísticos na medida em que inclui a capoeira e seu instrumental, com berimbaus, atabaque, pandeiro, agogô e reco-reco”, descreve o músico Rafael Calaça, autor da performance. O banquete O Ajéum que nos une – cerimônia africana baseada na preparação e oferta de comida à orixá Yemonjá – também está programado para segunda-feira, dia 11. 

Os espetáculos teatrais Para Rocío Jurado e Todas as vozes, todas elas (ambos previstos para terça-feira, dia 12) e Assembleia comum (na quarta-feira, 13) também compõem a programação, que será encerrada na quinta-feira, dia 14, com a festa Tutu com Tacacá convida Bloco da Fofoca, marcada pelo encontro entre o carimbó paraense e a musicalidade mineira. 

Tutu com Tacacá: carimbó paraense em terras mineiras
Tutu com Tacacá: carimbó paraense em terras mineiras Bárbara Ferreira

A programação do evento e outras informações, incluindo inscrições, estão disponíveis no site.

Matheus Espíndola (com colaboração de João Paulo Alves)