Novos parâmetros para a cardiopatia reumática
Sistema de pontuação proposto por equipe da Faculdade de Medicina estabelece escala de riscos e favorece diagnóstico precoce da doença
A cardiopatia reumática, doença que atinge especialmente as válvulas do coração, decorre de infecções repetidas de garganta (amigdalites) provocadas pela bactéria streptococcus e é uma das prováveis causas de metade das cirurgias cardíacas complexas no sistema público de saúde do Brasil.
Pesquisadores da UFMG que integram o Programa de Rastreamento da Valvopatia Reumática (Provar), do Hospital das Clínicas, e do Children’s National Health System de Washington, DC, Estados Unidos, propuseram novo escore (classificação por pontuação) de critérios para diagnóstico e acompanhamento dos pacientes. A classificação pode identificar crianças sob maior risco, propiciando a adoção de medidas para impedir a evolução da doença para a forma mais grave. As conclusões do estudo estão em artigo publicado neste mês pela revista Circulation Cardiovascular Imaging.
Um dos autores do artigo, o professor Bruno Ramos Nascimento, da Faculdade de Medicina, conta que, em 2012, a World Heart Federation estabeleceu uma padronização para as alterações do coração, sugestivas de cardiopatia reumática: borderline (alterações discretas) ou definitivas (alterações mais significativas). “Esses critérios, no entanto, são arbitrários e insuficientes tanto para prever quais pacientes teriam maior risco de progressão para a forma grave da doença quanto para identificar os beneficiados com profilaxia secundária por penicilina injetável, capaz de evitar complicações que levam a formas avançadas da enfermidade”, argumenta o professor.
Segundo o cardiologista, com base em variáveis das alterações borderline e definitiva, são definidos os cinco principais preditores da evolução da doença: alterações no espessamento do folheto anterior da válvula mitral, movimentação excessiva da extremidade do folheto, jato de regurgitação mitral maior que dois centímetros, espessamento focal da válvula aórtica e qualquer tipo de regurgitação da válvula aórtica.
Classificação
Essas alterações receberam uma pontuação, que possibilita classificar os pacientes em três grupos de risco: baixo (menos de seis pontos), intermediário (seis a nove pontos) e alto (a partir de 10 pontos).“Isso é importante porque essas alterações podem ser detectadas na fase subclínica, ou seja, quando os pacientes ainda não apresentam sintomas da doença, contribuindo para o diagnóstico e intervenção precoces”, afirma o professor Bruno Nascimento.“E a classificação possibilita que os pacientes de alto risco recebam acompanhamento médico mais próximo, tratamento com penicilina e não evoluam para a fase grave da doença”, acrescenta.
O estudo baseou-se em 22 mil laudos de ecocardiograma simplificado (ultrassom do coração), realizados pelo Provar, em parceria com o Children’s National Health System, em jovens de 5 a 18 anos, nas cidades de Kampala e Gulu, em Uganda, e nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte e Montes Claros.
A cardiopatia reumática é considerada endêmica em regiões de baixa renda, onde crianças vivem em aglomerados, sem assistência primária à saúde. “Se não forem tratadas, as infecções repetidas por streptococcus provocam uma reação imune, denominada febre reumática aguda, que, a cada nova nova infecção, aumenta a chance de acometimento cardíaco. Por isso, os cuidados primários e o diagnóstico precoce são fundamentais para a prevenção e redução dos casos graves”, sustenta o professor.
Segundo Bruno Nascimento, a opção pelo ecocardiograma simplificado é justificada porque recorre a protocolo e aparelhagem (semelhante a um smartphone) menos complexos e de menor custo. Esse tipo de exame pode ser realizado por equipes de não médicos (enfermeiros e técnicos) e enviado pelo sistema de telemedicina para uma plataforma de diagnóstico a distância a fim de ser interpretado por médicos especialistas. “Além disso, é capaz de detectar alterações cardíacas antes que elas sejam identificáveis pelo exame clínico”, afirma o professor.
Mais de 33 milhões de pessoas no mundo são acometidas pela cardiopatia reumática – o número de mortes anuais chega a 320 mil. No Brasil, estima-se que existam 10 milhões de casos de infecção estreptocócica por ano, dos quais 300 mil evoluem para febre reumática e 15 mil para cardiopatia reumática.
Também participam do estudo os professores da Faculdade de Medicina Antônio Luiz Pinho Ribeiro e Maria do Carmo Pereira Nunes, além das doutorandas Kaciane Oliveira e Adriana Diamantino e alunos de iniciação científica vinculados ao projeto.
Artigo: Simplified Echocardiography Screening Criteria for Diagnosing and Predicting Progression of Latent Rheumatic Heart Disease